Mensagem à Ombudperson da Folha de S.Paulo sobre Informação Caluniosa
15/01/2016
Prezada Senhora
Vera Guimarães
Boa Tarde!
Recebi há alguns
minutos um e-mail enviado pelo senhor jornalista Rui Martins em que acrescenta
uma cópia de uma mensagem enviada a VS pelo jornalista Celso Lungaretti, em
relação à matéria na qual o colunista Reynaldo Azevedo considerava ilegal a
decisão do (na época) Presidente Lula da Silva de soltar Cesare Battisti em
31/12/2010.
Tendo recebido
esses e-mails, tomo a liberdade de intervir nessa discussão.
1) O Decreto do Presidente Lula de 31/12/2010, alicerçado num despacho
muito detalhado da AGU, devia ter, por seu caráter autoaplicável, imediato
efeito sobre a soltura de Battisti, como foi dito (e transmitido pela mídia)
pelo ministro Marco Aurélio de Mello e também por Ayres Britto, e por cerca de
60 juristas.
2) Não quero discutir o assunto jurídico, porque não acho assunto
prazeroso, mas é necessária alguma referência aos julgamentos que compõem o caso
Battisti.
Lembro, então, que, na primeira
deliberação de STF, do dia 9/9/2009, a concessão do refúgio de Battisti foi rejeitada no STF por 5X4 votos e, posteriormente foi autorizada (não exigida,
o que não compete ao judiciário) sua extradição.
3) No entanto, em dezembro desse ano, também por 5X4 votos (com a mudança
do voto de Ayres Britto) foi aprovada a decisão para que o presidente Lula era
a autoridade, o Chefe de Estado, que decidiria sobre o caso. Esse direito do
Poder Executivo possui uma longa jurisprudência no TSF e em cerca de 50 países
das Américas e da Europa.
O presidente decidiu, como sabemos,
pela recusa da extradição.
4) Os aspectos jurídicos da decisão do STF em ambos os casos são bem
conhecidos. Apenas quero sublinhar o seguinte: na oitiva do STF do dia
09/09/09, os quatro ministros que votaram em favor da manutenção do
refúgio (Marco Aurélio, Barbosa, Grau e Carmen Lúcia) documentaram vastamente
sua decisão. O argumento mais forte é de que não cabe ao judiciário julgar
sobre o refúgio, embora possa julgar-se sobre extradição, que são institutos
bem diferentes.
5) Sem discutir quem “estava certo” na primeira oitiva, cabe deixar claro
que o STF decidiu reconhecer o direito do Poder
Executivo de executar ou recusar a extradição,
com base nos votos positivos de Grau, Ayres, Marco Aurélio, Carmen,
Barbosa e os negativos de Peluso, Mendes, Gracie e Lewandowski.
6) A partir desse momento, os aspectos jurídicos do caso Battisti estavam
encerrados. Mas, o pleito foi viciosamente estendido por causa de uma manobra
de Peluso, como presidente de STF, que negou-se a soltar Battisti, e marcou uma
reunião muito depois, de maneira de prolongar o máximo possível a prisão do
escritor italiano.
Naquele momento, a defesa de
Battisti, liderada por Luis R. Barroso, qualificou a manobra de
“disfuncionalidade” e lembrou as práticas jurídicas da ditadura.
7) Mas, apesar do empenho de Peluso, a manobra fracassou. Na madrugada de 9
de junho de 2011, o STF decidiu a liberdade incondicional de Battisti, pelo seguinte placar:
CONTRA: Mendes, Grecie, Peluso (3)
A FAVOR: Fux, Lewandowsk, Ayres,
Marco Aurélio, Carmen Lúcia, Barbosa (6)
Ou seja 3 (contra) X 6 (a favor)
Como dá para ver, nesta votação
chamada “excêntrica” pela Folha os votos a favor duplicam os votos contra.
A posição da Folha no caso Battisti é
conhecida não apenas no Brasil, mas também não exterior, bem como suas
interpretações do caso e suas fontes, nem sempre isentas.
Entretanto, a matéria do colunista
Reinaldo Azevedo excedeu tudo o que já lemos na Folha e mesmo em outros veículos (com a exceção
de uma notícia passada o mesmo dia da soltura do Battisti por uma apresentadora
de TV).
A sistemática
reprodução de ideias que não são nem ambíguas nem confusas, mas unívocas e claramente falsas, sobre aquele julgamento encerrado há quatro anos e meio, não parece ser benéfica para o jornal, pelo menos, entre o público
esclarecido.
Quando Battisti foi
liberado, o ministro Marco Aurélio comentou para O Estado de São Paulo, que
Battisti teria direito a reclamar indenização porque boa parte de sua prisão
foi ilegal. Obviamente, e a pesar disso ser claro, ninguém pensou nunca em
fazer esse tipo de reclamação, porque, nesse caso, toda esta campanha rancorosa
e interminável contra Battisti se intensificaria.
Mas, lembro essa
opinião do juiz apenas para que VVSS não pensem que o escritor Battisti está
totalmente desprotegido pela lei. Fora de quaisquer considerações ideológicas,
cabe perceber que este assunto está muito gasto e que se uso para enfraquecer o
governo e robustecer o golpe é desnecessário.
Esta agressão
desmedida, não apenas além de qualquer parâmetro ético, mas também além de
qualquer mínima saúde cognitiva, não beneficia aos que as publicam, porque os
poucos que lembram o caso Battisti não precisam de nenhum incentivo para
aumentar seu ódio.
Como disse alguma
vez Bobby Seale (um dos líderes do movimento negro americano nos anos 60):
“O ódio só
prejudica quem odeia. A vítima do ódio não se importa e os outros nem tomam
conhecimento”.
Atenciosamente
Carlos A. Lungarzo
59.693.463 SSSP
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