e
Ocupação das escolas paulistas e os ecos de junho de 2013
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Edição 223
Paulo Arantes: Ocupar as escolas foi um ato de inteligência instintiva desses jovens
Confira nesta edição: O filósofo e professor Paulo Arantes avalia o
movimento de ocupação das escolas de São Paulo contra o plano de
reorganização imposto pelo governo Alckmin. Educadores e cientistas
sociais discutem a relação entre os protestos de junho de 2013 e o
levante dos estudantes secundaristas de São Paulo. Leia também uma
análise sobre a exploração da violência na cobertura televisiva dos
atentados em Paris.
Paulo Arantes: Só uma educação calamitosa pode ser jogada na vala comum da relação custo-benefício
Professor
aposentado de Filosofia da USP critica a reorganização proposta pelo
governo Alckmin e analisa como o movimento as ocupações de escolas
conseguiu tantos apoios
Por Leonardo Fuhrmann
Convidado
para fazer uma palestra nos primeiros dias da ocupação da Escola
Estadual Fernão Dias, em Pinheiros, o professor de Filosofia da USP
Paulo Arantes vê semelhanças entre as ocupações de escolas e as
manifestações de junho de 2013 e se surpreende com a grande
solidariedade que o movimento atual recebeu. Ligado ao PSOL e um dos
mais importantes intelectuais marxistas brasileiros, Arantes destaca que
movimento de estudantes têm as vantagens e as desvantagens de
apresentarem “um baixo grau de politização” e demonstram que os jovens
não querem ser tutelados por organizações políticas.
Fórum – Como o senhor vê essas ocupações de escolas estaduais de São Paulo?
Paulo Arantes
– É uma geração que não conheço inteiramente, porque convivo mais no
ambiente universitário. Mas, até pelos relatos que tenho recebido, de
quem tem acompanhado o assunto mais de perto, dá para fazer algumas
suposições. O primeiro ponto é que fiquei realmente impressionado com o
que está acontecendo.
Fórum – E a reorganização que foi estopim de insatifações maiores?
Arantes
– As congregações das faculdades de educação da USP e da Unicamp
criticaram o projeto do governo do Estado. O Conselho Regional de
Psicologia de São Paulo também. A decisão se baseou apenas em 19 páginas
de um relatório sem pé nem cabeça, repleto de generalidades.
Fórum – Existem semelhanças dessas ocupações com outros protestos?
Arantes
– Temos de ver como essa moçada vai metabolizar esse movimento, que
ainda é incipiente. É um efeito das marchas de junho de 2013. É
interessante que eles conseguiram se mobilizar sem serem politizados.
Não dá para compará-los, por exemplo, aos pinguins chilenos, movimento
secundarista que têm uma história de militância desde os anos da
ditadura do general Augusto Pinochet.
Fórum – A reorganização anunciada pelo governo foi a gota d’água?
Arantes –
A reorganização do ensino era uma novidade de um quadro de degradação
do ensino público. O estado da educação é calamitoso em São Paulo e no
Brasil como um todo.
Só
em uma situação dessas é possível colocar a escola na vala comum da
relação custo-benefício. O problema da educação vem desde a ditadura,
quando decidiram investir no ensino universitário e abandonaram os
outros níveis da educação. O resultado é que hoje temos graves problemas
em todos.
Fórum – Ao que se deve o sucesso dessas ocupações?
Arantes
– Esses jovens de 14 a 18 anos, com um baixo grau de politização para o
bem e para o mal, tiveram uma inteligência política instintiva muito
grande, que foi a decisão de ocupar as escolas. Depois da experiência de
junho de 2013, eles conseguiram dar um nó no modo de repressão do
governo paulista. Nas ruas, durante aquelas manifestações, a polícia
conseguia colocar as pessoas dentro de verdadeiros caldeirões. Quando
ocuparam as escolas, o método foi desmontado e a administração estadual
ficou desnorteada. Tanto que chegou a mandar trinta carros de
polícia para cercar uma escola. O governador ainda entrou na Justiça com
pedido de reintegração de posse das escolas, mas apenas juízes com
perfil mais conservador aceitaram esse argumento. A maioria deles
entendeu que não há esbulho possessório no caso. Os alunos estão
ocupando as escolas para que elas continuem sendo escolas.
Fórum – Como um movimento assim consegue manter sua força?
Arantes
– A manifestação teve um efeito multiplicador muito forte. Tanto no
rápido aumento no número de escolas ocupadas como no apoio de pais,
familiares, professores, funcionários das escolas e da população em
geral. Fora os pelegos, todos estão ao lado dos estudantes. Existe uma
simpatia pelas ocupações que afeta a todos. Eles estão conseguindo fazer
algo que o maior sindicato da América Latina, que é a Apeoesp, não
conseguiu fazer durante suas greves durante todos os governos Alckmin.
Mesmo com todos seus rachas, a Apeoesp é uma organização importante,
forte.
Fórum – O que esperar desse movimento para além das ações contra o fechamento de escolas?
Arantes
– Temos de ver quais serão seus próximos passos. Não deve haver
unanimidade entre eles quanto a isso. Esses estudantes se anteciparam
aos movimentos sociais e políticos, assim como nas marchas de junho de
2013. Eles mostraram que não querem ser tutelados por organizações.
(Foto: Daniel Garcia)
Ocupação das escolas paulistas e os ecos de junho de 2013
Especialistas, políticos e
intelectuais analisam os impactos da ação de jovens que ocuparam
unidades de ensino de São Paulo e da adesão que eles receberam de pais,
professores e movimentos sociais
Por Ivan Longo e Leonardo Fuhrmann
Quando
começaram as primeiras ocupações nos colégios estaduais – após o
anúncio do governo de Geraldo Alckmin (PSDB) sobre o projeto de
reestruturação da rede de ensino, que pretende fechar quase uma centena
de escolas, além de transferir milhares de alunos para instituir o ciclo
único – o próprio governador chegou a ironizar os manifestantes. Em uma
entrevista, ele disse acreditar que as escolas seriam esvaziadas
rapidamente, pois o final de semana estava chegando e “ninguém é de
ferro”.
Duas
semanas depois, o tucano percebeu que nem toda força vem do ferro. Além
de manterem as primeiras ocupações, o movimento se multiplicou e
ultrapassou a marca das 100 escolas ocupadas. Mais do que isso,
conseguiu apoio de pais, professores, funcionários da rede de ensino,
movimentos sociais e da população em geral. Iniciativas como doação de
aulas para as escolas ocupadas, guardiões que são comunicados para
proteger os alunos quando a polícia chega a alguma das unidades são
exemplos.
Na
opinião de especialistas, políticos e intelectuais, as ocupações guardam
semelhanças com as manifestações de junho de 2013 não só na unificação
em torno de uma pauta relacionada à qualidade e o custo de serviços
públicos essenciais – salvar as escolas neste momento e a luta contra o
aumento das tarifas do transporte naquela época. A nova grande onda de
protestos mantém a característica autonomista, ligada a uma nova forma
de atuação das esquerdas e se mistura com movimentos negro, LGBT e
feminista.
Para o
professor de Ciências Sociais da USP Jean Tible, a explosão de ocupações
de escolas mostra que a desobediência pode ser tão contagiosa quanto a
obediência. “Houve uma rede viral de ocupações. O movimento depois
recebeu a solidariedade de diversos grupos, como o MST e a Apeoesp, o
que ajuda a dar sustentação para a permanência das ações”, acredita. Ele
explica que o primeiro ponto em comum importante entre essas ocupações e
as marchas de junho de 2013 é a luta por serviços públicos de
qualidade. O cientista social analisa que a questão da escola de
qualidade tem um peso muito grande dentro dessa discussão porque envolve
diretamente a percepção de que vivemos em uma sociedade hierarquizada e
desigual. “Para mudar essas características, precisamos de uma educação
pública universal e de qualidade”, diz.
Tible
admite que a questão concreta do fechamento de escolas conseguiu
unificar revoltas com outros problemas da educação. “O governo não
esperava por uma reação tão forte como essa”, destaca. O professor
cita como exemplo de resposta a essa natureza das manifestações o
programa Mais Médicos. “No começo, ele foi visto com desconfiança por
parte da população, inclusive de potenciais beneficiários, mas hoje tem
um alto nível de aprovação”, analisa.
Ele
aponta um fortalecimento, a partir das políticas sociais do governo
Lula, do “conflito redistributivo”. “Nos últimos 10 ou 15 anos, a
periferia está bombando nos sentidos político, econômico e cultural.
Existem conexões de ações como as ocupações com outros temas, como os
direitos dos LGBTs, negros e mulheres. É uma nova geração, posterior aos
que combateram a ditadura e os que viveram a redemocratização. A boa
nova é que os filhos do governo Lula são rebeldes.” Ele entende que as
manifestações começam a apresentar uma nova geração, que não passou pela
luta contra a ditadura e o processo de redemocratização do País. “Não é
por acaso que o MTST consegue dialogar bem com essa juventude, ele é o
mais novo dos movimentos antigos ou o mais antigo dos novos”, afirma.
O
cientista social vê nas escolas ocupadas iniciativas que envolvem
participação e democratização do ensino, como os mutirões para cuidar da
escola e as aulas que elas têm recebido de voluntários. “É uma imagem
forte que você precisa passar por vários cadeados para chegar à sala de
aula dentro de uma escola pública. Foi uma prática de democratização que
eles tenham tomado para si esses cadeados”, opina.
Segundo o
pesquisador, as marchas de junho são um evento no sentido filosófico,
na medida em que marcam o início de um novo ciclo político. “Claro que
não é uma criação judaico-cristã, algo que veio do zero. Mas tivemos um
clima de insurreição, principalmente em Brasília, Rio e São Paulo”, diz.
Tible ressalta que aquelas manifestações tiveram o poder de levar a
política para a rua, no sentido de soberania popular. “O espaço público
foi retomado, a rua deixou de ser um monopólio dos carros. Para ele,
apesar de ter surgido como um movimento de esquerda. “A direita soube se
aproveitar disso depois, tanto em alguns atos espontâneos da campanha
do presidenciável Aécio Neves (PSDB), como nas manifestações contra o
governo deste ano”, afirma.
O
especialista avalia que existe uma rejeição grande a diversos poderes
constituídos. “Claro que é mais visível contra o governo, o parlamento e
os partidos políticos, mas a grande imprensa não tem interesse em
mostrar que é também contra o capital financeiro, os grandes empresários
representados pela Fiesp e os banqueiros, por exemplo”, cita.
Diretor
geral do Instituto Cultiva e professor da Escola Superior Dom Helder
Câmara, o cientista político Rudá Ricci também destaca a queda de
credibilidade, que atinge governos e empresas privadas. Segundo ele, é
um fenômeno que se acentua na América Latina como um todo desde 1995.
“Mesmo com a redução no número de pobres, houve um aumento na percepção
da profunda desigualdade social”, explica.
Para
Ricci, era esperado que o clima de desconfiança geral passasse a atingir
também governos do PSDB, especialmente em São Paulo, Estado governado
pelo partido há mais de 20 anos. “O ideário da ética do trabalho, de
pouca solidariedade, é muito marcante na política paulista e serviu
durante esse período para que os tucanos fizessem um contraponto ao
petismo. Como o PT foi praticamente dizimado no Estado, o governo do
PSDB passa a ser analisado pelo que fez, sem a ameaça do oposto”,
analisa.
Ele acredita
que há um acirramento nessa geração, com posicionamentos mais radicais
de direita e de esquerda. “Estudei muito as marchas de junho de 2013 e
elas são de esquerda sim, mas não aqueles grupos clássicos, são grupos
mais autonomistas e anarquistas. Houve uma direita que também saiu para
as ruas, mas era um movimento mais concentrado em São Paulo”, diz. Para
ele, essa esquerda demorou a fazer novas mobilizações porque foi
praticamente desmantelada por ações policiais que usaram o argumento da
luta contra o terrorismo, principalmente em função da Copa do Mundo de
futebol do ano passado. Ricci diz que os jovens de direita estiveram
muito presentes nas manifestações contra a presidenta Dilma em março
deste ano, mas, a partir de abril, foram sendo substituídos por adultos
mais velhos e com alto poder aquisitivo.
O
cientista político acredita que a participação dos pais nas
manifestações reforçam o caráter social em relação ao ideológico nas
ocupações das escolas. “Temos a ocupação de um aparelho público por
aqueles que são seus beneficiários no dia a dia”, diz. Ricci aponta que
as manifestações estão sendo feitas também em um momento de
realinhamento de sindicatos ligados ao funcionalismo público, inclusive
os de professores, e do movimento estudantil, com rachas e disputas mais
intensas. “A chegada do PT ao governo havia pasteurizado esse
sindicalismo”, opina.
O
pesquisador aponta características de debate da democratização do ensino
nessas ocupações que remetem inclusive aos movimentos disparados a
partir de Maio de 1968. “A escola tomada pela comunidade atenta para a
necessidade de dar voz a eles e não de impor um projeto de cima para
baixo. Eles estão colocando em xeque esse modelo de administrativismo do
governo paulista, que tenta transformar tudo numa discussão de
eficiência. De certa forma, estão na contramão de movimentos como aquele
da escola sem partido”, afirma. Ricci acredita que haverá algum tipo de
reação de movimentos de jovens de direita ao sucesso dessas ocupações.
Para o
professor de História da USP Lincoln Secco, movimentos como o de
ocupação de escolas não buscam ter uma estratégia permanente, como os
partidos de esquerda. “E nem imitam o que já foi, como os copiadores de
extrema direita (MBL, por exemplo). Eles começam a se desintegrar quando
acontecem, mas abalam muito mais o poder do que os velhos partidos. É
que eles sempre definem uma tática nova de acordo com a questão do
momento. Mas é uma ilusão achar que sejam desorganizados e agrupados ad hoc.
É sempre um grupo organizado que ataca um dos pontos da rede de poder,
esperando com isso que outros se organizem em seguida para atacar outros
pontos. Daí a forma horizontal do movimento quando visto em conjunto”.
Na
avaliação dele, nesse sentido, são uma continuidade e descontinuidade
com junho. “Continuam o método de agir por uma única pauta específica
capaz de agregar parte expressiva da população. Mas o atual movimento
seria dificilmente apropriado pela grande imprensa e os competidores de
direita porque estes não podem exibir nenhum compromisso com a educação
pública”, completa.
Integrante
do Conselho Nacional de Educação, o professor Luiz Roberto Alves vê o
sentimento de perda como um detonador para as ocupações das escolas. “É a
sensação da perda da sua escola. Sociólogos brilhantes como Florestan
Fernandes sugeriram que quando a gente fosse tratar de jovens e
adolescentes a gente não esquecesse da dimensão psicossocial que leva à
construção da escola. Esse momento histórico de vida que esses
adolescentes estão é um momento em que as perdas são demasiadamente
sentidas”, acredita. “Se você tivesse, como autoridade, trabalhado
sistematicamente, previamente, qualquer reorganização, o seu ato
organizatório não pareceria violento. Mas o seu ato organizatório,
quando não passa de uma informação, ele é psicossocialmente violento”,
complementa.
Para ele,
a principal diferença entre esse movimento atual e as manifestações de
rua do ano retrasado é que elas vinham de uma “fome de rua” e a ocupação
das escolas atende mais a um desejo de defender a própria escola. “A
relação entre o particular e o geral não é uma relação dada o tempo
inteiro. Eu tenho que primeiro sentir que estou, o que é meu particular e
depois eu me associo ao que é geral. E o que é geral ajuda a
compreender o que é particular”, afirma.
Segundo
Alves, a reação dos alunos retomou o espaço deles como sujeitos no
processo educacional. “É algo que está expresso na Constituição Federal,
no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação. Se São Paulo exemplificou nesse momento algo que não está
dentro disso, que não responde a essa ideia desses moços e moças como
sujeitos, se não foram tratados como sujeitos nesse momento, eles
quiseram fazer-se sujeitos. E há muitas maneiras de fazer, até aquelas
que alguns de nós não gostamos. Portanto, eles podem ter dado uma
informação nacional: a escola volta a ser nossa”, analisa.
Pós-doutor
em Educação e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de
São Paulo (FESPSP), Ivan Russeff afirma que alunos e a sociedade
organizada fizeram bem ao ocupar as escolas, pois conseguiram forçar o
debate. “Aquilo que os planejadores, os velhos professores, como o
secretário de Educação de São Paulo, Herman Jacobus Cornelis Voorwald,
não tiveram competência para fazer – e isso é uma incompetência política
e social, pedagógica –, os meninos estão ensinando”, diz.
“Em
relação ao legado, o primeiro é o da educação da autonomia. Para mim,
isso é fundamental. A pedagogia da autonomia está ligada à
responsabilidade, e esses meninos estão mostrando o que é ser autônomo –
porque estão propondo ideias alternativas às oficiais,
institucionalizadas pelo poder central – e, ao mesmo tempo, assumindo a
responsabilidade de gerir a escola, não só na limpeza e organização dos
serviços, mas na discussão do problema pedagógico, da questão do ensino,
da educação, junto a seus professores”, afirma.
Ele
destaca que os educadores que estão colaborando com as ocupações são
mais “irmanados” com o projeto de uma escola de qualidade. “Você vê que
ali tem professor ligado não apenas à sua carreira profissional, mas à
política da comunidade e da escola. Portanto, o grande legado é esse.
Ele está incrustado em uma geração específica de alunos, mas essa será
apenas a primeira página dessa história: as ocupações discutirão uma
alternativa da qualidade do ensino e trarão a responsabilidade dessa
discussão ao aluno também, que até agora estava forçadamente apartado,
não o chamaram para discutir”, aponta.
“Quantas
aulas ruins foram substituídas por essa grande aula coletiva? Aliás, não
quero ser muito pessimista, mas acho que quase todas, pois os
professores estão no final do ano, desgastados com a falta de
consideração do governo, com o desprestígio salarial e intelectual. Não é
que sejam perversos por si, mas estão arrebentados pelas relações de
trabalho, com a Secretaria e com a própria sociedade. Tem mais esse
dado: esses alunos estão levantando o moral – não a moral –, o ânimo de
seus professores, que viram que o que fizeram também colaborou para a
formação de estudantes críticos e participativos”, analisa.
Russeff
admite que vê sentido na proposta pedagógica de dividir as escolas por
ciclos e idades porque essa é uma possibilidade de organizar e capacitar
melhor os professores. Mas, para ele, isso não é uma questão sine qua non.
“A convivência com idades diferentes também amadurece, cria níveis de
sociabilidade interessantes para a formação da criança e do adolescente.
Ainda com relação a ela, acho interessante rever a ocupação das
escolas, pensar melhor como é possível distribuir as demandas, e
distribuir demandas não significa eliminar escolas. Não tem sentido – e
para mim isso é um dado que beira o absurdo – pensar na possibilidade de
transformar equipamentos escolares em uma unidade de atendimento médico
ou de formação e capacitação profissional, por exemplo”, diz.
“A
comunidade tem com as suas escolas a mesma relação que tem com sua
família. A escola é fundamental, é o equipamento social que está ali
como escola e como tal deve ser mantida”, ele avalia. “Os planejadores
infelizmente não entendem a escola – deveriam, mas esses não entendem.
Não entendem a política interna, as relações sociais, afetivas, como se
dá o movimento gregário entre comunidade e escola. Baixaram uma portaria
sem consultar, sem discutir com os professores, sem apresentar
alternativas, sem explicar qual o sentido pedagógico”, completa.
O
coordenador do Fórum Nacional de Educação, Heleno Araújo, acredita que a
ocupação das escolas é, antes de tudo, um gesto em busca da necessidade
e do direito. “Essa necessidade está vinculada pelo direito que cada um
tem de educação pública, e no local em que escolheu pra viver e
estudar. Eu faço mais uma leitura de um movimento que traz para o ser
humano, para a juventude que tá sentindo na pele os efeitos da medida de
fechar as escolas”, diz.
Para ele,
a reorganização foi um equívoco “que sofreu a reação forte e correta
dos estudantes que estão matriculados, não querem sair do espaço da
escola em que estão matriculados”. Na opinião de Araújo, as ocupações
têm um efeito multiplicador na discussão da qualidade de ensino que vai
além da rejeição à reorganização tentada pelo governo Alckmin. “Esse ato
é importante porque aumentou em São Paulo e está replicando em outros
estados. Acho que é um movimento positivo que a juventude está
protagonizando e são eles que farão a diferença para avançar ainda mais
na conquista de direitos sociais no nosso país”, opina.
Ministro
da Educação durante o governo Lula, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF)
acredita que a mobilização dos alunos tem poder de melhorar a qualidade
do ensino. “Eu vejo os jovens se mobilizando, não só os professores,
que são um meio muito corporativo. Quando o aluno se mobiliza, a chance é
muito grande de que seja algo que vai melhorar a educação”. Segundo
o parlamentar, o governo Alckmin não conseguiu passar a ideia de que a
reorganização é positiva; por isso, já perdeu na maneira de
encaminhá-la. “Tinha que primeiro convencer a sociedade de que a mudança
é positiva. Eu pesquisei, consultei pessoas em São Paulo e não me
convenci. Imagine a sociedade”, diz.
“Ninguém
pode ficar contra fazer a reorganização desde que seja feita buscando
melhorar a situação das crianças, das famílias e dos professores. A
impressão que dá nas mudanças que o governo está fazendo é que ela visa
reduzir gastos. Não sou contra reduzir gastos, mas a ênfase tem que ser
em melhorar o sistema escolar. O governador Alckmin não conseguiu
convencer que essa reforma melhora a educação”, analisa.
Em seu
perfil no Facebook, o professor de Filosofia da USP Renato Janine
Ribeiro, ex-ministro da presidenta Dilma Rousseff, também destacou a
falta de diálogo do governo paulista como estopim das mobilizações em
defesa das escolas. “O erro do governador Alckmin foi mexer em algo
importante para a identidade de cada jovem, como sua escola, sem uma boa
discussão prévia. Se tivesse havido explicações e debates, o resultado
seria outro”, escreveu.
Recém-eleita
presidenta da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas),
Camila Lanes avalia que o sentimento e luta contra o fechamento das
escolas mostra muito a irreverência dos estudantes para tratar do
assunto. “Para além das ocupações, os debates que circulam nos
corredores das escolas é sobre a conscientização da comunidade para com a
qualidade do ensino. Um grande desafio é debater junto com toda a
comunidade a superlotação das salas de aula, a desvalorização do
professor, a estrutura física da escola, gestão democrática, grêmio
livre, acessibilidade e outros temas”, diz.
Ela
afirma que estudantes de dez estados já aderiram a um ato de apoio aos
paulistas, que ocupam as escolas. “A ideia é uma paralisação momentânea
nas escolas Brasil afora em solidariedade às ocupações, mas
principalmente pela valorização da educação pública”, conta.
Colaboraram Anna Beatriz Anjos e Maíra Streit
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