Fique calmo: algo sobre tudo o que você aprende na escola
Por Alessandro Martins (alessandromartins.me), colaboração especial para os Jornalistas Livres - Rede de Jornalismo independente em defesa da Democracia e dos Direitos Humanos.
https://medium.com/jornalistas-livres/fique-calmo-algo-sobre-tudo-o-que-voc%C3%AA-aprende-na-escola-28fc4bf55d30
*via amigo Sérgio através do facebook
Fique calmo: algo sobre tudo o que você aprende na escola
Por Alessandro Martins (alessandromartins.me), colaboração especial para os Jornalistas Livres
Fique calmo.
Você tem cinco anos de idade e só queremos que você sente nesta cadeira desconfortável por 5 horas.
Não começaremos por tanto tempo. No início há mais intervalos e períodos lúdicos. Vamos aumentando aos poucos.
Portanto, fique calmo.
Amanhã você também sentará nesta cadeira desconfortável por mais algum tempo.
De segunda a sexta e, às vezes, no sábado também. Embora por menos tempo.
E
quando finalmente aprender a sentar nesta cadeira desconfortável por
cinco horas, lá na frente estará um sujeito que falará durante as cinco
horas sobre assuntos que, possivelmente, não interessam a você.
Não é culpa dele. Talvez nem ele saiba mais o que está fazendo ali.
Pois
ele, antes de você, já teve a fase em que sentou-se, durante anos, em
uma cadeira desconfortável durante cinco horas, ouvindo alguém falar
sobre coisas que não lhe interessavam.
E,
depois de passar por um processo desses, repetidamente, é bem possível
que ele já não ligue mais para isso. Note como ele fala calmamente.
Assim, fique calmo.
Você não está aprendendo Matemática. Não está aprendendo Língua Portuguesa. Não está aprendendo Ciências. Isso é só a fachada.
O
currículo está para o verdadeiro ensino como o restaurante sem
movimento está para a lavagem de dinheiro de algum negócio ilícito. É só
a fachada.
O que você
aprende de verdade é que você deve suportar situações insuportáveis por
períodos longos do seu dia, repetidamente ao longo de anos de sua vida.
A
cadeira desconfortável em que você se senta por milhões de minutos está
moldando sua bunda para o que bilhões de adultos costumam chamar de
cotidiano.
Esse aprendizado tornará mais fácil e cômodo aceitar aquilo que se espera de você daqui a alguns anos.
E
o cara lá na frente é uma espécie de boneco de treinamento. A exemplo
dos simuladores, ele não pode feri-lo de verdade. Mas está condicionando
você para a coisa mais importante nesta vida:
RESPEITAR A AUTORIDADE. A AUTORIDADE SÓ FALA A VERDADE.
E,
pode acreditar, você terá oportunidade de respeitá-la e também de ser
autoridade, às vezes simultaneamente, às vezes como boneco de
treinamento. Ser, nessa máquina, uma engrenagem. Que é movida mas que
move também
Sem respeito à
autoridade, o mundo como o conhecemos não funciona. E todo o mundo sabe
como o mundo, tal e qual o conhecemos, é ótimo. Todos o adoram. Ninguém
quer engrenagens que se movam em algum sentido inesperado.
Então. Fique calmo. E sentado.
Outra coisa importante: errar é horrível.
Esperamos que você só acerte nesta vida.
Sabemos que ter medo de errar prejudica a criatividade, pois a criatividade presume eventuais erros.
Mas
também ninguém espera que todo o mundo seja criativo. Afinal, o que
seria da autoridade se todo o mundo começasse a ser criativo e tivesse
liberdade para errar sem medo?
Assim, mais fachada: parece bonito ensinar alguém a só acertar, mas de verdade o que você tem que aprender mesmo é o medo de errar.
O mercado não admite erros.
Não havíamos tocado neste assunto, ainda.
O mercado.
Mas
saiba que o mercado é a cola que une a sua bunda a essa cadeira
desconfortável. Afinal, você precisa, um dia, ser capaz de ser um empregado e fazer parte do mercado.
É por isso que você está sentado. Sentado e calmo.
Fique calmo.
E,
depois de anos de cadeira, ouvindo alguém falar de coisas que não lhe
interessam em absoluto, você passará por uma coisa chamada vestibular.
O
vestibular verifica se você ouviu e absorveu o suficiente de coisas
desinteressantes e se, assim, será capaz de, mais tarde, vender seu
tempo para projetos que também não lhe interessam necessariamente. E,
assim, ser um empregado exemplar.
Isso tudo depende de:
1.
sua capacidade de ficar sentado em uma cadeira desconfortável, que
indica sua predisposição a suportar situações insuportáveis
2. sua capacidade de não questionar a autoridade, tão firmemente desenvolvida e fixada ao longo de anos que você nem a percebe
3.
sua capacidade de se interessar por assuntos que não o interessam
realmente, que é uma espécie de auto-engano que as grandes empresas
costumam chamar hoje de proatividade e de sinergia
Se
você tiver absorvido tudo isso, certamente passará no vestibular. Muito
embora — e mais uma vez entramos no tema da fachada — o vestibular
pareça medir coisas como Matemática, Língua Portuguesa e Ciências.
Podemos
concluir, grosso modo, que quanto mais concorrida a vaga de um curso,
mais ela exige das três capacidades acima arroladas.
Matemática,
Língua Portuguesa e Ciências são índices apenas. Na verdade, estão para
o verdadeiro ensino como o hambúrguer está para o cadáver do boi.
Ainda assim, FIQUE CALMO.
Sim. Finalmente, você entrou em uma faculdade.
PARABÉNS!
Mais alguns anos de cadeira desconfortável. Só para garantir.
Mas
agora você não precisa ficar sentado nela durante tanto tempo. Não é
preciso. Seu espírito já se dobrou. Possivelmente, ele está sentado
neste momento, suportando alguma situação insuportável, mesmo quando
você está em pé.
Bem calmo.
É
bem provável que essa faculdade em que você entrou tenha como slogan
algo semelhante a “preparamos para o mercado” com a foto de um modelo
sorridente abaixo.
Não confunda: ele não é um estudante da instituição, mas os dentes daquele sorriso são o mercado.
Para
as fachadas mais humanas, o slogan é algo como “preparamos para a
vida”. Que, considerando que vida e mercado hoje são quase sinônimos, dá
na mesma.
“Preparamos
cidadãos” — e seus equivalentes — quer dizer “ensinamos você a usar o
Procon”. Porque, no mercado, o bom cidadão é o consumidor. Talvez a
única vez que você tenha questionado o sujeito que fala coisas
desinteressantes lá na frente tenha sido dizendo algo como: “Ei, eu pago
o seu salário! Sou um consumidor!”. Parabéns, você aprende rápido.
Pois se você é incapaz de consumir, não é um cidadão de primeira classe. Talvez nem seja um cidadão.
E
o mercado pede que você seja um cidadão. E o máximo a que o seu
questionamento será capaz de chegar irá até estas três letrinhas: SAC
(Serviço de Atendimento ao Consumidor).
Se
as empresas quisessem atender pessoas, colocariam gente de verdade
atendendo aos telefonemas. E não gravações ou outras pessoas lendo
scripts e preparadas pelo mercado.
Por isso, o mercado — de olho no futuro — cola sua bunda à cadeira desconfortável durante horas.
Para
aprender a suportar situações insuportáveis, respeitar a autoridade e
para nivelar sua criatividade tão aceitavelmente quanto a volúpia de um
gato castrado.
Para que assim, um dia, você possa contribuir e, só então, consumir: realimentando o processo.
Eu sei que, aos cinco anos de idade, é difícil entender o que está acontecendo.
Mas peço que você, por alguns instantes e nos seguintes, FIQUE CALMO.
Em alguns anos você vai aceitar tudo perfeitamente.
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