Aletheia: o Fascismo Não É o Pior.
Carlos A. Lungarzo
Segundo os eruditos em linguística
clássica da mídia brasileira, a palavra aletheia
significa verdade em grego. Parece uma ironia, porque dificilmente é
possível lembrar uma operação tão tortuosa como esta fase da Lava Jato, o que
não significa que as outras, cada uma em sua medida, fossem “tranquilas”.
Mas, mesmo que não pareça à
primeira vista, o nome da operação é apropriado. Antes de pensar que estou
virando coxinha, vejam as minhas razões.
Essa palavra grega quer dizer desvelamento. Com efeito, aletheia deriva de alethos, que significa a = sem e lethe = esquecimento.
Daí deriva a palavra latina “latente”, aquilo que não é explícito. Ou seja, aletheia é aquilo que fica sem esquecimento, fora do estado de latência, evidente, etc.
Quer dizer que a PF leu Parmênides
de Eleia? Talvez. A PF inventa uns nomes muito bonitos, derivados do grego, do
sânscrito e outros; e alguns de seus quadros são cultos. (Isso não é
surpreendente: Heydrich e Kalterbrunner também eram muito versados em línguas e
artes.)
Aliás, estamos na época dos
repressores cultos.
Os ignorantes esquerdistas não sabíamos (e aprendemos com
os promotores) que Marx (que tinha 12 anos quando Hegel morreu de cólera em
1831, e vivia a 722 quilómetros de distância), se comunicava com seu mestre
pela Internet e assim escreveram juntos o famoso romance Os Bandeirantes Vermelhos.
Mas, por diversas razões, penso
mais provável que a ideia de usar a palavra aletheia
por parte dos tiras seja uma homenagem ao filósofo alemão Martin Heidegger
(1889-1976), que a tornou popular entre o público filosófico. Ele baseia a
origem da palavra germânica Wahrheit (verdade)
no termo grego aletheia. (Não cito os
livros onde aparece, porque sua leitura pode fazer mal a saúde.)
Entender Heidegger literalmente é
impossível se você não tiver a mesma inspiração mística ou uma patologia
semelhante à dele. Dê uma olhada neste texto escrito por filósofos brasileiros,
e diga se entende uma palavra:
Mas, se não dá para entender seu
pensamento filosófico, podemos sim entender o pensamento político do qual sua
filosofia é apenas uma máscara. De 1988 até 2005, os melhores especialistas no nazismo
intelectual, como o chileno Farías e o francês Faye, entre outros, têm
analisado os significados do mais prestigioso reitor, ideólogo e delator da
Alemanha nazista.
Para Heidegger, verdade, Wahrheit, ou aletheia é a
“descoberta” do Ser (seja o que for o que isso quer dizer), que, por sua vez,
não é feita por qualquer coitado imbecil, como um cientista, um pesquisador, um
historiador ou um popular.
Nenhum desses tem acesso à verdade.
Segundo Heidegger, o Revelador do Ser
(ou, em bom portunhol, o “dono de verdade”) é aquele que encarna os grandes
valores de uma raça, o espírito do povo (Volksgeist),
é o que representa a força do Sangue e do Solo (Blut und Erde).
Em alguns discursos, Heidegger
identificou a procura da verdade com o Führerprinzip (o princípio do líder), mas em suas obras
filosóficas sua paixão pelo nazismo é mais sutil.
Mas, antes de Hitler existir, já houve outros
profetas da aletheia. E Heidegger sempre reconheceu que o outro grande
“Aletheiador” foi Abraham a Sancta Clara
(1644-1709), pseudônimo de um grotesco monge agostiniano austríaco, uma mente
doentia como houve poucas, e o maior consolidadores do antigo e vigoroso
racismo germânico.
Meu ponto aqui é que a aletheia
da Lava Jato, mesmo se a PF tivesse tirado a palavra dos filósofos
pré-socráticos e não de Heidegger, tem tudo
a ver com a prática desses algozes e seus patrões Torquemada’s.
Portanto, fica demonstrado que o
nome dessa operação é muito adequado. Agora, a segunda parte: por que a coisa é
nazismo e não apenas fascismo.
Nos últimos dias, milhares de
ativistas denunciam que as instituições jurídicas e mediáticas estão avançando
na direção do fascismo. Eu acho isso correto, mas deve ter-se cuidado em não
cair em maniqueísmos, e, sobretudo, em ser precisos nas acusações.
O Fascismo, não sentido original da palavra, não é o pior. O fascismo teve basicamente três herdeiros, na
Europa, cuja violência e crueldade foi muito mais grave que a do fascismo que
os inspirou: a Ustasha croata, o Nazismo alemão e a Aliança Falange-Opus Dei na Espanha.
O fascismo caracterizou-se por um
enorme autoritarismo, chauvinismo, preconceito e violência, mas essas
características variaram em cada um dos países onde foi triunfante. Por
exemplo, um oficial major da Wehrmacht, durante
a Guerra, mandou uma mensagem a Himmler desde Zagreb, dizendo que as
atrocidades cometidas pelos croatas prejudicavam
o sentido de honra do nazismo. Pode parecer incrível, mas é assim mesmo.
Eu acredito que a atual teia policial-mediático-judicial
está menos para fascismo clássico e mais para Gestapo, Goebbels e Freisler. Dito seja
com o maior respeito para os originais, pois as imitações são sempre de menor
qualidade.
Para apreciar as diferenças entre
fascismo e nazismo, vejamos o caso de um famoso filósofo italiano, cuja
influência é enorme ainda hoje. Antonio Gramsci, um dos
grandes inimigos do fascismo e uma das mais relevantes mentes do marxismo,
esteve preso na Itália entre 1926 e 1934.
Ele era (e ainda é hoje) uma figura
extremamente “perigosa” para os fascistas por sua defesa da ação cultural como
método contra a dominação da direita, que, dito seja de passagem, é a única
forma viável de lutar contra o capitalismo.
Proponho esta charada:
Quanto tempo passaria preso
Gramsci se estivesse no Brasil atual, com os atuais juízes e promotores?
Certamente, não podemos saber com certeza, mas, se você
lembrar a “regra de três” da escola, pode calcular facilmente com base no
seguinte exemplo:
O exilado político chileno Maurício
Hernández Norambuena está preso no Brasil desde 2002 em prisões de máxima
segurança, sendo removido continuamente a lugares cada vez mais remotos. Ele
está doente, mas não é atendido por médico nenhum. Ele foi acusado de cometer
delitos comuns no Brasil (nunca os
delitos são tratados como políticos), mas execução da sentença acabou faz
quatro anos.
Além disso, a justiça Brasileira (que sempre
morre de prazer para extraditar esquerdistas) se recusa a extraditá-lo, justamente porque isso o beneficiaria. No
Chile, teria um trato menos sádico e mórbido que aqui. Os meritíssimos não
querem que ele seja punido. Querem puni-lo com sua própria “picana[i]”.
Inversamente, Gramsci, que ficou
doente na prisão foi atendido em hospitais de Formio e Roma, e conseguiu sua
soltura por causas humanitárias (não é brincadeira; os fascistas se apiedaram
de sua doença. Fariam isso nossos juízes???)
Norambuena cumpriu faz tempo sua
pena, mas é mantido preso para agradar a plutocracia brasileira, que foi alvo
de seus “delitos comuns”. Na Alemanha Nazista, possivelmente estaria nas mesmas
condições que no Brasil, mas na Itália, sem dúvida, já estaria livre.
Por isso creio que devemos mudar “fascismo” por
“nazismo”, nessa denúncia sobre o avanço do golpe jurídico-policial-mediático. Pelo
menos, até que se acunhe uma expressão mais adequada.
Vou dar algumas razões:
O nazismo é uma forma de
fascismo muito complexa, não apenas alimentada pelo autoritarismo, mas, também
pelo ódio, o misticismo, a sede de vingança, a paixão pela tortura, e, em
termos gerais, por uma enorme sociopatia, que a Escola de Frankfurt relacionou,
muito acertadamente, com graves
transtornos sexuais.
O mais conhecido desses transtornos
é a dificuldade que enfrentavam membros da Gestapo
e do Gerichtshof de obter orgasmo se
não mediasse o sofrimento de pessoas a eles submetidas.
No caso da polícia era mais fácil,
porque eles torturavam as vítimas diretamente e o fedor do sangue, os prantos e
os gritos de dor incrementavam seu tesão. O magistrado tinha que manter a
dignidade da toga, e geralmente assistia às torturas praticadas pela Gestapo ou
a SS, mas não tocava nos prisioneiros. No máximo, ele dava passo à corrente com
um switch. No entanto, não há
registros de como era um orgasmo do juiz.
Isto pode parecer exagerado, mas
convido ao leitor interessado a comparar detalhes sobre os fascistas
tradicionais e os nazistas. Hoje em dia há várias dúzias de livros em inglês e
francês onde estes aspectos de compulsam centímetro e centímetro.
Mas, vejamos só um exemplo
autóctone:
“Coxinhas” do show do dia 13 na
Paulista não admitiram entre seus apoiadores figuras como o governador de São
Paulo e outras que seriam consideradas à direita dos camisas negras num comício
do Fascio em, por exemplo, 1935.
Entretanto, esses hooligans aclamam um psicopata
escandaloso que faz propaganda do estupro em plena “Casa do Povo”, e adoram um
jovem edípico e sombrio, que nutre seu ócio soturno com pegadinhas e
grampinhos.
Vejamos outras analogias entre os
Lavajáticos e os nazistas.
1. O sistema
de propaganda de ultradireita no Brasil é (mesmo descontando as mudanças da revolução
tecnológica) mais totalitário do que foi na Itália dos 30, e só é ultrapassado
com o estabelecido por Goebbels na Alemanha, ou com Franco na Espanha.
2. A
tortuosidade usada pela Lavo Jato parece em tudo ao sistema de coerção e
distorção da Gestapo. Se não há tortura é porque os prisioneiros são ricos e/ou
famosos, mas todos sabem que as torturas que aplica a polícia brasileira aos
populares são agora maiores que no período 1974-1985.
3. Outra coisa
importante, típica do nazismo é o apurado sistema de espionagem, grampeamento,
falsificação da informação, pentitismo mirabolante,
“adivinhação” sobre o pensamento alheio, praticada pelo Torquemada caipira e
seus bizarros promotores.
4. Ainda
temos, o crime de intenção, que foi aplicado algumas vezes na Itália (sobretudo
após o fascismo oficial, na década de 70), mas que só foi usado de maneira
consistente no nazismo e no stalinismo. Aqui é o mesmo: o dark boy da nova direita escudrinha as intenções.
Se Lula diz a seu filho “dirija devagar”, essa frase, que ele
grampeou, significa “Cuidado, meu filho; observe se o juiz Roland Freisler não
está seguindo você”. Se Lula tomou um chope, quando o alcaguete comunica aos
promotores, eles dizem: “Tá claro. Parou nesse bar para vender um lote de Merca”.
5. Além disso,
a Gestapo é um modelo perfeito do atual estado policial brasileiro: promoção da
delação, da perfídia, da bajulação, do culto à personalidade das autoridades,
da covardia, da submissão, da aceitação e promoção de informação falsa, da
intimidação pública, da explosão de boatos... Em fim, uma corporação de chicote
e vinil, mas sem a excitação que, segundo dizem os que praticam, produz o BDSM.
Alguns pensam que o PT e o governo
estão pagando suas culpas por ter suportado durante 14 anos as provocações nazistas,
com atitudes de negociação e até de humilhação; por ter se submetido ao
mercado, e por ter abandonado seus militantes, que, se fossem agora tão robustos
como eram em 1985, seriam suficientes para esmagar os nazistas.
Mas, esse tipo de pensamento
vingativo é desumano, e, afortunadamente, a esquerda está engrossado os atos
contra o terrorismo de estado. Aliás, apesar de todos seus defeitos, cuja
correção deve ser exigida, os governos dos PT foram, sem dúvida, os melhores do
Brasil, e estão entre os quatro melhores da história na América do Sul.
Creio que nós, da esquerda, devemos
pensar que o sistema que há no Brasil hoje deve ser defendido a qualquer custo
que seja compatível com os direitos humanos, esquecendo mágoas e
ressentimentos. Isso não impede repudiar todas as viragens à direita que o
governo passa tentar.
É verdade que o que nós temos não é
propriamente democracia, mas uma agenda eleitoral mais ou menos precisa, onde
alguns direitos se respeitam se você não for negro, pobre, de esquerda, ou
combinado com a esquerda. Mas é bem melhor que o Paquistão ou a Arábia Saudi. Defender
esta quase-semi-democracia pode nos dar a oportunidade única de atingir, algum dia, uma verdadeira democracia.
Mas, também devemos imaginar um
futuro realista, para criar coragem nas próximas lutas. Esse futuro por
deduzir-se do passado.
Pessoas com mais de 35 anos devem
lembrar o que foi o principado tucano: milhões sem emprego e sem direitos,
repressão violenta contra petroleiros e outros sindicatos, permanente
arrasamento dos movimentos sociais, quebradeiras em série, e ainda o cínico
sorriso dos algozes, sobre cujos lucros gigantescos jamais se falou. Inclusive,
foi nessa época, com o famoso gasoduto que começou a grande corrupção da PB, e
até o mensalão mineiro.
Entretanto, como já disseram alguns
analistas brasileiros, mesmo a situação que se viveu sob FHC pode ser ainda
muito pior.
Após 14 anos de sabotagem, tentativas
de golpes, centenas de provocações a todos
os níveis, a direita chega a um limiar onde pode desfrutar do cheiro de sangue. Isso fará sua vitória muito mais
bárbara, pois será necessário vingar-se de 14 anos de frustração.
Lembremos que, durante a campanha
de 2014, os ex candidatos acharam exageradamente alto o salário mínimo, e
teimaram na independência (ou seja, privatização)
do Banco Central. Sempre é possível estar pior.
[i]
Picana (não picanha, hein!) é o nome que se dá, na gíria policial da região
Sul, à tortura aplicada por meio de eletrodos carregados com alta voltagem.
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