quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Racismo e Punição

Racismo e "Punição"
                        
Carlos A. Lungarzo


Os comentários de ódio e as obscenidades contra duas figuras mediáticas têm trazido novamente ao primeiro plano o problema do racismo, e essa oportunidade deve ser aproveitada para que os setores sadios da sociedade (que, embora acuados, ainda existem) se organizem contra esta aberração social.
O caso da atriz Thais Araújo e da meteorologista (ela não é só uma apresentadora, mas é editora na área de meteorologia) Maria Júlia Coutinho, encontrou as simpatias de grandes setores da audiência. Sem dúvida, apesar do efeito paradoxal da mídia na América Latina, é forçoso reconhecer que o público é sensível às pessoas simpáticas, humanas e talentosas.
Era natural que o caso destas celebridades despertasse indignação. Contudo, há um sério problema que não é exclusivo do Brasil, mas afeta todas as sociedades subdesenvolvidas e até países ricos como os EUA.
A indignação por crimes contra a humanidade (dos quais, o racismo é, junto com o fundamentalismo teológico, o mais catastrófico para a espécie humana) dura pouco tempo, e geralmente se catalisa menos pelo desejo de justiça, igualdade e humanidade, que pelo efeito injurioso.

Os Delitos e as Penas
A preocupação de construir uma sociedade mais humana é muito antiga, e os primeiros manifestos nesse sentido podem encontrar-se já no século II AEC, quando surgiram, na Grécia do período da expansão, as primeiras filosofias hedonistas e naturalistas.
Mas estas concepções só tomam força durante a Ilustração. Desta época é o trabalho do Marquês de Beccaria (1738-1794), Os Delitos e as Penas, que, pela primeira vez, reconhece a crueldade do sistema punitivo.
As ideias humanistas progrediram durante o século XIX, e um dos pontos mais altos é, curiosamente, pouco mencionado até pela esquerda: o trabalho de Marx sobre o Roubo de Lenha. Aos poucos, graças a numerosos ativistas (como, entre os mais conhecidos, Foucault e Wacquant) e às organizações de direitos humanos, hoje em dia existe uma visão mais ou menos consensual sobre a punição de crimes.
Esse consenso é teórico e poucos se arriscam a desafiá-lo publicamente num contexto sério (o que exclui a maioria de nosso continente), mas, na prática, quase nunca se cumpre.
Brevemente:
a)    A punição não deve ser usada para vingança. A justiça não deve ser retributiva, mas restauradora.
b)    O objetivo do sistema judicial é proteger a sociedade, e recuperar o criminoso.
É claro que nada disto acontece em nenhum país das Américas, nem mesmo no Canadá. Parcialmente, acontece nos países escandinavos, algumas vezes.
Por exemplo, Anders Breivik, se tivesse feito nos EUA o que fez em Utøya, teria sido executado, com sua execução transmitida pela TV, como se fez no caso de Timoty McVeigh, apesar de que sua participação no atentado terrorista de Oklahoma nunca foi provada.
Inversamente, o primeiro ministro da Noruega disse que essas aberrações aconteciam porque era necessário aperfeiçoar a democracia. É claro que Breivik está sob custódia por tempo indeterminado, mas isso não é uma punição. É uma proteção autêntica para a sociedade.
No caso do racismo, é fundamental erradica-lo da sociedade. O racismo é uma disfunção mental e moral, permanentemente alimentada pelos fanáticos fundamentalistas de diverso naipe.
A solução não é representar junto a um Promotor, provavelmente racista que (se o representado for um pobre diabo), talvez ofereça denúncia perante um juiz, provavelmente também racista, que dará uma ordem de captura para um delegado, também racista, que pegará um imbecil menos racista que qualquer um deles, e o submeterá a tortura.
Se tiver sorte, o racista sairá da cadeira com alguns dentes a menos, e talvez opte por pedir ingresso na polícia para continuar difundindo o racismo, agora de maneira mais eficaz.
As Alternativas
Quase todos são sensíveis ao carisma das pessoas, mas, o problema urgente para o Brasil é diminuir a agressividade dos racistas, que é uma das numerosas mazelas da barbárie e fascismo que se vive no país. Diminuir o racismo a sua menor expressão só será possível (se houver uma estratégia sensata)-, em várias décadas.
As celebridades injuriadas devem aproveitar sua popularidade para exigir das ONGs de direitos humanos uma ação mais decidida contra os racistas. O movimento negro brasileiro, sozinho, não consegue dar conta de tamanha brutalidade, porém, menos eficiente ainda será o apelo à justiça.
Algumas ONGs no Brasil fazem um grande esforço para lutar pelos direitos humanos, mas não possuem a proteção devida. Para a polícia que mata friamente 30 pessoas num bar, matar ativistas de DH é brincadeira. Mas, deve levar-se a denúncia ao plano internacional, e exigir maior compromisso das matrizes dessas ONGS.
Os atores e escritores têm uma obrigação especial, sejam brancos ou negros, de lutar contra o racismo, e também tem a possibilidade de fazê-lo. Algo imprescindível seria criar um sistema de informação sobre o racismo.
Quantas pessoas negras são assassinadas pela polícia por dia nos principais estados?
Qual é a participação dos governos dos Estados que incitam esses crimes?
Qual é a contribuição financeira dos empresários para patrocinar a faxina social nas cidades?
Qual foi o peso das pregações nazistas de deputados e apresentadores em diversos linchamentos de negros, como o terrível caso de Guarujá?
Como levar estes casos aos foros internacionais, e exigir de ONGs humanitárias uma pressão maior sobre as autoridades brasileiras?

Também é necessário denunciar as empresas racistas que divulgam essas mensagens de ódios, seus executivos e participantes, e exigir um boicote contra eles. Sem dúvida, um apelo feito por celebridades atingiria um grande número de pessoas.
Quando, há mais de um ano, uma pessoa pública estimulou ao linchamento de jovens marginalizados e, meses depois, produziu-se um linchamento pavoroso contra uma moça, muitos tínhamos a esperança de assistir a uma ação poderosa contra aquela figura, especialmente por ser alguém do meio televisivo. A única ação foi de um pequeno grupo de deputados que, evidentemente, não possuem a popularidade de atores ou atrizes. O canal moveu a pessoa a um local mais discreto e tudo continuou igual.
Um movimento de atores, atrizes e outras celebridades, poderia ter acabado com sua carreira.
O infame juiz que diz que os cultos dos afro não pode ser chamado religião, limitou-se a fazer uma retração, e assim há milhares de outros casos.
O único que melhora os povos é a Educação. Entretanto, todos os projetos educativos da sociedade (como o último plano de DH) são sistematicamente atacados até sua total obstrução. Pode gostar ou não, mas os setores progressistas brasileiros não podem fazer quase nada sem cooperação de outros movimentos.
É mais do que óbvio que, apesar do cinismo que houve na aplicação do boicote anti-apartheid, a África do Sul não teria conseguido sua libertação sem ajuda internacional.
Brasil é um dos poucos países em Ocidente, onde deputados ousam dizer que os negros são malditos por Deus, que o linchamento e a tortura são louváveis, que estuprar é legítimo, que sexo é crime, salvo dentro do casamento, que pretende negar assistência a mulheres engravidadas por violentadores.
A empáfia desses teratomas intelectuais e sociais está em rápida alta, e tudo faz temer que piore nas próximas décadas, tornando mais angustiante a vidas das gerações vindouras. Não podemos usar o chavão de que o nazismo foi derrotado na Europa. Sua derrota custou milhões de mortos, e os países ditos democráticos tinham interesses econômicos e territoriais em sua derrota. A onda de obscurantismo, superstição, preconceito e sadismo aberta no Brasil nos últimos anos, não será derrotada nem mesmo amortecida sem um grande esforço de todos os que possuem consciência.

Pedir que esse esforço seja compartilhado pelas elites sociais que fomentam estas mazelas é, no mínimo, inútil.

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