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Acelerada privatização das praias brasileiras
– 20 de fevereiro de 2016
Novo retrocesso a enfrentar: sob as vistas grossas dos poderes locais e Judiciário, condomínios e comércios barram lazer de quem não tem propriedade ou poder de consumo
Por Raquel Rolnik, em seu blog
Passou
o carnaval, o verão vai terminando e com ele o frenesi dos brasileiros
com nosso imenso litoral. Existe alguém que não gosta de passar férias
de verão na praia, mergulhar no mar, caminhar pela areia, olhar o
horizonte sem fim? No entanto, apesar de termos praias lindíssimas, e de
todas serem, por definição, públicas, nem sempre é possível
desfrutar desta paisagem tão especial… às vezes não conseguimos sequer
enxergá-la.
Percorrendo
nosso litoral, é cada vez mais comum que, de repente, a paisagem seja
interrompida por muros altíssimos protegendo condomínios privados que
bloqueiam a entrada para a praia e a visão do mar. Em algumas situações,
as casas avançam com muros de contenção sobre a areia, e, com o avanço
das marés, literalmente, eliminam a praia.
Quando
não são os condomínios residenciais, são “barracas de praia” que se
transformaram em verdadeiros complexos de lazer à beira-mar, em cima da
areia, bloqueando e privatizando o usufruto da praia. Um exemplo
impressionante é o de Porto Seguro, na Bahia. Quem passa pela estrada
que liga esta cidade a Santa Cruz de Cabrália percorre uma série de
empreendimentos gigantescos que incluem restaurantes, espaços para
shows, playgrounds etc., e que impedem os pobres mortais de simplesmente
ver ou mergulhar no belíssimo mar azul turquesa da cidade…
Isso
é cada vez mais frequente… Mas é permitido? Não! De acordo com a
Constituição Federal, as praias são bens da União. Além disso, a Lei
7.661/1988, que regula o uso da costa marítima do nosso país, determina
claramente, em seu Artigo 10, que “As praias são bens públicos de uso
comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e
ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos
considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas
protegidas por legislação específica.”
Então,
se a legislação não permite que a praia – pública – seja ocupada por
esses empreendimentos, como é possível que estes existam há tanto tempo e
continuem se multiplicando? No caso de Porto Seguro, como em muitas
outras situações de privatização de praias, é a irresolução jurídica, ou
seja, os processos que se estendem indefinidamente numa teia de
recursos, agravos e táticas protelatórias, que mantém flagrante
ilegalidade, garantindo os benefícios dos usurpadores.
Órgãos
públicos como o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional) e a SPU (Secretaria do Patrimônio da União), assim como
promotores de vários ministérios públicos do país, ao tentar mandar
abrir condomínios, derrubar muros e barracas, enfrentam o enorme poder
político local e sua incidência sobre o poder jurídico, em benefício dos
que desejam manter a situação como está, contrariando o interesse
público.
Em
Porto Seguro, por exemplo, no início da década de 2000, o Iphan emitiu
ordens administrativas determinando a retirada das barracas que ocupam o
litoral Norte da cidade, ou seja, as que estão à direita da estrada
paralela ao mar, literalmente sobre a areia. Como não foram cumpridas, a
questão foi judicializada: o Iphan recorreu à Justiça solicitando que
esta ordenasse a retirada das barracas. Passados mais de dez anos,
pouquíssimas ordens judiciais foram emitidas (menos de 10 barracas foram
removidas, entre dezenas existentes) e, na maioria dos casos, os
processos circulam nas diversas instâncias, com recursos e mais
recursos…
O
fato é que os donos destes empreendimentos são agentes locais
poderosíssimos, que participam da direção política da cidade, ocupam
cargos altos no Executivo e no Legislativo, têm laços estreitos com
juízes e promotores… Enquanto isso, as barracas continuam firmes e a
praia segue privatizada… E quem aprecia a tranquilidade e a amplidão da
paisagem do mar vai ter que buscar isso em lugares cada vez mais raros e
longínquos…
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