Vítimas de uma guerra amazônica
Expulsos por Belo Monte, Raimunda e João tornam-se refugiados em seu próprio país
http://brasil.elpais.com/brasil/2015/09/22/politica/1442930391_549192.html
A saga de João e Raimunda tem seu ápice em dois atos de uma guerra amazônica não reconhecida pelo Estado e pela maioria dos brasileiros. Ainda assim, ela está lá. Aqui. Essa história, decidida neste momento no Pará, na região de Altamira e da bacia de um dos rios mais ricos em biodiversidade da Amazônia, o Xingu, é contada por um homem e por uma mulher, apenas dois entre dezenas de milhares de expulsos pela hidrelétrica de Belo Monte, gente que hoje vaga por um território que não reconhece – e no qual não se reconhece. Mas esta não é mais uma entre tantas narrativas dramáticas em um país assinalado pela violação sistemática dos direitos de negros e de indígenas. Raimunda e João trazem inscritos no corpo uma encruzilhada histórica. A de um país que chegou ao presente, depois de tanto ser futuro, e se descobriu atolado no passado. O epílogo de um partido que chegou ao poder com a promessa de dar dignidade aos mais pobres e aos mais desprotegidos e os traiu na porção mais distante do centro do poder político e econômico, a Amazônia. Esta é também a anatomia de uma perversão: a de viver numa democracia formal, mas submetido a forças acima da Lei. O não reconhecimento da violência sofrida inflige a suas vítimas uma dor ainda maior, e uma sensação de irrealidade que as violenta uma segunda vez. É a experiência de viver não fora da lei, mas sem lei que escava a existência de Raimunda e de João – e os faz escolher destinos diferentes diante da aniquilação.
Raimunda decidiu viver, ainda que carregando seus pedaços. João não sabe como viver. Para ele, só há sentido na morte em sacrifício.(...)
Belo Monte, empreiteiras e espelhinhos
Como a mistura explosiva entre o público e o privado, entre o Estado brasileiro e as grandes construtoras, ergueu um monumento à violência, à beira do Xingu, na Amazônia
*para ler na íntegra, acessar:
http://brasil.elpais.com/brasil/2015/07/06/opinion/1436195768_857181.html
A marca da corrupção no Brasil atual, assim como da relação explosiva entre o Estado e as empreiteiras, tem como símbolo a Operação Lava Jato e a Petrobras, para onde todos os olhos estão voltados. Sem ignorar a enorme importância dessa investigação, há elementos para suspeitar que o símbolo das ligações perigosas entre o público e o privado pode estar também em outro lugar: na construção da polêmica hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, na Amazônia. É ela, um projeto acalentado ainda na ditadura, mas só executado na democracia, nos governos Lula-Dilma Rousseff, que une os fios desencapados da história recente do país, expõe a coleção de mazelas sociais do Brasil e nos obriga a compreender a corrupção também como um ato de extermínio. Belo Monte revela as vísceras de um modo de operação que se consolidou na ditadura, atravessou vários governos da democracia e permanece até hoje. A Amazônia, tanto como criadora de sentidos para o Brasil quanto como lugar concreto onde as disputas entre os vários atores se dá, não é a periferia do país, mas o centro. O que precisamos, talvez, seja deslocar o olhar para ajustar o foco.
Esse modo de operação, em que o público e o privado se misturam, é a chave para compreender o “Dossiê Belo Monte: Não há condições para a Licença de Operação”, documento publicado pelo Instituto Socioambiental no final de junho. Sabemos que o dinheiro que se esvai na corrupção no Brasil é também o dinheiro que falta para saneamento, educação e saúde, assim como para outros investimentos prioritários. Mas sempre fica um pouco abstrato. Em Belo Monte, é possível enxergar e quantificar o que a relação contaminada entre a concessionária Norte Energia e o governo federal já causou nos últimos anos, entre 2010 e 2015.
O anúncio recente de que o Tribunal de Contas da União (TCU) vai iniciar uma investigação sobre o uso de recursos públicos na construção da hidrelétrica de Belo Monte é uma boa notícia. Mas ainda é muito pouco e chega atrasada. A investigação do TCU atende a um pedido do Ministério Público Federal: as empreiteiras investigadas pela Lava Jato por desvios de recursos na Petrobras são as mesmas que constroem Belo Monte e, portanto, é importante investigar sua atuação juntou a outra estatal, a Eletrobras, esta do setor elétrico. Um dos delatores da Operação Lava Jato, Dalton Avancini, ex-presidente da construtora Camargo Corrêa, já afirmou, em um dos depoimentos, que a empreiteira se comprometeu a pagar ao PMDB uma propina de 20 milhões de reais para atuar na construção da usina.(...)
(...)2) Os espelhinhos do século 21
Se o Ibama der a Licença de Operação à Belo Monte, há poucas dúvidas de que, no momento em que se iniciar o enchimento do reservatório da hidrelétrica, tudo o que foi violado e descumprido pela Norte Energia e pelo atual governo também será tão fato consumado – e impune – quanto a usina gigantesca. Desta vez, não dá para empurrar o cumprimento do que não foi cumprido para a próxima etapa, porque não haverá próxima etapa.Tornou-se uma alegoria do “descobrimento” do Brasil a troca com os indígenas de bens de valor para os europeus por espelhinhos, objetos que a população originária nunca tinha visto. Em Belo Monte, essa prática foi adaptada ao momento histórico, alterando-se a lista de mercadorias, e reeditada, consumando um processo de extermínio cultural e criando uma situação de insegurança alimentar em aldeias afetadas pela hidrelétrica. Para se ter um quadro mais amplo do ovo da serpente, leia “A anatomia de um etnocídio”, em que Thais Santi, procuradora da República em Altamira, faz a relação entre conceitos da filósofa Hannah Arendt e Belo Monte, com ênfase na eliminação da cultura dos povos indígenas no raio de ação da maior obra em andamento no país.(...)
http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/politica/nacional/noticia/2015/06/24/por-envolvimento-de-construtoras-na-lava-jato-tcu-investigara-belo-monte-187358.php
http://www.oestadonet.com.br/index.php/regional/item/7925-uma-bolha-de-corrupcao-na-hidreletrica-belo-monte
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