"Reorganização é parte importante para privatizar", diz Professor da Faculdade de Educação da Unicamp:
Publicado na Rede Brasil Atual:
PUBLICIDADE
De acordo com ele, a estratégia 6.7, que trata do Ensino em Tempo Integral, indica as intenções privatistas do governo: estimular, em regime de colaboração, a apropriação dos espaços e equipamentos públicos e privados, articulando ações entre esses e as escolas, de forma a viabilizar a extensão do tempo de permanência do aluno em atividades correlacionadas ao currículo – daí a necessidade de escolas de ciclo único.
Para Freitas, que juntamente com outros professores da Unicamp assinou moção de repúdio contra a reorganização, Alckmin aposta na privatização da educação como algo inovador, capaz de resolver os problemas, com vistas a 2018, quando pretende disputar a Presidência da República.
“No entanto, políticas semelhantes adotadas em outros países pelos reformadores empresariais da educação não resolveram a questão da educação por lá”, afirma Freitas. Nos Estados Unidos, conforme diz, há dez anos as médias dos estudantes americanos patinam em avaliações internacionais como o Pisa (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), uma avaliação aplicada a alunos na faixa dos 15 anos, em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
“Do mesmo modo, a Suécia e a Austrália, que privatizaram, caíram no Pisa. O Chile está dando marcha a ré nessas políticas que destroem a escola pública e não produzem avanço. Portanto, não resolverá aqui também.”
Por que privatização requer escolas reorganizadas? Não é possível terceirizar sem reorganizar?
Não é só pela terceirização que a privatização pode ser conduzida. A experiência norte-americana mostra que pode ser pela terceirização da gestão propriamente dita, via concessões, passando pela oferta de vouchers (recursos dados diretamente aos pais para que escolham as escolas de seus filhos), sistemas de ensino apostilados, pagamento por bonificação, redução do tamanho das escolas (downsizing) maiores em escolas menores, fechamento e reorganização.
Em São Paulo, a privatização já vem sendo implementada há algum tempo no ensino médio através do modelo de escola de tempo integral do Instituto de Corresponsabilidade Educacional, que conduziu método semelhante em Pernambuco. Quem paga esta conta são empresários paulistas. Agora, há a segunda etapa de reorganização das escolas. A primeira foi em 1995, que fechou cerca de 150 escolas. Processo semelhante foi conduzido pela prefeitura da Cidade de Nova York no início dos anos 2000 associado à crescente terceirização das escolas, com financiamento de Bill Gates. O empresário investiu US$ 2 bilhões na ideia do downsizing de escolas. Como os resultados não corresponderam ao esperado, ele cessou a linha de apoio.
E aqui?
Nas atuais condições do estado, com o sistema empacado há mais de uma década, o governo Alckmin vai caminhar nesta direção. Afinal, o governador é candidato à Presidência da República em 2018 e tem de chegar lá com algum diferencial na área. O governo chegou a divulgar um documento simplório que seria a base do processo de reorganização. Apesar de o documento ter a ver com a reorganização, entendo que não revela todo o plano que está em curso. Quem tem o plano são as consultorias privadas Mckinsey e Falconi, que assessoram o governo e são pagas por empresários.
O ensino integral de Alckmin teria intenção meramente privatista?
O projeto escola integral é um processo de privatização apoiado pelo empresariado sob condução do Instituto de Corresponsabilidade Educacional que cuidou da implantação de uma experiência de escolas charters (escolas públicas administradas por entidades privadas) em Pernambuco. Ele está no Ceará também. Reorganizar as escolas é alicerçar a casa para novos passos, como “escolha da escola pelo aluno”, apoiado em vouchers, terceirização de gestão via charters, ou ambos.
É possível ainda que as escolas que o governo diz que são sediar escolas técnicas venham a ser transferidos para a iniciativa privada ou ONGs, para cursos de qualificação profissional, muito semelhante à Magnet School, dos Estados Unidos. Elas nasceram para tentar reduzir a brecha entre estudantes ricos e pobres. No entanto, esta linha seria paralela à privatização do ensino médio em si.
Essa articulação com o setor privado precisa de espaço para ser concretizada, já que esses atores não vão construir escolas. Daí a reorganização, que combina municipalização com “fechamento” de escola, ou seja, mudança da finalidade da ocupação do prédio. As escolas “fechadas” acolheriam os cursos técnicos de ONGs.
É comum fechar escolas?
Nos Estados Unidos as escolas são fechadas às dezenas, por não atingirem metas especificadas. Não vejo como ser feito isso neste momento em São Paulo. Mas a médio prazo isso também poderia ser um dos desdobramentos que alimentaria tanto a terceirização via charters, como a própria eliminação de escolas, com venda de prédios e redução de custos. Em Nova York, as escolas charters ocupam prédios de escolas que foram “fechadas”. Somente agora, o atual prefeito está obrigando-as a pagar aluguel. E lá, como o mercado já está constituído, há ONGs com fins lucrativos – ganham duas vezes, primeiro cobram o custo-aluno do governo e segundo não pagam aluguel.
Até onde vai o domínio das empresas sobre a educação?
No currículo. A flexibilização curricular é também proposta, pois abre mais espaço para as parcerias com o setor privado, que passam a atingir diretamente as atividades correlacionadas ao currículo. A lógica empresarial passa a orientar ainda mais a organização da escola. Não à toa, a meta 22, do Plano Estadual de Educação apresentado pelo governo, que dispõe sobre a implementação do “novo modelo de ensino médio, com organização curricular flexível e diversificada” assume todo o linguajar empresarial, colocando como meta para o ensino médio, garantir “acesso ao conhecimento como instrumento para a cidadania, o desenvolvimento de competências e habilidades, necessárias ao prosseguimento de estudos e que favoreçam a empregabilidade”.
Existe a possibilidade de professores da rede paulista virem a ser contratados por meio de OSs?
A questão dos professores deverá passar por uma completa reformulação nos próximos anos, na esteira dos processos de privatização. Primeiro, há o fator terceirização, ou seja, a contratação passaria a ser feita pela terceirizada e com isso o estado se desentende do assunto. Depois, o próprio estado deverá caminhar para a criação de uma carreira paralela e talvez optativa que seria oferecida aos professores, mas com contrato CLT e portanto sem estabilidade. Essas políticas acreditam que a estabilidade no emprego é nefasta, pois contraria a lógica do mercado baseada no mérito.
O governo não vê os professores como parte da solução. Para ele, os professores são o problema. Portanto, acredito que serão duramente atingidos por essas políticas. Com a contratação de sistemas de ensino privados para as escolas públicas, a tarefa do professor tenderá a ser redesenhada para menos, como uma espécie de um “instrutor” de sala de aula, seguidor de apostilas. Para esta função, você não precisará de professores superformados. Na outra ponta, é possível que se caminhe no Brasil para o formato de certificação de professores via provas do tipo OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Isso flexibilizaria as agências formadoras de professores que hoje se encontram concentradas nas faculdades e universidades. É um processo lento de destruição do magistério e da escola pública.
O fechamento é, então, a ponta do iceberg. Que futuro o sr. vislumbra caso prevaleça esse projeto?
Toda esta política já foi utilizada em outros países pelos reformadores empresariais da educação e não resolveu a questão da educação por lá. Os Estados Unidos estão na média do Pisa há dez anos e não saem daí. Na “Prova Brasil” deles, pela primeira vez em muitos anos, as médias caíram em quase todas as avaliações e anos. A Suécia privatizou e caiu no Pisa. A adoção de políticas similares na Austrália resultou em queda no Pisa. O Chile está dando marcha à ré nestas políticas. Essas políticas destroem a escola pública e não produzem avanço. Portanto, não resolverá aqui também. Perderemos uma ou mais décadas para depois voltarmos ao ponto inicial, ou seja, ao que temos hoje piorado, pois teremos deixado de apostar em outras vias que poderiam nos levar mais longe.
O que acha de haver resistência?
No início, não creio que haverá uma resistência organizada dos professores e alunos a essas políticas, embora possamos nos surpreender. É o que está ocorrendo com a reorganização nas escolas hoje, que já conta com mais de 100 ocupadas. Mas à medida que essas políticas vão sendo implantadas, elas vão produzir efeitos (conhecidos) que gerarão a própria reação a elas. Esta reação virá dos estudantes, pais, professores e até mesmo de gestores. Elas abrirão novas contradições nas redes às quais mobilizarão as pessoas em defesa da escola pública de gestão pública. Uma dessas reações é o boicote que só neste ano no estado de Nova York levou mais de 200 mil pais a retirar seus filhos das avaliações de larga escala.
Então as chances de recuo do governo frente às ocupações são mínimas?
Tenho dúvidas se o governo vai recuar. Está em jogo 2018. Alckmin não pode chegar lá sem nada. Além disso, a Secretaria da Educação está cercada pelos empresários que querem a adoção dessas políticas. Note que na negociação com os estudantes, Herman (Voorwald), o secretário de Educação, disse que levaria a demanda dos alunos “para o governador”. Ou seja, a questão é de Estado para Alckmin e só ele poderia ordenar um recuo. Já não é o secretário que está conduzindo a implantação. Tudo depende do crescimento do movimento estudantil e do desgaste imposto ao governo.
Qual será o destino das ocupações?
Uma das maneiras que o governo poderá usar é enfrentar os estudantes e deixar que se desgastem nas escolas ocupadas e ir fazer a reorganização com aquelas cidades que não tenham ocupação de escolas. A tentativa de reintegração de posse parece que não está funcionando junto aos Tribunais e geraria um custo político muito grande, penso.
As consultorias que estão assessorando o governo devem tê-lo alertado de como este processo foi feito em outros países e das reações que apareceriam. Nada do que está acontecendo está sendo exatamente uma surpresa para o governo. Não deve ser visto como uma “trapalhada” do secretário de Educação, impensada. Há um plano, e ele é organizado pelas consultorias privadas que assessoram a secretaria, pagas por empresários.
(Acompanhe as publicações do DCM no Facebook. Curta aqui).
Nenhum comentário:
Postar um comentário