Sobre o Boicote à Livraria Cultura: um Comentário
Carlos A. Lungarzo
Eu e as pessoas mais próximas a mim temos uma
enorme admiração e simpatia pelo Eduardo Suplicy, por diversas razões que todo
o mundo conhece. Ele e mais algumas dúzias de políticos brasileiros, representam
a honestidade, a ilimitada solidariedade com o povo, a humildade e generosidade
que deveriam ter todos numa verdadeira democracia.
Ele faz parte de 5% (exagerando para acima) das
pessoas públicas, contrastando com 95% de “profissionais” da militância
elitista (que, em alguns poucos casos, se autopercebe como esquerda), que
possuem uma verdadeira vocação humanista e democrática sem limites.
Vimos uma única vez a Haddad, mas conhecemos
seus esforços titânicos para transformar SP numa cidade humana, algo difícil de
fazer, sendo que SP é o paraíso de super ricos, e o octogésimo primeiro círculo
de inferno (numa versão de Dante ao quadrado) para pobres, negros, nordestinos,
escravos trabalhistas estrangeiros, refugiados e outros.
Sentimo-nos muito honrados pela amizade de
Suplicy, mas, se realmente amamos os amigos, não podemos trata-los como se
fossem sagrados. A sacralidade é apenas o fruto da doença social, transformada
em moral cujo cumprimento se cobra das classes dominantes. É, como dizia, Marx,
“Opium des Volkes”.
É por isso que criticar os amigos com boa fé
é uma atitude necessária, mesmo quando formos nós os que estamos errados. Nesse
caso, a réplica a nosso erros nos fará pensar na correção.
Imagino que Suplicy está preocupado por duas
coisas.
Uma, porque ele e Fernando Haddad (outro dos
habitantes daquele 5% de políticos altruístas) foram brutalmente insultados e
ameaçados por um grupo de agentes do ódio do crescente fascismo no Brasil, que,
como era de esperar, se recusaram a discutir e polemizar, porque o único que
eles sabem fazer é derramar sangue (como em Pinheirinho, e outros lugares), e
nesse dito “espaço democrático” da LC não era possível.
Mas, com seu temperamento universalista e, às
vezes, muito otimista, Suplicy acha, acredito (não falei pessoalmente com ele deste
assunto), que deve mostrar-se serenidade frente ao ataque dos outros.
Sem dúvida. Pacifismo, serenidade, coragem é
o que nos diferencia de nossos inimigos, daqueles bárbaros que exigem porte de
armas, encarceramento de crianças, leis contra os movimento sociais, bolsa
estupro, humilhação das mulheres, linchamento de negros, pobres e homoafetivos,
de aquela Emozionale Pest (como dizia
Wilhem Reich) que invadiu o Parlamento, criado um dos episódios mais nojentos da
história da América do Sul.
Eu sou totalmente partidário do pacifismo, e creio que nada há mais
pacífico que um boicote. É
simplesmente deixar de fazer.
Não sei qual é a probabilidade de sucesso,
mas, com certeza, muito maior que a de qualquer denúncia ao judiciário ou ao MP,
denúncia esta que iria, antes de ser protocolada, ao triturador de papel do
promotor. Acho que uma ação jurídica necessária, nem que seja para manter o
fato vivo, mas, os ofendidos tem todo o direito de não querer ser atores desse
processo. Portanto, respeitando a vontade dos ofendidos, não é possível fazer
nenhuma ação jurídica.
Mas, podemos, é claro, fazer uma ação moral,
pessoal, independente. Deve ficar claro que um boicote contra a LC, não só pela
personalidade ilibada dos ofendidos, mas porque eles representam os votos e os
desejos de milhões de pessoas que não têm quem as defenda! Por tanto, temos não
apenas o direito, como a obrigação moral, de apoiar a proposta de boicote.
É a primeira vez em muito tempo que o PT toma
uma decisão ativa, e isso deve ser estimulado, porque, se não for já muito
tarde, o ativismo pode reconstruir a confiança no povo de que política não deve
sersó aliança, governabilidade, cambalacho, mas, essencialmente, solidariedade.
Ora, quem pode nos proibir um ato de
abstenção? Deixar de comprar um
livro, um CD, uma revista, uma das mil e uma bugigangas que as livrarias,
transformadas em mercados de tudo o que dê dinheiro, vendem.
Suplicy parece pensar que não se pode culpar
à Livraria Cultura pelo arrasamento do sábado passado. Vejamos:
Existe um limite entre a liberdade
democrática de qualquer cidadão, e o direito à baderna, a sabotagem, o insulto,
a ameaça e (quase), a agressão física.
A alegação do dono do Mercado parece muito
transparente (afinal, são os mesmos bordões de sempre!) mas, por que será que o
que ele afirma é exatamente o oposto do que aconteceu?
“a Livraria Cultura é um
espaço democrático, suprapartidário e de acesso irrestrito a todo e qualquer
tipo de público. Nas dezenas de eventos que acontecem em nossas lojas todos os
dias, prezamos pela ética, a diversidade, a transparência e a civilidade”
“Suprapartidário” significa, em bom
portunhol, que não diferencia por partidos políticos. Isso quer dizer que a
exigência de segurança e respeito é uma “frescura” da esquerda? O que tem de
partidário que se você vai a fazer uma palestra num lugar, seja perseguido por
vândalos???
Quanto à civilidade, parece que precisamos
uma definição pós-moderna da palavra. São atos civilizados os seguintes?:
Insultar, chamar de “vergonha nacional” a uma
das (se não a mais, respeitadas) pessoas públicas do Brasil, não apenas em seu
país, como em todos os países em que é conhecido.
É civilidade injurias de todas as maneiras e
ameaçar, inclusive com aquele grotesco bonequinho que custa uma fortuna?
É civilizado se fingir de estar “sendo
empurrada” por um jovem que apenas queria trocar opiniões, para provocar uma
reação da gangue linchadora, e, eventualmente (claro que ninguém pode saber o
que há na cabeça destes elementos, salvo... Hmm! Cesurado!) produzir um fato
violento?
Por sinal, viram não vídeo, um sujeito de uns
40 anos, dizer, com estilo de “poderoso”, uma frase que reforçava a façar: “Não
a toque !!!!”
É
civilizado impedir passar, rodear, obstruir, formar uma espécie de corredor, fazer
sarcasmos, ridicularizar?
Se querem civilidade, por que não discutem?
Suplicy é uma pessoa que possui uma paciência
e educação infinita com fascistas de todas as cores. Esta não é uma das
capacidades que invejo nele, mas o admiro por sua excessiva bondade.
Quanto a inocência da livraria, sejamos
sensatos. Ninguém aqui é Chapeuzinho Vermelho.
1) Custava muito aos donos do espaço,
advertir aos camisas pretas para não fazer baderna. Possivelmente, isso teria
bastado. O ódio dessa canalha nunca chega a ser tão grande como seu espírito
interesseiro. Ninguém da direita quer colocar-se contra poderosos empresários
que tem muito acesso a opinião pública, não apenas no Brasil.
Isto mostra aos gritos que a LC não achou
ruim o ataque contra Suplicy e Haddad. Ouso imaginar o contrário. A LC é um
grande centro de coxinhas cultos (que existem, claro), que possuem afinidade de
classe, política e ideológica com aquele mercado. É óbvio que ter dado aquela “lição”
a Suplicy ou Haddad o faz ganhar prestígio entre seus admiradores.
2) Quanto começou a ameaça de obstrução, e as
coxinhas requentadas começaram a avançar em torno aos dois dignitários, não era
possível uma medida de contenção rápida para evitar esse ato?
A LC não tem seguranças, ou será todos eles
são, como é hábito nos quarteis coxinhas, enormes brutamontes que poderia ferir
as coxinhas? Um coronel urbano ilustrado não é o mesmo que um ruralista de Mato
Grosso. Eles não precisam (e ninguém quer) ferir os coxinhas. Era suficiente
dar blindagem aos alvos.
O progressão do ódio e a violência contra o
PT já cobrou mortos (um refugiado haitiano), vandalismo material, e numerosos
atos de provocação e terror. (Por exemplo, a captura fingida daquele mordomo de
hotel em Brasília).
Finalmente, não teria sido adequada uma
palavra de desculpa, mesmo para simular que a LC não estava estimulando os
terroristas? Até o Pentâgono, após cometer algum crime, disse que o caso se vai
investigar e que lamentam.
Hum! Aqui em SP estamos mais para Meio
Oriente que para EUA. Por exemplo, a ministra Ayelet Shaked nunca disse que
lamentava, como dizem sempre os fascistas e assimilados, o “dano colateral”.
Disse que as mães de crianças palestina, deveria ir ao Inferno com seus filhos,
que são filhotes de cobras.
Creio que é má política, muito má, dizer que quanto pior, melhor, ou que devemos
jogar ao TUDO ou NADA.
Algumas décadas atrás, extremistas de esquerda diziam que nada
vale a pena se você não acaba com os capitalistas de vez. Não digo os
capitalistas se dividam em honestos e não honestos. O que está em jogo são
direitos humanos. Alguns deles não se arriscam a violá-los, outros estão
comprometidos com essas violações.
No estado de SP, dominado por figuras monstruosas do OD (só que
estes não usam silícios, mas o aplicam aos outros), onde a água está sendo um
luxo, onde há milhares de crimes policiais, notoriamente consentidos pelo governo,
não podemos mostrar “purismo”.
Se pudermos desviar uma parte da freguesia da LC para outros
lugares (igualmente capitalistas), teremos, pelo menos, uma vitória moral: teremos
mostrado a essa ralé que, pelo menos, uma provocação terá alguma consequência,
embora mínima.
Boicote, como greve, são os instrumentos mais pacíficos e
racionais. Você não quer destruir o inimigo, não queremos meter os coxinhas na
cadeia, como eles gostariam de fazer com todos nós. A justiça popular não é
responder violência com violência, é neutralizar o inimigo. Você neutraliza quem
usa seu poder econômico para o terrorismo urbano, tentado diminuir, no
que seja possível, esse poder.
Assim foram feitos os grandes processos sociais. Não será “conciliando”
com os coxinhas, como faz o governo atualmente, que avançaremos nem um
milímetro.
Vocês
compram livros? Ótimo, compremos em outro lugar. SP tem milhares de livrarias. O
boicote até pode ser uma poupança. Há muitas técnicas para ler sem dar lucro a
determinados mercadores. Não temos motivo para boicotar outros, já que eles não
nos ameaçam.
Proximamente,
escreverei um artigo que mandarei aos membros de minha rede sobre alguns
procedimentos que podem dar certo.
Abraços
Carlos
A. Lungarzo
Nenhum comentário:
Postar um comentário