Recém-nascido: abandono da mãe ou do Estado?
Fatos como este são reprisados em todo país e há muito tempo reclamam um espaço para debater a implantação de políticas públicas que sejam minimizadoras de situação tão delicada.
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Publicado por Eudes Quintino de Oliveira Junior - 23 horas atrás
Noticiou a imprensa, com repercussão em todo país, que uma mãe, com 37 anos de idade, no bairro Higienópolis, em São Paulo, escondeu sua gravidez da patroa, com receio de perder o emprego, e teve o bebê no quarto que ocupava no apartamento. Dois dias após, acomodou a criança em uma sacola e a deixou na calçada, ao pé de uma árvore, onde foi encontrada e encaminhada para o atendimento médico, realizado com sucesso. A mãe, que já tem uma filha de três anos, vai responder pelo crime de exposição ou abandono de recém-nascido.
É até comum ouvir notícia relatando tal lastimável abandono e a reação das pessoas é quase sempre no sentido de censurar a mãe pelo descaso com a vida do recém-nascido. Mas é muito difícil estabelecer e até mesmo compreender os motivos que a levaram a tomar tão odiosa conduta.
Mas, mesmo assim, fechando um raciocínio jurídico em torno da questão, percebe-se que, quando grávida, não optou pelo aborto. Nem mesmo pelo infanticídio, quando se encontravasob a influência do estado puerperal. Não se pode concluir, portanto, que não desejasse o nascimento do filho, uma vez que venceu todas as etapas, desde a concepção até o nascimento com vida. Passou, com certeza, por inúmeras dificuldades, tanto sociais, econômicas e até mesmo o abandono do pai da criança, mas, mesmo assim, proporcionou o nascimento da filha. E se fosse possível penetrar em seu interior para desvendar a sua vontade, acredito que a única resposta seria que alguém encontrasse o bebê e desse a ele a necessária acolhida.
Fatos como este são reprisados em todo país e há muito tempo reclamam um espaço para debater a implantação de políticas públicas que sejam minimizadoras de situação tão delicada. A questão não é processar a mãe em busca de um édito condenatório e sentir que a Justiça foi feita. O problema penal ocupa a menor fatia do imbróglio social, e deve-se levar em consideração sim o despreparo para a maternidade, a preocupação em ocultar a desonra própria e até mesmo eventual consequência financeira, como a demissão do emprego. A pena a ser aplicada é de seis meses a dois anos de detenção e a persecução penal será feita perante os Juizados Especiais Criminais, de acordo com o artigo 61 da lei 9.099/1995.
Ora, o que exige o Código Penal é que, além de ter a mulher agido com a intenção de ocultar a desonra própria, provoque a ocorrência do perigo concreto para o neonato, não bastando a mera presunção do risco. E vai ao encontro da defesa da mãe o fato de ter-se colocado bem próxima do local para observar se a criança seria resgatada por pessoa que transmitisse confiança, demonstrando, desta forma, a prática de medida acautelatória para evitar qualquer perigo a ela.
Visando proporcionar uma solução mais humana para os casos de abandono de recém-nascido, tramitou pela Câmara Federal um projeto de lei a respeito dos direitos reprodutivosdas mulheres, criando a figura do parto anônimo. Garante à mulher grávida, que não desejaa criança, o atendimento pré-natal e o parto, ambos gratuitamente. Assim como o filho será deixado no hospital ou posto de saúde por determinado prazo, período em que poderá serreivindicado por ela ou por qualquer parente biológico. Findo o período, a criança será encaminhada à adoção. A parturiente que optou pela entrega do filho será submetida a acompanhamento psicológico, isenta de qualquer responsabilidade civil ou criminal emrelação ao filho e sua identidade. As informações a respeito de sua saúde e a do genitor serão mantidas e divulgadas somente por ordem judicial fundamentada.
A incongruência do projeto residiu justamente no sigilo de identidade da mãe que impossibilita ao filho o conhecimento de sua origem genética. Dentre todos os direitos elencados na Constituição Federal, um deles assume relevância no assunto ora debatido: o da dignidade da pessoa humana. Toda pessoa tem o direito de conhecer sua origem, seu patrimônio genético, seus dados biológicos. Tanto é que o artigo 48 do Estatuto da Infância e Juventude determina: "O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos". Ao inserir tal direito, derivado do princípio da dignidade da pessoa humana, o legislador não ofertou condição para o filho fazer uma escolha futura com relação à filiação, mas sim para que conheça o sua identificação genética.
De lege ferenda, por se tratar de adoção, poderia ser proposto novo projeto no sentido de preservar a nomeação dos responsáveis pela identidade genética, para depois providenciar a substituição registral, lançando os nomes dos pretendentes no registro de nascimento da criança, vez que será cancelado o anterior e nenhuma observação ficará constando.
Desta forma, dá-se segurança maior à gestante que já carrega a intenção de entregar o filho à adoção, com a efetiva proteção estatal. Receberá atendimento pré-natal, com todos os acompanhamentos necessários para a realização do parto, assim como o acompanhamento psicológico e não arcará com qualquer responsabilidade civil ou criminal com relação ao filho, que será registrado em seu nome.
Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, membro da CONEP/CNS/MS, Reitor da Unorp/São José do Rio Preto.
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