Racismo e "Punição"
Carlos A. Lungarzo
Os comentários de ódio
e as obscenidades contra duas figuras mediáticas têm trazido novamente ao
primeiro plano o problema do racismo, e essa oportunidade deve ser aproveitada
para que os setores sadios da sociedade (que, embora acuados, ainda existem) se
organizem contra esta aberração social.
O caso da atriz Thais
Araújo e da meteorologista (ela não é só uma apresentadora, mas é editora na
área de meteorologia) Maria Júlia Coutinho, encontrou as simpatias de grandes
setores da audiência. Sem dúvida, apesar do efeito paradoxal da mídia na
América Latina, é forçoso reconhecer que o público é sensível às pessoas
simpáticas, humanas e talentosas.
Era natural que o caso
destas celebridades despertasse indignação. Contudo, há um sério problema que
não é exclusivo do Brasil, mas afeta todas as sociedades subdesenvolvidas e até
países ricos como os EUA.
A indignação por crimes contra a humanidade (dos quais, o racismo é, junto com o fundamentalismo
teológico, o mais catastrófico para a espécie humana) dura pouco tempo, e
geralmente se catalisa menos pelo desejo de justiça, igualdade e humanidade,
que pelo efeito injurioso.
Os Delitos e as Penas
A
preocupação de construir uma sociedade mais humana é muito antiga, e os
primeiros manifestos nesse sentido podem encontrar-se já no século II AEC,
quando surgiram, na Grécia do período da expansão, as primeiras filosofias
hedonistas e naturalistas.
Mas
estas concepções só tomam força durante a Ilustração. Desta época é o trabalho
do Marquês de Beccaria (1738-1794), Os
Delitos e as Penas, que, pela primeira vez, reconhece a crueldade do
sistema punitivo.
As
ideias humanistas progrediram durante o século XIX, e um dos pontos mais altos
é, curiosamente, pouco mencionado até pela esquerda: o trabalho de Marx sobre o
Roubo de Lenha. Aos poucos, graças a
numerosos ativistas (como, entre os mais conhecidos, Foucault e Wacquant) e às
organizações de direitos humanos, hoje em dia existe uma visão mais ou menos
consensual sobre a punição de crimes.
Esse
consenso é teórico e poucos se arriscam a desafiá-lo publicamente num contexto sério (o que exclui a maioria de nosso
continente), mas, na prática, quase nunca se cumpre.
Brevemente:
a)
A
punição não deve ser usada para vingança. A justiça não deve ser retributiva,
mas restauradora.
b)
O
objetivo do sistema judicial é proteger a
sociedade, e recuperar o criminoso.
É
claro que nada disto acontece em nenhum país das Américas, nem mesmo no Canadá.
Parcialmente, acontece nos países escandinavos, algumas vezes.
Por
exemplo, Anders Breivik, se tivesse feito nos EUA o que fez em Utøya, teria
sido executado, com sua execução transmitida pela TV, como se fez no caso de
Timoty McVeigh, apesar de que sua participação no atentado terrorista de
Oklahoma nunca foi provada.
Inversamente,
o primeiro ministro da Noruega disse que essas aberrações aconteciam porque era
necessário aperfeiçoar a democracia. É claro que Breivik está sob custódia por
tempo indeterminado, mas isso não é uma punição. É uma proteção autêntica para
a sociedade.
No
caso do racismo, é fundamental erradica-lo da sociedade. O racismo é uma
disfunção mental e moral, permanentemente alimentada pelos fanáticos fundamentalistas
de diverso naipe.
A
solução não é representar junto a um Promotor, provavelmente racista que (se o representado for um pobre diabo), talvez ofereça
denúncia perante um juiz, provavelmente também racista, que dará uma ordem de
captura para um delegado, também racista, que pegará um imbecil menos racista
que qualquer um deles, e o submeterá a tortura.
Se
tiver sorte, o racista sairá da cadeira com alguns dentes a menos, e talvez
opte por pedir ingresso na polícia para continuar difundindo o racismo, agora
de maneira mais eficaz.
As
Alternativas
Quase
todos são sensíveis ao carisma das pessoas, mas, o problema urgente para o
Brasil é diminuir a agressividade dos racistas, que é uma das numerosas mazelas
da barbárie e fascismo que se vive no país. Diminuir o racismo a sua menor
expressão só será possível (se houver uma estratégia sensata)-, em várias
décadas.
As
celebridades injuriadas devem aproveitar sua popularidade para exigir das ONGs
de direitos humanos uma ação mais decidida contra os racistas. O movimento
negro brasileiro, sozinho, não consegue dar conta de tamanha brutalidade,
porém, menos eficiente ainda será o apelo à justiça.
Algumas
ONGs no Brasil fazem um grande esforço para lutar pelos direitos humanos, mas
não possuem a proteção devida. Para a polícia que mata friamente 30 pessoas num
bar, matar ativistas de DH é brincadeira. Mas, deve levar-se a denúncia ao
plano internacional, e exigir maior compromisso das matrizes dessas ONGS.
Os
atores e escritores têm uma obrigação especial, sejam brancos ou negros, de
lutar contra o racismo, e também tem a possibilidade de fazê-lo. Algo
imprescindível seria criar um sistema de informação sobre o racismo.
Quantas pessoas
negras são assassinadas pela polícia por dia nos principais estados?
Qual é a participação
dos governos dos Estados que incitam esses crimes?
Qual é a contribuição
financeira dos empresários para patrocinar a faxina social nas cidades?
Qual foi o peso das
pregações nazistas de deputados e apresentadores em diversos linchamentos de
negros, como o terrível caso de Guarujá?
Como levar estes
casos aos foros internacionais, e exigir de ONGs humanitárias uma pressão maior
sobre as autoridades brasileiras?
Também é necessário
denunciar as empresas racistas que divulgam essas mensagens de ódios, seus
executivos e participantes, e exigir um boicote contra eles. Sem dúvida, um
apelo feito por celebridades atingiria um grande número de pessoas.
Quando, há mais de um
ano, uma pessoa pública estimulou ao linchamento de jovens marginalizados e,
meses depois, produziu-se um linchamento pavoroso contra uma moça, muitos
tínhamos a esperança de assistir a uma ação poderosa contra aquela figura,
especialmente por ser alguém do meio televisivo. A única ação foi de um pequeno
grupo de deputados que, evidentemente, não possuem a popularidade de atores ou
atrizes. O canal moveu a pessoa a um local mais discreto e tudo continuou
igual.
Um movimento de
atores, atrizes e outras celebridades, poderia ter acabado com sua carreira.
O infame juiz que diz
que os cultos dos afro não pode ser chamado religião, limitou-se a fazer uma
retração, e assim há milhares de outros casos.
O único que melhora
os povos é a Educação. Entretanto, todos os projetos educativos da sociedade
(como o último plano de DH) são sistematicamente atacados até sua total
obstrução. Pode gostar ou não, mas os setores progressistas brasileiros não
podem fazer quase nada
sem cooperação de outros movimentos.
É mais do que óbvio
que, apesar do cinismo que houve na aplicação do boicote anti-apartheid, a
África do Sul não teria conseguido sua libertação sem ajuda internacional.
Brasil é um dos
poucos países em Ocidente, onde deputados ousam dizer que os negros são
malditos por Deus, que o linchamento e a tortura são louváveis, que estuprar é
legítimo, que sexo é crime, salvo dentro do casamento, que pretende negar
assistência a mulheres engravidadas por violentadores.
A empáfia desses
teratomas intelectuais e sociais está em rápida alta, e tudo faz temer que
piore nas próximas décadas, tornando mais angustiante a vidas das gerações
vindouras. Não podemos usar o chavão de que o nazismo foi derrotado na Europa.
Sua derrota custou milhões de mortos, e os países ditos democráticos tinham
interesses econômicos e territoriais em sua derrota. A onda de obscurantismo,
superstição, preconceito e sadismo aberta no Brasil nos últimos anos, não será
derrotada nem mesmo amortecida sem um grande esforço de todos os que possuem
consciência.
Pedir que esse
esforço seja compartilhado pelas elites sociais que fomentam estas mazelas é,
no mínimo, inútil.
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