sexta-feira, 25 de março de 2016

A NOVA MODA: RECALL

Brincando com Palavras :
De Impeachment a Recall
Carlos A. Lungarzo
No Brasil, é bem conhecido o gosto por palavras estrangeiras, especialmente exóticas. Em Portugal fala-se SIDA, mas no Brasil diz-se AIDS; até as doenças devem ter nome chique. Embora seja mais fácil dizer “impedimento” que “impeachment”, prefere-se esta última. Agora, o termo “recall” parece que estará logo na moda.
Recall, que significa reconvocação ou “novo chamado” (reconheço, sim, que recall é mais breve e elegante que essas duas palavras) é um referendum para decidir por maioria, em certas jurisdições (estado, província, município) se a população aprova ou não o a continuidade do governo, e equivale a uma substituição legal, sem golpe, dos representantes desse governo.
Um grupo de parlamentares brasileiros e, alguns deles, membros da esquerda (dos quais, pelo menos quatro têm uma tradição impecável) estão propondo um recall para evitar o golpe através do impeachment. Isto chama a atenção, em especial porque a ideia do recall surgiu de figuras oportunistas que mudaram um partido de esquerda por um ninho de ecoteólogos.
Veja neste link e outros relacionados.
Um dos proponentes diz, com toda razão, que este congresso não tem legitimidade para fazer um impeachment. Isso é absolutamente verdadeiro. Não obstante, apesar de a esquerda estar contra o golpe, talvez poderia ter feito mais para evitar a atual situação.  Todos conhecem o carisma, a inteligência e a confiança que inspiram vários dirigentes da esquerda brasileira. Alguns já ganharam o título de “parlamentares mais populares”. Quem sabe um bom esforço de todos eles poderia ter tornado menos viável a colocação em marcha do golpe atual.
Mas, agora, substituir o golpe por um recall (que, não é um golpe, mas é uma proposta extemporânea), pode produzir os mesmos efeitos.
Manipular um referendum no Brasil é muito fácil. Isso foi visto em 2005 com o tema do desarmamento.
Segundo as estatísticas, menos de 5% de domicílios não Brasil têm armas. Então, por que mais de 50% das pessoas se interessariam em que as armas fossem liberadas?
As agências da ONU observaram que as primeiras sondagens eram esmagadoramente favoráveis à proibição de armas, mas a coisa se inverteu logo que começou a campanha oficial, mesmo sendo que a Rede Globo apoiava o desarmamento. Os subornos dados pelos fabricantes de armas a políticos e algumas mídias (além de alguns truques publicitários) mudou a polaridade em algumas semanas.
Voltando ao referendum político, vejamos seu lado trágico.
Uma população que tem uma vida duríssima, trabalhando por salários miseráveis, viajando horas por dia em transportes péssimos, que devem proteger seu filho das balas (quem disse perdidas?) cruzadas por traficantes e polícias, não tem oportunidades nem tempo para esclarecer-se a si mesma.
É verdade que tem, sim, sentido de supervivência. Mas, se precisa mais que isso para poder diferenciar entre os verdadeiros culpados de sua situação, e aqueles que a mídia vende, massivamente, como bodes expiatórios. É difícil pensar que os populares tenham qualquer devoção pelos juízes e promotores que mandam os policias a invadir suas comunidades e metralhar seus filhos. Todavia, quando escutam o slogan: “Fora todos!”, podem pensar que esses, seus algozes, são os que vão sair, e algum messias chegará em seu lugar.
Há vanguardas populares bem informadas, mas em todo o mundo subdesenvolvido elas são minorias. Então, num momento como este, em que o ódio político deflagrado pelos coxinhas atinge até as crianças (“Cala a boca; moleque, você é um f... de um petralha!”), é mais natural que as pessoas votem por desespero que por reflexão.
Um dos abutres de Curitiba disse uma vez por TV que as falcatruas da Petrobrás podem ultrapassar os 20 bi. Mesmo se isto fosse verdade, imagina o que significa “bilhões” para uma população que rara vez viu mil reais em dinheiro vivo! Eles podem imaginar que com esse dinheiro se muda o país todo, que isso vai reverter em benfeitorias para o povo, que, se exterminada a Petrobrás, o gás de cozinha vai ser de graça, e assim em diante.
Mas, é fácil predizer o que vai acontecer:
Faz-se o recall. Dilma perde. Então, se realiza o sonho de setores que, curiosamente, estão nos polos do espectro ideológico:
Todo mundo fora!
Agora, imaginemos novas eleições, e que a justiça dá o maior prazo possível.
Eu gostaria de saber, daqueles arautos progressistas do recall:
Como vão fazer para encontrar partidos dignos, honestos, eficientes, populares, e, sobretudo, minimamente esclarecidos, em 3, 6 ou 12 meses?
Claro que pode ser feito em alguns poucos anos, como aconteceu em outros países da região, mas antes foi necessário um processo de luta e educação política. Concordo em que o PT é responsável por ter abandonado os militantes, e por pintar o capitalismo brasileiro como se fosse aliado dos populares, e não um inimigo que devia ser combatido.
Mas, isso não foi feito e o tempo não volta atrás. É de extremo mau gosto jogar no rosto erros que não podem ser corrigidos, embora tenham sido, como neste caso, muitos. Então, jogamos ao quê:
Tudo ou Nada? Quanto pior, melhor?
Quem ganharia essas recall elections? O PSOL, o PSTU, o PCB ou PCdoB, o PCO, a esquerda do PT, ou uma coalizão de todos eles? Nós todos sabemos que isso, mesmo sem ser impossível, tem probabilidade de bilionésimo por cento.
Mas, há dois grupos de candidatos fortes: os narcobanqueiros e os ecoteólogos, aos quais se aderirão, no segundo turno, as numerosas siglas de mercenários e picaretas.
Os narcobanqueiros levariam o país a uma situação muito pior que em 1998. Claro que a mídia vai aplaudir. O dólar estará bem baixo, inflação quase nula, e o prestígio nacional, medido pelas agências de adestradores de executivos, chegará às alturas. Os programas sociais podem ser totalmente varridos em algumas semanas. Petrobrax e outras empresas “inúteis” seriam vendidas. E o desemprego pode aproximar-se ao que foi na Argentina em 1995: 42%.
E os ecoteólogos? Ahhh, esses são mais completos. Como estão aliados com os narcos, e já os apoiaram em 2014, as medidas sociais serão as mesmas. Aliás, eles têm melhores argumentos: a Petrobrás deve ser vendida porque o petróleo estraga a ecologia. Verdade. Porém, será que nas mãos da Exxon, Gulf, etc,. vai estragar menos?
Além disso, os ecos podem adicionar sua própria teoria, que os narcos, mais liberais, não têm. Ficará proibida a masturbação, as novelas eróticas, a educação sexual nas escolas, e se instituirá o crime de blasfémia: 10 anos de prisão e 200 horas de choque elétrico. As escolas deverão ensinar que a teoria da evolução é pura besteira, que a ciência está errada, e que pessoas inteligentes são pecadores e malfeitores.
Um dos partidos de esquerda que propõe o recall possui um excelente histórico em direitos humanos, talvez o melhor do Continente. Não sei qual de suas divisões é a que apoia o recall, mas, é necessário pensar, que esta proposta (que até acredito que alguns estejam propondo por ingenuidade) é vergonhosa, e só faz jogo dos ecoteólogos, que, caladinhos, esperam o momento para dar o bote.
Então, a enorme tarefa realizada por este e outros partidos nas prisões, com os doentes de Aids, nas comunidades, com crianças e mulheres, etc., ficará prejudicada, porque é claro que uma nova direita, após 12 anos de abstinência, voltará com todo o ressentimento e não deixará nada em seu lugar.
Evitar a alteração da legalidade constitucional não é fraqueza nem centrismo. A indignação contra o governo pela esquerda é compreensível, mas a solução não é o fim de tudo. A pressão contra a linha de centro-direita do governo deve aumentar, e vale a pena pensar que pode ser corrigida. Mas, ninguém poderá parar o estrago que farão os narcobanqueiros e os ecoteólogos, se eles voltaram.
Aliás, acho pouco sensata esta proposta, e quero acreditar que os ativistas de esquerda que se deslumbraram por esta possibilidade talvez não a pensassem o suficiente.
Introduzir novas regras na metade do caminho, para ferrar seja quem for (direita ou esquerda) é uma prática negativa, que pode aniquilar este pequeno embrião de democracia.


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