Mulheres invisíveis
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Abro a coluna, hoje, dia 8 de março, para a palavra de uma mulher cuja caminhada acompanho há 25 anos, Preta Mulazzani. Eu a conheci no movimento da luta antimanicomial, nos debates sobre a reforma psiquiátrica, e testemunhei, nos últimos anos, o belo trabalho que ela realizou em Alegrete, ao lado do ex-prefeito Erasmo Guterres Silva.
Preta Mulazzani
Uma das versões sobre a origem do Dia Internacional da Mulher aponta a morte de 146 trabalhadores, a maioria mulheres, decorrente de um incêndio criminoso numa fábrica de tecidos em Nova Iorque, em março de 1911. A tragédia teria ocorrido em função das precárias condições de segurança no local, provocando várias mudanças subsequentes nas leis trabalhistas e de segurança de trabalho. Não sabemos quem foram aquelas mulheres, quais eram seus sonhos, sequer seus nomes. O que elas sofreram pode ser apenas imaginado, nunca sabido. Como mulheres, viveram e morreram à margem, longe da consideração pública, como seres invisíveis.
Passados mais de 100 anos, a par de todos os avanços e conquistas, a desigualdade de gênero, a discriminação e a violência contra as mulheres seguem sendo problemas a serem superados em todo o mundo e grande parte da dor que tais fenômenos provocam segue sendo invisível.
No RS e no Brasil, a dor das mães que perderam seus filhos não tem nome ou endereço. São milhares as mulheres que sofrem sem que, como regra, lhes seja oferecida reparação, justiça ou consolo. Muitas vezes, fico pensando nas mães das vítimas da tragédia da Kiss. Lá se vão cinco anos sem justiça, sem uma narrativa pública convincente, sem um pedido de desculpas, sem um memorial. O luto não se encerrou, então, porque não se reconheceu efetivamente a dor, porque o Poder Público agiu, no fundamental, para se proteger, para se resguardar. Por isso, 242 mães gaúchas seguem clamando por providências. Elas lutam para que a tragédia não se dissolva em meio à irresponsabilidade, ao engavetamento, à burocracia e à impressionante vocação do Estado de acomodar interesses corporativos. Em determinados dias, elas montam uma tenda na praça central Santa Maria e ali se reúnem e dialogam com a cidade. Ao fundo, há fotos dos seus filhos. Um gesto de indignação, mas também de esperança para que o horror não se repita.
Quantas mais são as mulheres que sofrem radicalmente sem qualquer resposta pública?
Ainda não foi contada a dor das mães que perderam seus filhos por “bala perdida” nas periferias de nossas cidades. Porque o desespero das mães pobres, em sua maioria negras, que presenciaram suas crianças serem alvejadas por policiais enquanto brincavam, enquanto jogavam bola, não escandaliza o Brasil? E as mães que perderam seus filhos policiais? Que receberam o comunicado de que seus filhos, igualmente pobres, morreram no “cumprimento do dever legal”? Porque os noticiários, tão ávidos em transformar a violência em espetáculo, não retratam essa dor que se esparrama pelas favelas? O que sabemos da dor das mães que perderam seus filhos pela ação de bandidos comuns? Como situar o ritual daquelas que, muitos anos depois, ainda arrumam as camas e os quartos dos filhos assassinados?
Essas e outras perguntas não costumam ser feitas. Penso que esse dia 8 de março é uma oportunidade para fazê-las. Para que possamos lembrar das mulheres invisíveis e de sua dor; para que possamos homenageá-las e oferecer-lhes alguma esperança.
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