segunda-feira, 29 de agosto de 2016
O discurso histórico de Dilma no Senado
Sem se intimidar diante dos seus algozes - com a mesma altivez que
enfrentou os generais no tribunal de exceção da ditadura militar -, a
presidenta Dilma Rousseff apresentou a sua defesa na sessão do Senado
desta segunda-feira (29). "Coração valente", ela encarou os senadores:
"Diante das acusações que contra mim são dirigidas, não posso deixar de
sentir novamente o gosto amargo da injustiça e do arbítrio. Mas como no
passado, resisto. Não esperem de mim o obsequioso silêncio dos
covardes". Ao falar sobre o êxito das Olimpíadas no Brasil, ela chorou.
Dilma também criticou o papel nefasto da mídia no golpe. Vale conferir a
íntegra do seu discurso, que entrará para a história:
Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal Renan Calheiros,
Excelentíssimas Senhoras Senadoras e Excelentíssimos Senhores Senadores,
Cidadãs e Cidadãos de meu amado Brasil,
No dia 1° de janeiro de 2015 assumi meu segundo mandato à Presidência da República Federativa do Brasil. Fui eleita por mais de 54 milhões de votos.
No dia 1° de janeiro de 2015 assumi meu segundo mandato à Presidência da República Federativa do Brasil. Fui eleita por mais de 54 milhões de votos.
Na minha posse, assumi o compromisso de manter, defender e cumprir a
Constituição, bem como o de observar as leis, promover o bem geral do
povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do
Brasil.
Ao exercer a Presidência da República respeitei fielmente o compromisso que assumi perante a nação e aos que me elegeram. E me orgulho disso. Sempre acreditei na democracia e no Estado de direito, e sempre vi na Constituição de 1988 uma das grandes conquistas do nosso povo.
Jamais atentaria contra o que acredito ou praticaria atos contrários aos interesses daqueles que me elegeram.
Nesta jornada para me defender do impeachment me aproximei mais do
povo, tive oportunidade de ouvir seu reconhecimento, de receber seu
carinho. Ouvi também críticas duras ao meu governo, a erros que foram
cometidos e a medidas e políticas que não foram adotadas. Acolho essas
críticas com humildade.
Até porque, como todos, tenho defeitos e cometo erros.
Entre os meus defeitos não está a deslealdade e a covardia. Não traio
os compromissos que assumo, os princípios que defendo ou os que lutam
ao meu lado. Na luta contra a ditadura, recebi no meu corpo as marcas da
tortura. Amarguei por anos o sofrimento da prisão. Vi companheiros e
companheiras sendo violentados, e até assassinados.
Na época, eu era muito jovem. Tinha muito a esperar da vida. Tinha
medo da morte, das sequelas da tortura no meu corpo e na minha alma. Mas
não cedi. Resisti. Resisti à tempestade de terror que começava a me
engolir, na escuridão dos tempos amargos em que o país vivia. Não mudei
de lado. Apesar de receber o peso da injustiça nos meus ombros,
continuei lutando pela democracia.
Dediquei todos esses anos da minha vida à luta por uma sociedade sem
ódios e intolerância. Lutei por uma sociedade livre de preconceitos e de
discriminações. Lutei por uma sociedade onde não houvesse miséria ou
excluídos. Lutei por um Brasil soberano, mais igual e onde houvesse
justiça.
Disso tenho orgulho. Quem acredita, luta.
Aos quase setenta anos de idade, não seria agora, após ser mãe e avó, que abdicaria dos princípios que sempre me guiaram.
Exercendo a Presidência da República tenho honrado o compromisso com o
meu país, com a Democracia, com o Estado de Direito. Tenho sido
intransigente na defesa da honestidade na gestão da coisa pública.
Por isso, diante das acusações que contra mim são dirigidas neste
processo, não posso deixar de sentir, na boca, novamente, o gosto áspero
e amargo da injustiça e do arbítrio.
E por isso, como no passado, resisto.
Não esperem de mim o obsequioso silêncio dos covardes. No passado,
com as armas, e hoje, com a retórica jurídica, pretendem novamente
atentar contra a democracia e contra o Estado do Direito.(continua)
Se alguns rasgam o seu passado e negociam as benesses do presente,
que respondam perante a sua consciência e perante a história pelos atos
que praticam. A mim cabe lamentar pelo que foram e pelo que se tornaram.
E resistir. Resistir sempre. Resistir para acordar as consciências
ainda adormecidas para que, juntos, finquemos o pé no terreno que está
do lado certo da história, mesmo que o chão trema e ameace de novo nos
engolir.
Não luto pelo meu mandato por vaidade ou por apego ao poder, como é
próprio dos que não tem caráter, princípios ou utopias a conquistar.
Luto pela democracia, pela verdade e pela justiça. Luto pelo povo do meu
País, pelo seu bem-estar.
Muitos hoje me perguntam de onde vem a minha energia para prosseguir.
Vem do que acredito. Posso olhar para trás e ver tudo o que fizemos.
Olhar para a frente e ver tudo o que ainda precisamos e podemos fazer. O
mais importante é que posso olhar para mim mesma e ver a face de alguém
que, mesmo marcada pelo tempo, tem forças para defender suas ideias e
seus direitos.
Sei que, em breve, e mais uma vez na vida, serei julgada. E é por ter
a minha consciência absolutamente tranquila em relação ao que fiz, no
exercício da Presidência da República que venho pessoalmente à presença
dos que me julgarão. Venho para olhar diretamente nos olhos de Vossas
Excelências, e dizer, com a serenidade dos que nada tem a esconder que
não cometi nenhum crime de responsabilidade. Não cometi os crimes dos
quais sou acusada injusta e arbitrariamente.
Hoje o Brasil, o mundo e a história nos observam e aguardam o desfecho deste processo de impeachment.
No passado da América Latina e do Brasil, sempre que interesses de
setores da elite econômica e política foram feridos pelas urnas, e não
existiam razões jurídicas para uma destituição legítima, conspirações
eram tramadas resultando em golpes de estado.
O Presidente Getúlio Vargas, que nos legou a CLT e a defesa do
patrimônio nacional, sofreu uma implacável perseguição; a hedionda trama
orquestrada pela chamada “República do Galeão, que o levou ao suicídio.
O Presidente Juscelino Kubitscheck, que construiu essa cidade, foi
vítima de constantes e fracassadas tentativas de golpe, como ocorreu no
episódio de Aragarças.
O presidente João Goulart, defensor da democracia, dos direitos dos
trabalhadores e das Reformas de Base, superou o golpe do parlamentarismo
mas foi deposto e instaurou-se a ditadura militar, em 1964.
Durante 20 anos, vivemos o silêncio imposto pelo arbítrio e a
democracia foi varrida de nosso País. Milhões de brasileiros lutaram e
reconquistaram o direito a eleições diretas.
Hoje, mais uma vez, ao serem contrariados e feridos nas urnas os
interesses de setores da elite econômica e política nos vemos diante do
risco de uma ruptura democrática. Os padrões políticos dominantes no
mundo repelem a violência explícita. Agora, a ruptura democrática se dá
por meio da violência moral e de pretextos constitucionais para que se
empreste aparência de legitimidade ao governo que assume sem o amparo
das urnas. Invoca-se a Constituição para que o mundo das aparências
encubra hipocritamente o mundo dos fatos.
As provas produzidas deixam claro e inconteste que as acusações
contra mim dirigidas são meros pretextos, embasados por uma frágil
retórica jurídica.
Nos últimos dias, novos fatos evidenciaram outro aspecto da trama que
caracteriza este processo de impeachment. O autor da representação
junto ao Tribunal de Contas da União que motivou as acusações discutidas
nesse processo, foi reconhecido como suspeito pelo Presidente do
Supremo Tribunal Federal. Soube-se ainda, pelo depoimento do auditor
responsável pelo parecer técnico, que ele havia ajudado a elaborar a
própria representação que auditou. Fica claro o vício da parcialidade, a
trama, na construção das teses por eles defendidas.
São pretextos, apenas pretextos, para derrubar, por meio de um
processo de impeachment sem crime de responsabilidade, um governo
legítimo, escolhido em eleição direta com a participação de 110 milhões
de brasileiros e brasileiras. O governo de uma mulher que ousou ganhar
duas eleições presidenciais consecutivas.
São pretextos para viabilizar um golpe na Constituição. Um golpe que,
se consumado, resultará na eleição indireta de um governo usurpador.
A eleição indireta de um governo que, já na sua interinidade, não tem
mulheres comandando seus ministérios, quando o povo, nas urnas,
escolheu uma mulher para comandar o país. Um governo que dispensa os
negros na sua composição ministerial e já revelou um profundo desprezo
pelo programa escolhido pelo povo em 2014.
Fui eleita presidenta por 54 milhões e meio de votos para cumprir um
programa cuja síntese está gravada nas palavras “nenhum direito a
menos”.
O que está em jogo no processo de impeachment não é apenas o meu
mandato. O que está em jogo é o respeito às urnas, à vontade soberana do
povo brasileiro e à Constituição.
O que está em jogo são as conquistas dos últimos 13 anos: os ganhos
da população, das pessoas mais pobres e da classe média; a proteção às
crianças; os jovens chegando às universidades e às escolas técnicas; a
valorização do salário mínimo; os médicos atendendo a população; a
realização do sonho da casa própria.
O que está em jogo é o investimento em obras para garantir a
convivência com a seca no semiárido, é a conclusão do sonhado e esperado
projeto de integração do São Francisco. O que está em jogo é, também, a
grande descoberta do Brasil, o pré-sal. O que está em jogo é a inserção
soberana de nosso País no cenário internacional, pautada pela ética e
pela busca de interesses comuns.
O que está em jogo é a auto-estima dos brasileiros e brasileiras, que
resistiram aos ataques dos pessimistas de plantão à capacidade do País
de realizar, com sucesso, a Copa do Mundo e as Olimpíadas e
Paraolimpíadas.
O que está em jogo é a conquista da estabilidade, que busca o
equilíbrio fiscal mas não abre mão de programas sociais para a nossa
população.
O que está em jogo é o futuro do País, a oportunidade e a esperança de avançar sempre mais.
Senhoras e senhores senadores,
Senhoras e senhores senadores,
No presidencialismo previsto em nossa Constituição, não basta a
eventual perda de maioria parlamentar para afastar um Presidente. Há que
se configurar crime de responsabilidade. E está claro que não houve tal
crime.
Não é legítimo, como querem os meus acusadores, afastar o chefe de
Estado e de governo pelo “conjunto da obra”. Quem afasta o Presidente
pelo “conjunto da obra” é o povo e, só o povo, nas eleições. E nas
eleições o programa de governo vencedor não foi este agora ensaiado e
desenhado pelo Governo interino e defendido pelos meus acusadores.
O que pretende o governo interino, se transmudado em efetivo, é um verdadeiro ataque às conquistas dos últimos anos.
Desvincular o piso das aposentadorias e pensões do salário mínimo
será a destruição do maior instrumento de distribuição de renda do país,
que é a Previdência Social. O resultado será mais pobreza, mais
mortalidade infantil e a decadência dos pequenos municípios.
A revisão dos direitos e garantias sociais previstos na CLT e a
proibição do saque do FGTS na demissão do trabalhador são ameaças que
pairam sobre a população brasileira caso prospere o impeachment sem
crime de responsabilidade.
Conquistas importantes para as mulheres, os negros e as populações
LGBT estarão comprometidas pela submissão a princípios
ultraconservadores.
O nosso patrimônio estará em questão, com os recursos do pré-sal, as riquezas naturais e minerárias sendo privatizadas.
A ameaça mais assustadora desse processo de impeachment sem crime de
responsabilidade é congelar por inacreditáveis 20 anos todas as despesas
com saúde, educação, saneamento, habitação. É impedir que, por 20 anos,
mais crianças e jovens tenham acesso às escolas; que, por 20 anos, as
pessoas possam ter melhor atendimento à saúde; que, por 20 anos, as
famílias possam sonhar com casa própria.
Senhor Presidente Ricardo Lewandowski, Sras. e Srs. Senadores,
A verdade é que o resultado eleitoral de 2014 foi um rude golpe em setores da elite conservadora brasileira.
Desde a proclamação dos resultados eleitorais, os partidos que
apoiavam o candidato derrotado nas eleições fizeram de tudo para impedir
a minha posse e a estabilidade do meu governo. Disseram que as eleições
haviam sido fraudadas, pediram auditoria nas urnas, impugnaram minhas
contas eleitorais, e após a minha posse, buscaram de forma desmedida
quaisquer fatos que pudessem justificar retoricamente um processo de
impeachment.
Como é próprio das elites conservadoras e autoritárias, não viam na
vontade do povo o elemento legitimador de um governo. Queriam o poder a
qualquer preço.
Tudo fizeram para desestabilizar a mim e ao meu governo.
Só é possível compreender a gravidade da crise que assola o Brasil
desde 2015, levando-se em consideração a instabilidade política aguda
que, desde a minha reeleição, tem caracterizado o ambiente em que
ocorrem o investimento e a produção de bens e serviços.
Não se procurou discutir e aprovar uma melhor proposta para o País. O
que se pretendeu permanentemente foi a afirmação do “quanto pior
melhor”, na busca obsessiva de se desgastar o governo, pouco importando
os resultados danosos desta questionável ação política para toda a
população.
A possibilidade de impeachment tornou-se assunto central da pauta
política e jornalística apenas dois meses após minha reeleição, apesar
da evidente improcedência dos motivos para justificar esse movimento
radical.
Nesse ambiente de turbulências e incertezas, o risco político
permanente provocado pelo ativismo de parcela considerável da oposição
acabou sendo um elemento central para a retração do investimento e para o
aprofundamento da crise econômica.
Deve ser também ressaltado que a busca do reequilíbrio fiscal, desde
2015, encontrou uma forte resistência na Câmara dos Deputados, à época
presidida pelo Deputado Eduardo Cunha. Os projetos enviados pelo governo
foram rejeitados, parcial ou integralmente. Pautas bombas foram
apresentadas e algumas aprovadas.
As comissões permanentes da Câmara, em 2016, só funcionaram a partir do dia 5 de maio,
ou seja, uma semana antes da aceitação do processo de impeachment pela
Comissão do Senado Federal. Os Srs. e as Sras. Senadores sabem que o
funcionamento dessas Comissões era e é absolutamente indispensável para a
aprovação de matérias que interferem no cenário fiscal e encaminhar a
saída da crise.
Foi criado assim o desejado ambiente de instabilidade política,
propício a abertura do processo de impeachment sem crime de
responsabilidade.
Sem essas ações, o Brasil certamente estaria hoje em outra situação política, econômica e fiscal.
Muitos articularam e votaram contra propostas que durante toda a vida defenderam, sem pensar nas consequências que seus gestos trariam para o país e para o povo brasileiro. Queriam aproveitar a crise econômica, porque sabiam que assim que o meu governo viesse a superá-la, sua aspiração de acesso ao poder haveria de ficar sepultada por mais um longo período.
Muitos articularam e votaram contra propostas que durante toda a vida defenderam, sem pensar nas consequências que seus gestos trariam para o país e para o povo brasileiro. Queriam aproveitar a crise econômica, porque sabiam que assim que o meu governo viesse a superá-la, sua aspiração de acesso ao poder haveria de ficar sepultada por mais um longo período.
Mas, a bem da verdade, as forças oposicionistas somente conseguiram
levar adiante o seu intento quando outra poderosa força política a elas
se agregou: a força política dos que queriam evitar a continuidade da
“sangria” de setores da classe política brasileira, motivada pelas
investigações sobre a corrupção e o desvio de dinheiro público.
É notório que durante o meu governo e o do Presidente Lula foram
dadas todas as condições para que estas investigações fossem realizadas.
Propusemos importantes leis que dotaram os órgãos competentes de
condições para investigar e punir os culpados.
Assegurei a autonomia do Ministério Público, nomeando como Procurador
Geral da República o primeiro nome da lista indicado pelos próprios
membros da instituição. Não permiti qualquer interferência política na
atuação da Polícia Federal.
Contrariei, com essa minha postura, muitos interesses. Por isso, paguei e pago um elevado preço pessoal pela postura que tive.
Arquitetaram a minha destituição, independentemente da existência de
quaisquer fatos que pudesse justificá-la perante a nossa Constituição.
Encontraram, na pessoa do ex-Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha o vértice da sua aliança golpista.
Articularam e viabilizaram a perda da maioria parlamentar do governo.
Situações foram criadas, com apoio escancarado de setores da mídia,
para construir o clima político necessário para a desconstituição do
resultado eleitoral de 2014.
Todos sabem que este processo de impeachment foi aberto por uma
“chantagem explícita” do ex-Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, como
chegou a reconhecer em declarações à imprensa um dos próprios
denunciantes. Exigia aquele parlamentar que eu intercedesse para que
deputados do meu partido não votassem pela abertura do seu processo de
cassação.
Nunca aceitei na minha vida ameaças ou chantagens. Se não o fiz
antes, não o faria na condição de Presidenta da República. É fato,
porém, que não ter me curvado a esta chantagem motivou o recebimento da
denúncia por crime de responsabilidade e a abertura deste d processo,
sob o aplauso dos derrotados em 2014 e dos temerosos pelas
investigações.
Se eu tivesse me acumpliciado com a improbidade e com o que há de
pior na política brasileira, como muitos até hoje parecem não ter o
menor pudor em fazê-lo, eu não correria o risco de ser condenada
injustamente.
Quem se acumplicia ao imoral e ao ilícito, não tem respeitabilidade
para governar o Brasil. Quem age para poupar ou adiar o julgamento de
uma pessoa que é acusada de enriquecer às custas do Estado brasileiro e
do povo que paga impostos, cedo ou tarde, acabará pagando perante a
sociedade e a história o preço do seu descompromisso com a ética.
Todos sabem que não enriqueci no exercício de cargos públicos, que
não desviei dinheiro público em meu proveito próprio, nem de meus
familiares, e que não possuo contas ou imóveis no exterior. Sempre agi
com absoluta probidade nos cargos públicos que ocupei ao longo da minha
vida.
Curiosamente, serei julgada, por crimes que não cometi, antes do
julgamento do ex-presidente da Câmara, acusado de ter praticado
gravíssimos atos ilícitos e que liderou as tramas e os ardis que
alavancaram as ações voltadas à minha destituição.
Ironia da história? Não, de forma nenhuma. Trata-se de uma ação
deliberada que conta com o silêncio cúmplice de setores da grande mídia
brasileira.
Viola-se a democracia e pune-se uma inocente. Este é o pano de fundo
que marca o julgamento que será realizado pela vontade dos que lançam
contra mim pretextos acusatórios infundados.
Estamos a um passo da consumação de uma grave ruptura institucional.
Estamos a um passo da concretização de um verdadeiro golpe de Estado.
Senhoras e Senhores Senadores,
Senhoras e Senhores Senadores,
Vamos aos autos deste processo. Do que sou acusada? Quais foram os
atentados à Constituição que cometi? Quais foram os crimes hediondos que
pratiquei?
A primeira acusação refere-se à edição de três decretos de crédito
suplementar sem autorização legislativa. Ao longo de todo o processo,
mostramos que a edição desses decretos seguiu todas as regras legais.
Respeitamos a previsão contida na Constituição, a meta definida na LDO e
as autorizações estabelecidas no artigo 4° da Lei Orçamentária de 2015,
aprovadas pelo Congresso Nacional.
Todas essas previsões legais foram respeitadas em relação aos 3
decretos. Eles apenas ofereceram alternativas para alocação dos mesmos
limites, de empenho e financeiro, estabelecidos pelo decreto de
contingenciamento, que não foram alterados. Por isso, não afetaram em
nada a meta fiscal.
Ademais, desde 2014, por iniciativa do Executivo, o Congresso aprovou a inclusão, na LDO, da obrigatoriedade que qualquer crédito aberto deve ter sua execução subordinada ao decreto de contingenciamento, editado segundo as normas estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. E isso foi precisamente respeitado.
Ademais, desde 2014, por iniciativa do Executivo, o Congresso aprovou a inclusão, na LDO, da obrigatoriedade que qualquer crédito aberto deve ter sua execução subordinada ao decreto de contingenciamento, editado segundo as normas estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. E isso foi precisamente respeitado.
Não sei se por incompreensão ou por estratégia, as acusações feitas
neste processo buscam atribuir a esses decretos nossos problemas
fiscais. Ignoram ou escondem que os resultados fiscais negativos são
consequência da desaceleração econômica e não a sua causa.
Escondem que, em 2015, com o agravamento da crise, tivemos uma
expressiva queda da receita ao longo do ano – foram R$ 180 bilhões a
menos que o previsto na Lei Orçamentária.
Fazem questão de ignorar que realizamos, em 2015, o maior
contingenciamento de nossa história. Cobram que, quando enviei ao
Congresso Nacional, em julho de 2015, o pedido de autorização para
reduzir a meta fiscal, deveria ter imediatamente realizado um novo
contingenciamento. Não o fiz porque segui o procedimento que não foi
questionado pelo Tribunal de Contas da União ou pelo Congresso Nacional
na análise das contas de 2009.
Além disso, a responsabilidade com a população justifica também nossa
decisão. Se aplicássemos, em julho, o contingenciamento proposto pelos
nossos acusadores cortaríamos 96% do total de recursos disponíveis para
as despesas da União. Isto representaria um corte radical em todas as
dotações orçamentárias dos órgãos federais. Ministérios seriam
paralisados, universidades fechariam suas portas, o Mais Médicos seria
interrompido, a compra de medicamentos seria prejudicada, as agências
reguladoras deixariam de funcionar. Na verdade, o ano de 2015 teria,
orçamentariamente, acabado em julho.
Volto a dizer: ao editar estes decretos de crédito suplementar, agi
em conformidade plena com a legislação vigente. Em nenhum desses atos, o
Congresso Nacional foi desrespeitado. Aliás, este foi o comportamento
que adotei em meus dois mandatos.
Somente depois que assinei estes decretos é que o Tribunal de Contas
da União mudou a posição que sempre teve a respeito da matéria. É
importante que a população brasileira seja esclarecida sobre este ponto:
os decretos foram editados em julho e agosto de 2015 e somente em
outubro de 2015 o TCU aprovou a nova interpretação.
O TCU recomendou a aprovação das contas de todos os presidentes que
editaram decretos idênticos aos que editei. Nunca levantaram qualquer
problema técnico ou apresentaram a interpretação que passaram a ter
depois que assinei estes atos.
Querem me condenar por ter assinado decretos que atendiam a demandas
de diversos órgãos, inclusive do próprio Poder Judiciário, com base no
mesmo procedimento adotado desde a entrada em vigor da Lei de
Responsabilidade Fiscal, em 2001?
Por ter assinado decretos que somados, não implicaram, como provado
nos autos, em nenhum centavo de gastos a mais para prejudicar a meta
fiscal?
A segunda denúncia dirigida contra mim neste processo também é
injusta e frágil. Afirma-se que o alegado atraso nos pagamentos das
subvenções econômicas devidas ao Banco do Brasil, no âmbito da execução
do programa de crédito rural Plano Safra, equivale a uma “operação de
crédito”, o que estaria vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Como minha defesa e várias testemunhas já relataram, a execução do
Plano Safra é regida por uma lei de 1992, que atribui ao Ministério da
Fazenda a competência de sua normatização, inclusive em relação à
atuação do Banco do Brasil. A Presidenta da República não pratica nenhum
ato em relação à execução do Plano Safra. Parece óbvio, além de
juridicamente justo, que eu não seja acusada por um ato inexistente.
A controvérsia quanto a existência de operação de crédito surgiu de
uma mudança de interpretação do TCU, cuja decisão definitiva foi emitida
em dezembro de 2015. Novamente, há uma tentativa de dizer que cometi um
crime antes da definição da tese de que haveria um crime. Uma tese que
nunca havia surgido antes e que, como todas as senhoras e senhores
senadores souberam em dias recentes, foi urdida especialmente para esta
ocasião.
Lembro ainda a decisão recente do Ministério Público Federal, que
arquivou inquérito exatamente sobre esta questão. Afirmou não caber
falar em ofensa à lei de responsabilidade fiscal porque eventuais
atrasos de pagamento em contratos de prestação de serviços entre a União
e instituições financeiras públicas não são operações de crédito.
Insisto, senhoras senadoras e senhores senadores: não sou eu nem
tampouco minha defesa que fazemos estas alegações. É o Ministério
Público Federal que se recusou a dar sequência ao processo, pela
inexistência de crime.
Sobre a mudança de interpretação do TCU, lembro que, ainda antes da
decisão final, agi de forma preventiva. Solicitei ao Congresso Nacional a
autorização para pagamento dos passivos e defini em decreto prazos de
pagamento para as subvenções devidas. Em dezembro de 2015, após a
decisão definitiva do TCU e com a autorização do Congresso, saldamos
todos os débitos existentes.
Não é possível que não se veja aqui também o arbítrio deste processo e a injustiça também desta acusação.
Não é possível que não se veja aqui também o arbítrio deste processo e a injustiça também desta acusação.
Este processo de impeachment não é legítimo. Eu não atentei, em nada,
em absolutamente nada contra qualquer dos dispositivos da Constituição
que, como Presidenta da República, jurei cumprir. Não pratiquei ato
ilícito. Está provado que não agi dolosamente em nada. Os atos
praticados estavam inteiramente voltados aos interesses da sociedade.
Nenhuma lesão trouxeram ao erário ou ao patrimônio público.
Volto a afirmar, como o fez a minha defesa durante todo o tempo, que
este processo está marcado, do início ao fim, por um clamoroso desvio de
poder.
É isto que explica a absoluta fragilidade das acusações que contra mim são dirigidas.
Tem-se afirmado que este processo de impeachment seria legítimo
porque os ritos e prazos teriam sido respeitados. No entanto, para que
seja feita justiça e a democracia se imponha, a forma só não basta. É
necessário que o conteúdo de uma sentença também seja justo. E no caso,
jamais haverá justiça na minha condenação.
Ouso dizer que em vários momentos este processo se desviou,
clamorosamente, daquilo que a Constituição e os juristas denominam de
“devido processo legal”.
Não há respeito ao devido processo legal quando a opinião
condenatória de grande parte dos julgadores é divulgada e registrada
pela grande imprensa, antes do exercício final do direito de defesa.
Não há respeito ao devido processo legal quando julgadores afirmam
que a condenação não passa de uma questão de tempo, porque votarão
contra mim de qualquer jeito.
Nesse caso, o direito de defesa será exercido apenas formalmente, mas
não será apreciado substantivamente nos seus argumentos e nas suas
provas. A forma existirá apenas para dar aparência de legitimidade ao
que é ilegítimo na essência.
Senhoras e senhores senadores,
Nesses meses, me perguntaram inúmeras vezes porque eu não renunciava, para encurtar este capítulo tão difícil de minha vida.
Jamais o faria porque tenho compromisso inarredável com o Estado Democrático de Direito.
Jamais o faria porque nunca renuncio à luta.
Jamais o faria porque nunca renuncio à luta.
Confesso a Vossas Excelências, no entanto, que a traição, as
agressões verbais e a violência do preconceito me assombraram e, em
alguns momentos, até me magoaram. Mas foram sempre superados, em muito,
pela solidariedade, pelo apoio e pela disposição de luta de milhões de
brasileiras e brasileiros pelo País afora. Por meio de manifestações de
rua, reuniões, seminários, livros, shows, mobilizações na internet,
nosso povo esbanjou criatividade e disposição para a luta contra o
golpe.
As mulheres brasileiras têm sido, neste período, um esteio
fundamental para minha resistência. Me cobriram de flores e me
protegeram com sua solidariedade. Parceiras incansáveis de uma batalha
em que a misoginia e o preconceito mostraram suas garras, as brasileiras
expressaram, neste combate pela democracia e pelos direitos, sua força e
resiliência. Bravas mulheres brasileiras, que tenho a honra e o dever
de representar como primeira mulher Presidenta do Brasil.
Chego à última etapa desse processo comprometida com a realização de
uma demanda da maioria dos brasileiros: convocá-los a decidir, nas
urnas, sobre o futuro de nosso País. Diálogo, participação e voto direto
e livre são as melhores armas que temos para a preservação da
democracia.
Confio que as senhoras senadoras e os senhores senadores farão
justiça. Tenho a consciência tranquila. Não pratiquei nenhum crime de
responsabilidade. As acusações dirigidas contra mim são injustas e
descabidas. Cassar em definitivo meu mandato é como me submeter a uma
pena de morte política.
Este é o segundo julgamento a que sou submetida em que a democracia
tem assento, junto comigo, no banco dos réus. Na primeira vez, fui
condenada por um tribunal de exceção. Daquela época, além das marcas
dolorosas da tortura, ficou o registro, em uma foto, da minha presença
diante de meus algozes, num momento em que eu os olhava de cabeça
erguida enquanto eles escondiam os rostos, com medo de serem
reconhecidos e julgados pela história.
Hoje, quatro décadas depois, não há prisão ilegal, não há tortura,
meus julgadores chegaram aqui pelo mesmo voto popular que me conduziu à
Presidência. Tenho por todos o maior respeito, mas continuo de cabeça
erguida, olhando nos olhos dos meus julgadores.
Apesar das diferenças, sofro de novo com o sentimento de injustiça e o
receio de que, mais uma vez, a democracia seja condenada junto comigo. E
não tenho dúvida que, também desta vez, todos nós seremos julgados pela
história.
Por duas vezes vi de perto a face da morte: quando fui torturada por
dias seguidos, submetida a sevícias que nos fazem duvidar da humanidade e
do próprio sentido da vida; e quando uma doença grave e extremamente
dolorosa poderia ter abreviado minha existência.
Hoje eu só temo a morte da democracia, pela qual muitos de nós, aqui neste plenário, lutamos com o melhor dos nossos esforços.
Reitero: respeito os meus julgadores.
Não nutro rancor por aqueles que votarão pela minha destituição.
Respeito e tenho especial apreço por aqueles que têm lutado bravamente pela minha absolvição, aos quais serei eternamente grata.
Neste momento, quero me dirigir aos senadores que, mesmo sendo de oposição a mim e ao meu governo, estão indecisos.
Lembrem-se que, no regime presidencialista e sob a égide da nossa
Constituição, uma condenação política exige obrigatoriamente a
ocorrência de um crime de responsabilidade, cometido dolosamente e
comprovado de forma cabal.
Lembrem-se do terrível precedente que a decisão pode abrir para
outros presidentes, governadores e prefeitos. Condenar sem provas
substantivas. Condenar um inocente.
Faço um apelo final a todos os senadores: não aceitem um golpe que, em vez de solucionar, agravará a crise brasileira.
Peço que façam justiça a uma presidenta honesta, que jamais cometeu
qualquer ato ilegal, na vida pessoal ou nas funções públicas que
exerceu. Votem sem ressentimento. O que cada senador sente por mim e o
que nós sentimos uns pelos outros importa menos, neste momento, do que
aquilo que todos sentimos pelo país e pelo povo brasileiro.
Peço: votem contra o impeachment. Votem pela democracia.
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