http://razaoinadequada.com/2014/03/08/o-devir-mulher-nao-tem-tempo-nem-dia/
"O padrão majoritário é vazio. O homem macho, adulto, não tem devir. Pode devir-mulher e virar minoria” – Deleuze
* antes das vaias, leia até o fim. A crítica é sutil e exige cuidado para não criar um mal-entendido.
Esta página é de uma imanência absoluta (veja aqui),
por isso não pode concordar com qualquer ídolo transcendente que seja
afirmado. Todos os deuses caíram, e com ele a forma-homem já está
rachando e ameaçando ruir também. Tanto trabalho por nada? Não, não
criaremos novos ídolos, não criaremos novas identidades, não deixaremos o
dia da mulher se tornar o que vem se tornando. A mulher feminina, a
mulher bem-sucedida, trabalhadora, boa mãe, magra, a mulher produtos de
beleza.
O devir-mulher é a possibilidade que Deleuze
encontrou de não fazer parte dos jogos de identidades formadas pelas
políticas atuais do multiculturalismo, pós-modernismos, dos humanismos e
das políticas dominantes que opõe (mas junta) homem e mulher. Pois o
devir-mulher traz a possibilidade de fluir nos signos assignificantes,
isto é, produzir novas subjetividades, escapar das formas de existir
oferecidas pelo capitalismo consumista (e não (con)sumista), da moral cristã e do pensamento globalizante e massificador.
O devir-mulher é a primeira linha de fuga
que se traça para além de todas estas identidades, mas ela já começa a
ser reterritorializada pelos meios midiáticos. A mulher pede
reconhecimento, ela pede poder, pede direitos, o homem generosamente
lhes dá. Mas é preciso cuidado: o poder dá com uma mão e tira com a
outra. Assim como qualquer outra minoria ela quer que o poder dominante
lhe conceda uma fatia. (já tratamos disso com relação ao casamento gay).
O ídolo que estamos erigindo será nosso mais novo ditador. A mulher
também pode ser reprimida pela forma mulher que criou e colocou em um
altar, e agora a ameaça se não cumprir suas leis.
Aqui Deleuze pode nos ajudar, todo homem,
para devir minoria, precisa antes passa pelo devir-mulher. Não é
tornar-se mulher, é apreender através dos fluxos e dos movimentos como
se dispor de um modo novo no mundo. Não é imitar o que imaginamos ser a
mulher, não é colocar vestido, é criar com sua própria potência uma
organização minoritária. Não queremos ser homens! Não queremos ser
brancos, nem heterossexuais. Não deixaremos a barba por fazer, nem
compraremos o carro do ano. Mas também não deixaremos uma identidade
para cair em outra.
Não se trata de imitar a mulher… não é
isso um devir, não é tentar imitar um modelo. Trata-se de fazer os seus
fluxos entrarem em ressonância com os da mulher para que algo novo possa
emergir (até a mulher precisa devir-mulher). Ela sempre viveu na borda?
Pois bem, vamos viver na borda, habitar as zonas de devires, saber nos
movimentar sempre na tangente.
Nunca ser engolido pelas representações,
nunca ficar preso numa identidade. Estaremos tão distantes que não
conseguirão dar um nome, não haverá um dia para o que criaremos. Não é
imitar a mulher, nem juntar homem e mulher (e ser bissexual, travesti?).
Estaremos à margem, navegaremos por mares desconhecidos. Não sejam
mulheres, devenham mulheres! Complicado? Não, é muito simples: ninguém
é, todo mundo esta, e estar mulher é muito melhor que querer ser homem.
Acreditem, a forma homem não tem devir, é uma pura ideia, um regulador,
ela é letra morta, ela é o último estágio do niilismo.
A mulher é o sexo frágil? Só escuto
homens dizendo isso! Por isso temos tantos problemas, não é pra
comparar! O homem não pode entrar em devir, ele é uma forma, uma ideia,
um modelo, um retrato, uma infeliz identidade repressora que captura os
fluxos. E quando instituem o Dia da Mulher dá-se início ao mesmo
processo, reterritorialização, criação de identidade, concedendo
direitos (mas claro, exigindo deveres). “Ser mulher é ser assim, vista-se assado, vá na academia, compre tal perfume, cruze as pernas“? Ah, faça-me o favor!
Não é oposição, é passar entre, sair dos
dualismos, sair das comparações, explodir dicotomias. Criar-se no
encontro, sem pensar em uma identidade, isto é devir-mulher. Ir para
além do organismo, da máquina de trabalho do status quo, isso me parece mais interessante. A mulher que imita o homem é a morte do devir-mulher.
Desejo é produção, não falta (veja aqui),
é criar novos territórios, não pedir parar ser aceito nesse, o
devir-mulher é a primeira possibilidade para entrar em devir, o primeiro
passo, e que os homens também tenham devir-mulheres! Não queiram ser
maioria, não deixem de ser minorias, vamos explodir o mundo das
maiorias, injetar tanto caos que ele vai desabar, derreter em uma
multiplicidade de novos devires, as diferenças vão transbordar, e
nadaremos alegremente nelas.
Se antes a mulher era um mero objeto, e,
imposto por uma cultura machista, seu desejo era ser desejada pelo
homem, hoje ela tenta se equiparar ao homem, ser vista, respeitada,
reconhecida: as duas coisas são absurdas. Dane-se o dia da mulher,
dane-se o reconhecimento, danem-se os direitos, não precisamos deles. O
homem branco vai morrer de tédio, enquanto vocês criarão, também através
da dor e da luta, novos devires, novas formas de existir e de se
expressar. Que as mulheres se tornem artistas e não modelos!
Sim, isso me parece muito melhor, afinal, quantos homens não entraram
em devir-mulher pra fazerem suas obras? Todos os ídolos têm pés de
barro, e não deixaremos nenhum de pé, inclusive a mulher.
Drama da Carne – Vinícius Lopes
Por fim, disse ao mundo: eu me rendo!E todos riram uníssonos, sem prévio ensaio.
É que não há este movimento o qual eu tanto relutei
É um simples ir-se
Não vendo como paredes,
Os obstáculos que lhe servem para piadas, ironias e histórias de carnaval.
Mas o drama sempre viveu em mim,
E eu, insensato, queria viver nele…
Por isso todo este prólogo para o clímax
Pra surpreender o clítores com coisa nenhuma
Dramatizar um corpo qualquer,
Perder o gosto bom de ser mulher.
Devia eu ser atriz de comédia:
Acabava com todos os medos,
Fatiando-os em piadas na mesa…
… e ainda saía toda gozada!
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