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17/03/2016 - Copyleft
Moro comanda o direito
Se for concretizado de maneira plena, o golpe irá devorar, a médio prazo, seus próprios promotores e simpatizantes.
Tarso Genro
Há alguns meses venho insistindo
numa analogia da crise política do país, com a crise da República de
Weimar, apontando três semelhanças óbvias: a destruição da esfera da
política, como espaço legítimo para solucionar as crises pontuais, que
se acumulavam; a emergência da ”exceção”, na ordem jurídica, a partir da
jurisdição nacional construida pelo Juiz Moro; a indicação de um
inimigo em abstrato (os “políticos corruptos”), entre os quais são
escolhidos os que devem ser investigados, a partir de indicações da
parte mais tradicional da grande mídia.
Estes
procedimentos já constituíram uma situação de “exceção”, no país, já
reconhecida pelos nossos juristas mais qualificados, que culminou com a
gravação e divulgação de uma conversa da Presidenta Dilma com o
ex-Presidente Lula. Esta gravação e sua divulgação, é histórica, já que
ela foi produzida para interferir diretamente na crise política,
visando aprofundá-la. Sua divulgação tem o propósito de -retirada a
solução da crise do âmbito do Partidos e do Parlamento- fixá-la numa
instância do Poder Judiciário: a do Juiz Moro, que passa a ser
personagem-chave, já cultuado pelas ruas, cuja voz, hoje, comanda o
Direito e a Política no país.
Opino
que estes procedimentos não são originários de uma conspiração, com um
centro orgânico estruturado, mas constituem um novo modo de
funcionamento do Estado de Direito, em direção a se tornar um “Estado de
Fato”. Neste, o aparato estatal se superpõe à lei e faz o seu próprio
Direito: seu “partido” inspirador é a grande mídia – sistema de
organizações políticas e empresariais de larga experiência golpista-
cuja estratégia é encetar um golpe cumulativo. Este vem, processualmente
–sem participação militar- induzido por uma teia de interesses, que
vai montando suas alianças segundo a necessidade de despertar (ou
sufocar) a iniciativa política dos que seriam beneficiários imediatos do
golpe: ora Cunha, ora Aécio, sempre FHC, ora empresários assediados
pela crise, ora Bolsonaro, sempre Moro, ora PSDB, ora PMDB... Os aliados
são sempre instrumentais, pois eles carregam, também, as contradições e
“defeitos” que o golpe, aparentemente, se propõe a combater.
Se
for concretizado de maneira plena, o golpe irá devorar, a médio prazo,
seus próprios promotores e simpatizantes. Em algum momento,
necessariamente, ele vai ter à testa uma figura política já “usada” ou
meio “gasta”. Ou terá à frente uma figura nova, de fora da política,
lustrada como novo paladino da moral e dos bons costumes, que se tornará
necessariamente um político. Sustento, ainda, que rapidamente a Frente
“pró-golpe” vai se fracionar e será engolida no turbilhão da política,
porque a sua unidade e à rejeição ou o ódio ao que “aí está”, já que não
foi costurado qualquer programa capaz e mantê-la unificada. Tudo isso
se o golpe prosperar.
A
crise atual é gravíssima, pois combina um momento de instabilidade
grave na economia, funcionamento cambaleante das instituições, com a
debilitação da autoridade dos partidos. O sistema político falido
-agora- também cobra seu preço daqueles que defendem a solução da crise
dentro das regras constitucionais, pois as alianças -por necessidade
imediata- são centradas em defender o Estado de Direito, enfrentando
exceção”. Nem poderia ser de outra forma, a “exceção” hoje é que produz a
política. Como no Brasil, tudo acontece de maneira um pouco atípica,
pode-se dizer que aqui não é a política que está produzindo a “exceção”,
mas a “exceção” -vinda de fora do Executivo e do Parlamento- é que
está produzindo e processando os impasses políticos.
Ao
contrário do que pensam algumas cabeças bem intencionadas, este
processo, como está sendo levado, ao contrário de combater a corrupção,
muda apenas os reitores do processo corruptivo. Ao violar regras de
direito básicas dos investigados, inclusive com a possibilidade de
causar a anulação de sentenças futuras –“justas” ou “injustas”- ele
propicia, desde logo, o reforço de uma coalizão dos mais espertos e
oportunistas, que passam a defender soluções de força, em regimes nos
quais as corrupções nunca são investigadas.
Querem
fazer crer a uma parte da sociedade, que, se “eliminássemos os
políticos”, teríamos um paraíso de moralidade, quando, na verdade, nesta
hipótese teríamos o monopólio do crime por um poder autoritário e, se
hoje temos opacidade, amanhã teríamos a intransparencia absoluta. O
poder real só é plenamente visível na “exceção”, dizia Carl Schmitt, não
para repudiá-la, mas para colocá-la como elemento chave da sua Teoria
Constitucional. Para ele, o “Fhürer” “protege o direito do pior abuso,
quando ele, no instante de perigo, cria o direito sem mediações” (...)
“o resto não é direito, mas um tecido de normas positivas e coercitivas,
do qual um hábil criminoso zomba”.
Schmitt
esquece de completar e deixa dizer que o criminoso isolado, que zomba
do Direito, no varejo, é mais fácil de ser pego, dentro da lei, do que o
bando que zomba da Constituição, no atacado. E que se torna, depois,
poder de fato, por um largo e duro período. Até quando o STF permitirá
que o juiz Moro comande o Direito e se reporte “às massas”, como Juiz,
algoz de uma parte do espectro político, e líder político que se avoca,
com os seus Promotores, o refundador da República?
Temos
que nos unir, os que não se seduzem com estas soluções que deformam o
Estado de Direito Democrático, para sair desta crise por dentro da
Constituição, com mais democracia não com menos democracia. Dividir a
nação, entre patriotas e não patriotas, bons e maus, corruptos e
honestos, é uma estratégia de risco da direita troglodita e do fascismo,
que pode nos levar para uma violência sem fim, numa nação adoecida pelo
ódio.
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