domingo, 20 de setembro de 2015

A Cepal como matriz do pensamento econômico latino-americano

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A Cepal como matriz do pensamento econômico latino-americano

por Mauro Bellesa - publicado 10/09/2015 11:40 - última modificação 14/09/2015 13:41

Ricardo Bielschowsky, Bernardo Sorj, Márcio Bobik Braga e Fábio Santos
O seminário debateu a história e a influência da Cepal
Criada em 1948 pela ONU, a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) tem sido desde os anos 50 a principal referência como polo de reflexão econômica sobre a América Latina.
"Com seu trabalho permanente de reflexão sobre a região, ainda hoje a Cepal é um grande banco de dados sobre América Latina", acrescenta o economista Ricardo Bielschowsky, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Ele pondera, entretanto, que a comissão falhou nas últimas décadas na reflexão sobre estratégias de desenvolvimento para a América Latina, apesar de ter alcançado vários avanços.
Bielschwsky foi o expositor do seminário A América Latina dos Economistas, realizado no dia 18 de agosto, terceiro encontro do ciclo Identidades Latino-Americanas, coordenado pelo sociólogo Bernardo Sorj, professor visitante do IEA. A apresentação do economista concentrou-se na história e na influência da Cepal.
Para debater com ele, participaram o economista Márcio Bobik Braga, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (Fearp) da USP, e o históriador Fabio Santos, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Bielschwsky historiou a evolução do pensamento cepalino desde os anos 50 – sob a liderança do economista argentino Raul Prebish (1901-1986) – até a atualidade. Segundo ele, a América Latina mudou para melhor em muitos aspectos, mas ainda conserva várias características do subdesenvolvimento "tão bem descritas pelos economistas da Cepal nos anos 50".
Ricardo Bielschowsky
Ricardo Bielschwsky
Ele disse que na década de 50 "a mensagem central aos países da região era 'industrializemos', para dar conta da pobreza, do subdesenvolvimento". No entanto, o empenho na industrialização encontrou empecilhos e "a mensagem cepalina apresentou uma mudança um tanto pessimista nos anos 60, passando a ser 'façamos reformas econômicas e sociais para enfrentar as grandes restrições à industrialização, resultantes das nossas estruturas econômicas, sociais e institucionais atrasadas'”.
Os anos 70 apresentaram um certo avanço, de acordo com o expositor, acrescentando-se às ideias sobre padrões e estratégias de desenvolvimento a diversificação produtiva, o aumento das exportações, a redução das importações e o não endividamento.
O receituário da Cepal se desloca para a renegociação da dívida nos anos 80, "de maneira a abrir espaço para a retomada de investimentos industriais e exportações industriais, sem o que não seria possível superar a crise".
"A partir de 1990 vem uma nova fase, chamada de neoestruturalista, sintetizada no lema 'transformação produtiva com equidade'; e a partir dos anos 2000 inicia-se uma fase de amadurecimento e refinamento do neoestruturalismo."
Segundo Bielschwsky, o neoestruturalismo a partir dos anos 90 é profundamente estruturalista, pois persistem, de certa maneira, "as três características do subdesenvolvimento identificadas por Prebisch nos anos 50":
  • falta de diversidade produtiva, com especialização em bens primários, baixa atividade produtiva exportadora e heterogeneidade produtiva estrutural;
  • oferta abundante de mão-de-obra, com níveis de renda próximos da subsistência;
  • institucionalidade desfavorável ao processo de acumulação de capital e ao progresso técnico (empresas pequenas, falta de tecnologia, estados nacionais fracos, impostos são baixos e capacidade reduzida de realizar investimentos).

Márcio Bobik Braga
Márcio Bobik Braga
No debate em seguida à exposição de Bielschwsky, Márcio Bobik Braga disse que a ideia de que a Cepal era contra o livre-comércio não se sustenta: "Pelo contrário, o que Prebisch pensou foi numa inserção cada vez maior da América Latina no comércio internacional, mas em outra estrutura, não numa estrutura em que o setor produtivo estaria concentrado em poucos produtos primários".
"Ele também pensou nas inovações tecnológicas, pois tinha a percepção de que elas estariam muito mais presentes na indústria do que na agricultura daquela época."
Para Fábio Santos, o que possibilitou o avanço representado pelo pensamento econômico produzido pela Cepal "foi o processo de mudanças sociais e econômicas ocorrido no entreguerras, com o processo de industrialização substitutiva de importações".
Ele considera que as premissas básicas que orientaram esse pensamento se perderam a partir dos anos 70, "e de modo mais evidenciados nos anos 80 e 90, naquilo que se conhece como neoestruturalismo, o qual converteu-se, a partir dos anos 90, numa versão reformista do neoliberalismo".

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Fábio Santos
Fábio Santos
O coordenador do seminário, Bernardo Sorj, comentou algumas críticas que surgiram ao longo da história da Cepal. "Nos anos 60, a teoria da dependência apresentou-se de alguma forma como uma radicalização (pelo menos em certas versões), na medida em que o pensamento da Cepal era visto como um capitalismo reformista."
Outra crítica começou a ser feita a partir dos anos 80, segundo Sorj, de que "a Cepal fracassou, não tanto do ponto de vista da crítica de esquerda às estruturas sociais, mas do ponto de vista de pensar o próprio capitalismo: de um lado ficou curta no radicalismo anticapitalista e de outro ficou curta em termos de pensar o próprio capitalismo".
Bernardo Sorj
Bernardo Sorj
Sorj disse sentir ainda na Cepal "certo ranço elitista dos anos 50", com a preocupação de lançar receituários: "Aprendemos que não se trata de produzir receitas, mas de elaborar propostas que de alguma forma expressem interesses coletivos de grupos, de setores sociais".
Em resposta a Sorj, Bielschwsky disse que é verdade que "a Cepal tinha um pensamento social-democrata, reformista, mas se ela tivesse enveredado por um caminho trotisksta, independentista, teria resistido?" indagou. Ele também não concorda com a ideia de que a comissão ficou curta para entender o capitalismo: "Pode ser que ela tenha ficado curta na capacidade de responder à hegemonia norte-americana e à liberalização financeira; mas nesse caso todos ficaram curtos, não só a Cepal.
Bielschwsky considera que a Cepal teve avanços no período neoestruturalista (a partir dos anos 90): "A macroeconomia passou a ser mais bem pensada e passaram a ter destaque as questões ligadas à inclusão social, às políticas sociais, à reflexão sobre meio ambiente e a temas como as questões de minorias e de gênero".
Onde ela não conseguiu avançar e apresentou até um certo retrocesso foi na reflexão sobre estratégias de desenvolvimento, segundo Bielschwsky. "Não dá mais para pensar em estratégias de desenvolvimento para a América Latina como um todo, mas isso não é culpa da Cepal, é de toda intelectualidade latino-americana e dos governos latino-americanos. Cabe também a eles formular propostas que substituam a velha ideia de industrialização."

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