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*replicado por DIÁRIO LIBERDADE EM 2010
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- Categoria: Batalha de ideias
- Publicado em Quinta, 26 Agosto 2010 02:00
Pimenta Negra - Carta de Bakunine ao irmão Paulo ( 29 de Março de 1845)
Continuo
a ser eu próprio, como antes, inimigo declarado da realidade existente,
só que com uma diferença: eu parei de ser um teórico, eu venci, enfim,
em mim, a metafísica e a filosofia, e entreguei-se inteiramente, com
toda a minha alma, ao mundo prático, ao mundo dos factos reais.
Acredite em mim, amigo, a vida é bela;
agora tenho pleno direito de dizer isto porque parei há muito tempo de
olhá-la através das construções teóricas e de conhecê-la somente em
fantasia, pois experimentei efectivamente muitas das suas amarguras,
sofri muito e entreguei-me frequentemente ao desespero.
Eu amo, Paulo, amo apaixonadamente: não
sei se posso ser amado como gostaria que fosse, porém não me desespero;
sei, pelo menos, que tem muito simpatia por mim; devo e quero merecer o
amor daquela a quem amo, amando-a religiosamente, ou seja, activamente;
ela está submetida à mais terrível e à mais infame escravidão e devo
libertá-la combatendo os seus opressores e incendiando no seu coração o
sentimento da sua própria dignidade, suscitando nela o amor e a
necessidade da liberdade, os instintos da rebeldia e da independência,
fazendo-lhe recordar a sensação da sua força e dos seus direitos.
Amar é querer a liberdade, a completa
independência do outro; o primeiro acto do verdadeiro amor é a
emancipação completa do objeto que se ama; não se pode amar
verdadeiramente a não ser alguém perfeitamente livre, independente, não
só de todos os demais, mas também e, sobretudo, daquele de quem é amado e
a quem ama.
Esta é a profissão da minha fé política,
social e religiosa, aqui está o sentido íntimo, não só dos meus actos e
das minhas tendências políticas, mas também, tanto quanto me é
possível, da minha existência particular e individual; porque o tempo em
que poderiam ser separados estes dois géneros de acção está muito longe
da gente; agora o homem quer a liberdade em todas as acepções e em
todas as aplicações desta palavra, ou então não a quer de modo algum;
querer a dependência daquele a quem se ama é amar uma coisa e não um ser
humano, porque o que distingue o ser humano das coisas é a liberdade; e
se o amor implicar também a dependência, é o mais perigoso e infame do
mundo porque é então uma fonte inesgotável de escravidão e de
embrutecimento para toda a humanidade.
Tudo que emancipa os homens, tudo que,
ao fazê-los voltar a si mesmos, suscita neles o princípio da sua vida
própria, da sua actividade original e realmente independente, tudo o que
lhes dá força para serem eles mesmos, é verdade; tudo o resto é falso,
liberticida, absurdo. Emancipar o homem, esta é a única influência
legítima e bem-feitora.
Abaixo todos os dogmas religiosos e
filosóficos – que não são mais que mentiras; a verdade não é uma teoria,
mas sim um facto; a vida é a comunidade de homens livres e
independentes, é a santa unidade do amor que brota das profundidades
misteriosas e infinitas da liberdade individual.
Nota biográfica
Mikhail Bakunin (1814-1876), de origem
aristocrática, que percorreu toda a Europa como activista revolucionário
e exilado político, foi um dos fundadores da Associação Internacional
dos Trabalhadores, também conhecida por I Internacional, sendo uma das
figuras mais importantes do movimento e do pensamento anarquista. Da sua
bibliogarfia destaca-se o livro Deus e o Estado.
A carta reproduzida acima tem data de 29 de Março de 1845 e foi enviada de Paris por Bakunin ao seu irmão Paulo.
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