*ano 2013
http://www.revistaforum.com.br/rodrigovianna/radar-da-midia/lalo-leal-globo-bloqueia-democracia-e-quer-monopolio-total/
Lalo Leal: “Globo bloqueia a democracia e quer monopólio total”
Laurindo Lalo Leal Filho é professor aposentado da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Seu principal objeto de estudo tem sido a análise de políticas públicas de comunicação, em especial para a televisão. Publicou, entre outros, os livros “Atrás das Câmeras: relações entre Estado, Cultura e Televisão” e “A melhor TV do mundo: o modelo britânico de televisão”. Hoje, apresenta o programa VerTv, exibido pela TV Brasil e é colunista do site Carta Maior.
Nessa entrevista para o Brasil de Fato,
parte da cobertura especial “Globo 50 anos – O que comemorar?”,
Laurindo falou sobre a história da emissora, os interesses que ela
representa e como sua atuação se torna um obstáculo à ampliação da
liberdade de expressão em nosso país.
Brasil de Fato: A Rede Globo está
comemorando seu aniversário de 50 anos. Como ela serve de exemplo e nos
ajuda a entender como os meios de comunicação foram estruturados no
Brasil?
Laurindo Lalo Leal Filho: As
Organizações Globo ocuparam um espaço que foi aberto na sociedade
brasileira a partir da ideia de que não deve existir regulação para os
meios de comunicação. A TV Globo é herdeira do jornal e da rádio Globo,
que ocuparam, desde o início, sem nenhum tipo de controle, o espaço
eletromagnético, as ondas de rádio e TV. Com isso, criaram uma estrutura
que acabou se tornando praticamente monopolista. As concorrentes que
surgiram acabaram por adotar o seu modelo, mas nunca conseguiram atingir
os mesmos graus e índices de cobertura.
Ela conseguiu isso graças,
primeiro, à total falta de regulação e, segundo, às relações que ela
sempre buscou ter com os membros do poder, particularmente, aqueles mais
conservadores.
A forte presença da Globo no
cenário brasileiro é fruto da conjugação de vários fatores que acabaram
determinando essa posição, que lhe deu a condição de pautar o debate
político no Brasil.
Hoje, é a Globo que determina
o que as pessoas vão conversar: é sobre novela, futebol ou escândalo
político. São esses três eixos de conteúdo que ela oferece, de forma
quase monopolista, sem que haja qualquer tipo de alternativa a esse
debate.
A Globo se tornou um poder
que impede uma maior circulação de ideias e a ampliação da liberdade de
expressão. Hoje, o debate público é controlado pela Globo.
Como se deu esse processo em que a Globo se torna a maior empresa de comunicação do país?
O início foi o jornal O Globo.
Depois veio a construção de canais para o rádio, entre os anos de 1930 e
1940. Em 1950, quando a televisão entra no Brasil, demora um pouco para
as organizações Globo perceberem a importância desse novo veículo, mas,
quando percebem, passam a fazer uma articulação, primeiro, para
conseguir a concessão para um canal e, depois, obter benesses para
tornar esse canal equipado.
O jornal e a rádio Globo obtiveram, através do seus presidente, Roberto Marinho, o canal que era pensado
originalmente para ser a primeira emissora pública brasileira, que seria
a TV Nacional, no Rio de Janeiro, durante a década de 50, no governo de
Getúlio Vargas. Naquela época, o monopólio das comunicações estava nas
mãos do Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados. Ele impediu,
após a morte do Vargas, a criação dessa televisão pública.
As Organizações Globo se
beneficiaram dessa ação do Chateaubriand contra o então presidente
Juscelino Kubitschek. O Juscelino não criou a TV Nacional, mas acabou
entregando o canal para a Globo. Esse foi o processo de outorga, que era
uma forma de [o Juscelino] conquistar o apoio desse grupo que era
economicamente mais bem organizado do ponto de vista empresarial que os
Diários Associados, que já enfrentava uma crise. Esse foi o apoio
político, mas houve também o apoio econômico.
Esse apoio a Globo foi buscar
fora do Brasil, fazendo o famoso acordo com a [empresa estadunidense]
Time-Life, garantindo, na época, 5 milhões de dólares para levantar as
Organizações Globo. Esse processo foi considerado inconstitucional por
uma CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] na Câmara dos Deputados,
porque era uma empresa estrangeira investindo em uma empresa de
comunicação brasileira. Entretanto, na ditadura militar essa decisão não
foi levada em conta pelo governo federal e aí a Globo decolou. Teve,
portanto, primeiro o apoio do Juscelino e depois dos militares.
Nesse processo, os Diários
Associados foram à bancarrota, a Globo ocupou esse vácuo, emergindo como
a grande empresa de comunicação do Brasil.
Você falou das relações com os setores conservadores. Especificamente em relação à ditadura, qual foi o papel da Globo?
O início da história golpista
da Globo, ainda com a rádio e o jornal, pode ser localizada na
tentativa de golpe contra o governo Vargas. Ali se tentou um golpe que
foi adiado por dez anos: de 1954, com a morte de Vargas, para 1964, com a
deposição do Jango [como era conhecido o ex-presidente João Goulart].
Houve uma campanha sistemática contra ele – como a que fazem hoje contra
a presidente Dilma –, dando todo o apoio ao golpe militar e, depois,
fazendo a sustentação política da ditadura, em troca de favores e
vantagens.
Nesse sentido, qual o saldo da atuação da Globo na política brasileira?
A Globo é a responsável pelo
não aprofundamento da democracia no Brasil. Ela faz isso através de dois
mecanismos. O primeiro é a questão cultural, mantendo a população
alienada, afastada do processo político através de uma programação que
faz com que as pessoas deixem de prestar atenção a aquilo que é
essencial à vida delas enquanto cidadãs, distraindo com a
superficialidade da programação. A Globo é responsável pela
despolitização do brasileiro.
De outro lado, está a defesa
de interesses antipopulares. Nesses 50 anos, do governo Vargas até hoje,
[a Globo] esteve comprometida com as classes dominantes do Brasil,
todas as bandeiras populares que aprofundariam a democratização do país
são demonizadas.
Quais bandeiras, por exemplo?
Podemos citar o caso das
eleições diretas [processo de mobilização da sociedade civil conhecido
como “Diretas Já”, ocorrido entre os anos de 1983 e 1984]. Naquele
momento, por exemplo, era muito interessante manter as eleições
indiretas, sobre as quais ela mantinha um controle muito maior. As
diretas poderiam levar à eleição de um líder popular que não atenderia
aos interesses da Globo.
A rede Globo usou todos os
recursos para impedir a eleição do Leonel Brizola para o governo do Rio
de Janeiro em 1982. Ela se colocou ao lado daqueles que queriam fraudar o
pleito. Depois, quando ele ganhou, se tornou persona non grata na emissora.
Outra ação nefasta da Globo é
perseguir políticos com posições não conservadoras, com posições mais
voltadas para os interesses populares, tratando de maneira negativa.
Excluiu Saturnino Braga, ex-prefeito do Rio de Janeiro. Trata de forma
pejorativa líderes populares, como o [dirigente do MST, João Pedro]
Stedile. Ou nem abre espaço para essas figuras. O próprio
[ex-presidente] Lula sempre foi tratado de uma forma menor, subalterna.
Há uma política editorial antipopular que é a marca dos 50 anos da rede
Globo.
Pode-se dizer que é uma linha editorial de manipulação?
Uma política editorial de manipulação contra os interesses populares, sempre a favor das elites.
Do ponto de vista da estrutura da Globo, como ela consegue pautar o debate nacional?
Ela acaba pautando os temas e
discussões no país. Ela tem enraizamento graças a um processo de
afiliação por todo o Brasil que frauda a legislação, que não permite o
oligopólio. É um enraizamento de cima para baixo, vindo do Rio de
Janeiro, São Paulo e Brasília, que se espalha para todo o país. Há uma
aliança com as elites locais, que reproduzem em seus estados a mesma
linha político-ideológico da Rede Globo. Esse controle sobre todo o país
faz com que questões importantes, de interesse do povo, que deveriam
estar sendo debatidas, acabam não tendo espaço.
O Roberto Marinho deixou isso
muito claro. Quando ele defendia a “TV Escola” [televisão pública do
Ministério da Educação], o argumento que ele usava é de que se você tem
todo o conteúdo produzido em um local central, você tem muito mais
facilidade de controle sobre esse conteúdo. Isso ele disse para a “TV
Escola”, mas vale para também o conteúdo jornalístico. Com a
centralização da informação, tem-se uma capacidade muito grande de impor
a pauta no país todo.
Há quem diga que, hoje, a imprensa é o grande partido de oposição. Você concorda?
Ela é. Não sou eu quem digo. A
própria ex-presidente da Associação Nacional dos Jornais disse isso há
alguns anos. “Como a oposição está muito frágil, a imprensa tem que
assumir seu papel”. Então, nos governos Lula e Dilma a oposição está
centrada nos grandes meios de comunicação que, inclusive, pautam os
partidos de oposição. São inúmeros os casos em que a mídia levanta um
problema e os partidos de oposição vão atrás, quando, em uma democracia
consolidada, seria exatamente o oposto: seriam os partidos que deveriam
levantar as questões antigoverno e a mídia iria cobrir. Hoje, a mídia é o
grande partido de oposição e a Rede Globo é o principal agente desse
partido.
Você falou como a
Globo impede o avanço da democracia brasileira. Toda vez que se fala,
por exemplo, em democratização dos meios de comunicação, a Globo fala em
“censura”. Como responder a isso?
Na verdade, eles são os
censores. Eles é que fazem a censura de inúmeros assuntos, temas e
angústias da sociedade brasileira, que não têm espaço na sua
programação. Apesar de estarmos há mais de 30 anos sem censura oficial,
eles usam um conceito de fácil assimilação pela população, e que ainda
tem reverberação por aquilo que ocorreu durante o regime militar, para
taxar aqueles que querem justamente o contrário, aqueles que querem o
fim da censura estabelecida por esses meios e a ampliação da liberdade
de expressão. A batalha pela liberdade de expressão é uma batalha
difícil, porque nós temos que contrapor um conceito de fácil
assimilação, um conceito que tem de ser explicado em seus detalhes, que é
o da liberdade de expressão. Quando se quer a regulação dos meios de
comunicação, se quer que mais vozes possam se expressar na sociedade
brasileira.
A Rede Globo quer o monopólio
total, o controle absoluto das ideias, informações e valores que
circulam no país e, por isso, utilizam todos os recursos para que a
liberdade de expressão seja uma liberdade controlada por eles.
Filme triste
A TV organiza a massa
Pena que a regulamentação dos
meios eletrônicos está engavetada. Se houvesse outras vozes no ar,
teríamos mais chance de evitar o golpe anunciado
por Lalo Leal
publicado
21/06/2013 18:52
Como o Passe Livre disse que não convocaria mais atos, a Globo assumiu o comando. Qual será o próximo?
A TV, chamada de “Príncipe
Eletrônico” pelo sociólogo Octavio Ianni, está conduzindo as massa pelas
ruas brasileiras. À internet coube o papel de convocar, à TV de
conduzir.
"Este não foi um movimento partidário.Dele participaram os setores conscientes da vida política brasileira"
(Editorial de O Globo, 2/4/1964)
Ao perceber que o movimento não tinha direção e
poderia assumir bandeiras progressistas, as emissoras de TV, com a Globo
à frente, passaram a conduzi-lo.
Nos primeiros dias, para as TVs, eram vândalos que
estavam nas ruas e precisavam ser reprimidos. Reproduziam em linguagem
popular o que pediam os editoriais da mídia impressa.
Não esperavam, no entanto, que o movimento ganhasse
as proporções que ganhou. Longos anos de neoliberalismo exaltando o
consumo e o individualismo tiraram de algumas gerações o prazer de fazer
política voltada para a solidariedade e a transformação social.
Os partidos que poderiam ser eficientes canais de
participação passaram a se preocupar mais com o jogo do poder do que com
debate e o esclarecimento político, tão necessário na formação dos
jovens.
Tudo isso estava engasgado. O movimento do passe
livre serviu de destape. Reprimido com violência como queria a mídia,
ele cresceu. Milhões foram às ruas em repúdio ao vandalismo policial
daquela quinta-feira (13).
As bandeiras, ao se multiplicarem, diluíram. A
história registra o surgimento, nesses momentos, de líderes carismáticos
ou de militares bem armados para levar as massas à trágicas aventuras.
Alemanha nos anos 1930 e o Brasil em 1964 são apenas dois exemplos.
Em 2013, quem assumiu esse papel foi a TV. Percebendo
a grandeza física do movimento, mudou o discurso e passou a exaltar a
“beleza” das manifestações. Ofereceu para elas as suas bandeiras
voltadas para assediar o poder central.
O grito genérico contra a corrupção ecoa a tentativa
de golpe contra o governo Lula em 2005, ensaiado pelos mesmos agentes de
hoje. Naquela época o esforço era maior. A TV tinha de convencer a
massa a ir para a rua. Em 2013 ela já estava caminhando, era só entregar
as bandeiras.
É o que estão fazendo com todo empenho. A exaltação ao povo que “acordou” foi só o começo. O JN,
na sexta-feira (14), censurou uma entrevista dada no Rio por uma
integrante do Movimento do Passe Livre, Mayara Vivian. Enquanto ela
falava dos ônibus, tudo bem. Mas a parte em que ela defendia a reforma
agrária, a reforma política e o fim do latifúndio no Brasil foi cortada
pela censura global. Esses temas não fazem parte das bandeiras da
família Marinho.
A mudança da grade de programação, com a troca da
novela pelas manifestações “ao vivo”, na última quinta (20), é ainda
mais emblemática. Sinalizou para o telespectador que algo de muito grave
estava ocorrendo e ele deveria ficar “ligado na Globo” para “entender” a
situação.
Tanto entenderam que às 20h30 centenas, se não
milhares de pessoas, continuavam a sair das estações do Metrô na Avenida
Paulista. Iam se juntar aos “apolíticos” que hostilizavam os militantes
partidários insuflados por “pitbulls” (jovens parrudos)
estrategicamente postados ao longo da avenida. Pela minha cabeça
passaram imagens das brigadas nazistas vistas no cinema.
Os cartazes tinham de tudo. Alguém disse que era um
“facebook” real. Cada um “postava” na cartolina a sua reivindicação. E a
TV até disso se aproveitou.
Na sexta pela manhã, Ana Maria Braga ensinava como as
mães deveriam orientar seus filhos na confecção desses cartazes. Como o
Movimento pelo Passe Livre já disse que não iria mais convocar novas
manifestações, parece que a Globo assumiu o comando. Quando será o
próximo ato? Saiba na Globo.
Fustigado nas ruas e nas telas, o governo para
responder, tem de se valer da mesma TV que o ataca. Julgou, como
julgaram outros governos, que isso seria possível e por isso não
constituiu canais alternativos de rádio e TV capazes de equilibrar a
disputa informativa (a presidente Cristina Kirchner não entrou nessa).
Sem falar na regulamentação dos meios eletrônicos
cujo projeto formulado ao final do governo Lula está engavetado. Se
houvesse sido enviado ao Congresso e aprovado, outras vozes estariam no
ar. Teríamos mais chance de evitar o golpe anunciado.
Laurindo Lalo Leal Filho
https://pt.wikipedia.org/wiki/Laurindo_Lalo_Leal_Filho
INÍCIO
Nenhum comentário:
Postar um comentário