domingo, 17 de abril de 2011

A SAGRADA FOME DO ESTADO

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     "Sou contra a usina de Belo Monte pelo impacto que vai causar na região, além de não ser a solução para a nossa energia. Tínhamos o Xingu como marco da preservação no Brasil e agora o ‘progresso’ chegou de vez para poluir a região e aumentar o desequilíbrio ambiental, causando mais pobreza e desigualdade!" – Marcos Palmeira.

     "Não se pode usar como álibi o progresso, quando milhares de pessoas estão morrendo por negligenciarem o desmatamento e a mudança do curso de rios" – Letícia Spiller.

     "Fico preocupada com Belo Monte. Será que é uma obra de que o mundo precisa?" – Christiane Torloni.

     "Sou contra Belo Monte, pois sou contra a destruição de qualquer floresta, destruição de qualquer população indígena e sua cultura, contra a ignorância de alguns governantes que afirmam de peito estufado que temos o direito de destruir nosso meio ambiente porque ele é nosso, nos pertence" – Victor Fasano.

     O governo pensou que manipular o povo seria muito fácil, depois da vitória nas eleições. Realmente, é muito fácil manipular as pessoas mais pobres materialmente – que são a imensa maioria no Brasil – porque não tem consciência do que realmente está acontecendo no Brasil, além de estarem sendo bombardeadas diariamente com propaganda a favor do governo e de suas obras. E também é facílimo manipular os pobres de consciência social ou os meramente obedientes à própria mediocridade e ao Estado que os alimenta, que proliferam em todas as classes sociais - mas o mundo inteiro está de olho na mega-monstruosidade que está sendo construída no Pará.

     Bacharel em Física e diretor de cinema, o canadense James Cameron – autor dos dois maiores filmes em bilheteria na história do cinema, Avatar e Titanic – vai filmar um documentário sobre Belo Monte e tornou-se o principal interlocutor internacional dos movimentos de resistência à barragem.

     No ano passado, a atriz Sigourney Weaver foi a Altamira e encontrou-se com os indígenas, que agradeceram a sua participação na luta contra a barragem.

     Até Arnold Schwarzenegger (quem diria!), a convite de James Cameron e do líder kaiapó Raoni, participou do Fórum Mundial de Sustentabilidade, que aconteceu em Manaus – de 24 a 26 de março deste ano. Enquanto isso, a atriz Dira Paes narrou a versão em português do filme "Defendendo os Rios da Amazônia", cuja versão em inglês fora narrada por Sigourney Weaver (Defending the Rivers of the Amazon).

     E a Organização dos Estados Americanos (OEA) – através da sua Comissão Interamericana de Direitos Humanos - pediu ao governo brasileiro para suspender o licenciamento e a construção da barragem de Belo Monte e deu ao Brasil até o dia 15 para responder esse pedido. O dia 15 chegou e o governo brasileiro respondeu retirando a candidatura de Paulo Vannuchi à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o que significa, na prática, um rompimento com aquele órgão da OEA, que já tinha obrigado o governo brasileiro, em dezembro do ano passado, no prazo de um ano, a investigar e, se for o caso, “punir graves violações de direitos humanos” ocorridas durante a ditadura militar.

     A Lei de Anistia perdoou também os torturadores e assassinos da ditadura militar, ao contrário dos demais países latino-americanos, que também sofreram com ditaduras, mas encarceraram esse tipo de monstro humano. A OEA não perdoou o Brasil. O Estado brasileiro foi considerado culpado pelo desaparecimento forçado de pelo menos 70 pessoas, entre os anos de 1972 e 1974, por não ter realizado uma investigação penal com a finalidade de julgar e punir os responsáveis.

     O governo brasileiro nem ligou. Militares e governo agora estão muito próximos e não querem desfazer essa amizade.

     Com a nova condenação da Comissão de Direitos Humanos a respeito de Belo Monte, o governo ficou muito indignado e bateu o pé. Não querem mais o Paulo Vannuchi participando da CIDH da OEA. Significa apenas que os arquivos secretos da ditadura não serão abertos, conforme deseja o atual Ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

     Eles vão construir Belo Monte porque é uma questão de Estado e, para eles, o Estado não se relaciona com os cidadãos do país. O Estado se constitui em uma entidade venerada, acima de todos, e as suas razões somente podem ser interpretadas pelos supremos sacerdotes que o servem, comumente chamados de Presidente da República, ministros de Estado, submissos congressistas e aliados muito amigos do STF.

     Somente esses seres escolhidos sabem o que o Estado quer; quais são as suas razões, os seus motivos, as suas intenções secretas, os seus desígnios divinos. Entre esses desígnios secretos e reverentes está a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. Contra tudo e contra todos. Literalmente.

     O Estado - e os seus sagrados intérpretes - sabe que a construção de Belo Monte será um grande mal que provocará outros grandes males. Mas quem disse que o Estado é um deus bom?

     Lendas e mitologias antigas falam de deuses que exigiam sacrifícios sangrentos, muitas vezes sacrifícios humanos. O deus Estado e o seu irmão gêmeo, o deus Mercado, provavelmente também sejam deuses que exijam sacrifícios humanos.

     Na ausência de guerras, incitam os seus devotados sacerdotes do governo a construir artefatos similares aos bélicos, que provoquem destruição e morte. São deuses modernos, deuses tecnológicos, servidos por sacerdotes obedientes e igualmente modernos, mas, infelizmente - talvez como resultado da devoção constante aos seus deuses - vítimas de uma doença moderna apelidada de “crescimento acelerado”, cujo sintoma principal consiste em uma extrema voracidade por bens materiais.

     E um desses artefatos bárbaros é a usina de Belo Monte. Aparentemente não molestará ninguém. Consistirá em represar as águas do Xingu e colocar turbinas que moverão geradores de eletricidade. Só isso: gera-se e acumula-se energia que, depois, é distribuída. As razões aparentes do deus Estado para essa construção, verbalizadas pelos seus sacerdotes do governo, é a necessidade de energia.

     Mas sabe-se que é bem mais que isso. Para que a usina seja construída e pareça uma coisa inerme e pacífica, uma espécie de monstro numa lagoa, será necessário desalojar pessoas e fazê-las sofrer; um pequeno tsunami será criado, devastando fauna e flora, e fauna e flora sofrerão com a devastação. Mais ainda. As conseqüências ecológicas em toda a Amazônia são imprevisíveis e, com certeza, incrivelmente nefastas.

     O Estado se nega a aceitar sacrifícios realmente pacíficos. Como na mitologia hebraica da criação do mundo intitulada Gênesis, quando narra que o deus dos judeus preferiu o sacrifício de um cordeiro oferecido por Abel e repeliu a oferta de cereais e frutas de Caim – o que teria provocado o primeiro homicídio. O Estado não quer energia limpa, que poderia ser gerada pela própria natureza, como a energia dos ventos (eólica) ou a energia solar. O Estado prefere a brutalidade do sacrifício de sangue, a violência contra a natureza.

     O que para nós parece horrível, coisa de doidos, para o deus Estado será imensamente prazeroso. Junto com o deus Mercado, ganhará muito com a destruição provocada e verá os seus sacerdotes fiéis satisfeitos e agradecidos, porque poderão mitigar os sintomas da sua doença e o crescimento acelerado que os aflige será saciado por um breve momento. Depois, tudo recomeçará e o deus Estado, em conluio com o deus Mercado, escolherá nova vítima.

     E o povo, a fauna e a flora do país continuarão sendo oferecidos em sacrifício aos deuses do governo, enquanto durar esse tipo de moderna ditadura. Por razões de Estado. E de Mercado.

Fausto Brignol.

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