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Narcos não é apenas sobre narcotráfico
Marcelo Rubens Paiva
31 agosto 2015 | 12:16
A série NARCOS da Netflix [em parceria com a Gaumont] estreou quinta-feira.
Teve gente que ficou grudada.
E teve aquele que precisou se controlar, para não ver os dez capítulos de uma tacada e perder a pizza com a família. Como eu.
Escrita por um timaço liderado por Chris Brancato, é sensacional. Gruda.
Talvez seja a melhor série brasileira já feita [que não é brasileira].
Wagner Moura pode começar a fazer planos e mudar seu endereço, já que entrou de vez para o mainstream dos grandes atores do cinema e da TV.
O diretor geral, JOSÉ PADILHA, utiliza a técnica narrativa de CIDADE DE DEUS e TROPA DE ELITE, da escola SCORSESE de cinema [GOODFELLAS, CASINO], que embaralha didatismo com a ação dramática, sempre com um OFF coloquial.
E fala de História num contexto maior que o aparente.
Não é apenas sobre PABLO ESCOBAR e a guerra do tráfico.
Fala dos decisivos anos 1980, em que se viu a Queda do Muro, o colapso da luta revolucionária, a onda de moralização da era Reagan e a absurda associação entre grupos de esquerda [Sandinistas, Farc], separatistas [ETA] e o tráfico de cocaína.
Quem viveu naquele período se lembra.
Saíamos dos deslumbrantes anos 1970. Podia-se fumar maconha livremente em parques americanos.
O DEA corria atrás de pequenos traficantes hippies que usam chinelos para apreender uma pacoteira de maconha. Cocaína era cara, proveniente do Peru e Bolívia.
A CIA e o FBI tinham a prioridade [e a obsessão] de combater o comunismo.
Viu a pauta do narcotráfico entrar na agenda, quando se descobriu que atentados na Colômbia eram patrocinados pelo Cartel de Medellin, que o novo governo sandinista revolucionário da Nicarágua e o ditador do Panamá, Manuel Noriega, cediam pistas de pouso e o espaço aéreo para o tráfico, em troca de grana e armas.
O Cartel contratou químicos alemães, encontrou a camuflagem da selva e de um governo corrupto para montar um processo de refinaria e de distribuição de proporções industriais, que levou seu faturamento a níveis de montadoras de carros.
Até enfim os americanos se mobilizarem.
No Brasil, a cocaína barata invadiu os morros, atraiu facções criminosas e trouxe uma violência urbana que mais lembra uma guerra civil.
Nancy Reagan com o marido elegeu a droga o inimigo 1 da América.
A AIDS, que passava de seringa em seringa, alimentou o pânico que a opinião pública precisava para a nova onda conservadora americana.
O fim das ilusões utópicas do marxismo e de uma sociedade justa alimentou a febre individualista do yuppismo narcisista fútil e consumista.
PADILHA conta tudo isso e mais.
Lamenta um Continente absorvido pela corrupção e envolto numa guerra sem fim.
A grande ironia: Pablo sonhava em libertar a Colômbia como Simon Bolívar.
Ganha a sua espada. Entra para a política. É expulso pela elite política. E se vinga.
Popular, encontra num Estado ausente a chance de formar seu próprio estado, com exército próprio e um PIB suficiente para pagar a dívida externa da Colômbia, o que chega a oferecer.
Tinha um projeto de Nação.
Não era apenas um bandido, mas um patriota psicopata.
Mais do que muitos que governavam países ao seu redor.
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