terça-feira, 11 de agosto de 2015

Contra o Multiculturalismo

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Contra o Multiculturalismo

Peter Lamborn Wilson

Os Estados Unidos sempre se supôs uma "mistura", um "cadinho cultural". O Canadá, por outro lado, se considera um "mosaico", que poderia explicar o porque os canadenses parecem sofrer um tipo de crise de identidade prolongada e perpétua. Que significa ser "canadense" ao contrário (ou também) dos Quebecois, dos Celtas, ou dos Nativos?


Nos anos 50, os EUA foram supostos estar imunes a tais preocupações. Todas as culturas iriam se "dissolver" e se fundiriam na personalidade americana, o córrego principal. Na verdade, porém, esta cultura do "consenso" era simplesmente a cultura colonial inglesa com amnésia, e uma desbotada pátina da petulância da fronteira.


As culturas imigrantes que resistiram a essa fusão foram consideradas simplesmente anormais; os irlandeses, por exemplo, foram vistos como selvagens rebeldes até muito recentemente. Claro, era difícil dizer se determinadas culturas ficavam "de fora" porque queriam ou porque eram excluídas. Nos anos 60, os negros eram identificados como uma cultura injustamente excluída, e o progresso foi feito para absorvê-los no comportamento predominante (dentro da integração escolar, por exemplo). Os americanos nativos continuaram sendo excluídos pela lei, que os definem melhor pelo sangue do que pela cultura, e mantêm a "segregação" através do sistema reservado. Judeus, latinos, asiáticos, cada um seguindo sua própria trajetória em direção a assimilação ou resistência.


No final dos anos 70 e início dos anos 80, tornou-se óbvio que a mistura tinha falhado de algum modo. A cultura negra, o exemplo do teste, mostrava-se agora impossível de absorver. O "consenso" estava em perigo. O partido de direita, com suas atitudes esquizofrênicas em relação à raça e a cultura, tinha hesitado. Um novo consenso "liberal" foi proposto. Foi chamado Multiculturalismo.


Não há lugar para dúvidas: o Multiculturalismo é uma estratégia projetada para conservar a "América" como uma ideia, e como um sistema de controle social. Cada uma das muitas culturas que caracterizam a nação, são agora permitidas a uma pequena escala de auto-identidade e algum simulacro de autonomia. Os livros escolares refletem agora esta estratégia, com ilustrações dos anos 50, com alguns felizes brancos históricos, modificados por incluir alguns negros, asiáticos e mesmo nativos. Uma dúzia ou mais de departamentos de Multiculturalismo brotam no nível universitário. Cada minoria deveria agora ser tratada com "dignidade" no curriculum. Os conservadores protestam: o slogan canônico da civilização ocidental está em perigo! Nossas crianças serão forçadas a estudar... a história negra! Este murmurar na direita outorga ao Multiculturalismo um aura de retidão "radical" e corretismo político, e a esquerda dá um impulso para a frente para defender o novo paradigma. No meio, de acordo com a teoria - o equilíbrio será restaurado, e o consenso funcionará novamente. O problema é que a própria teoria nem se origina da Direita, nem da Esquerda, nem do Centro. Emana do alto. É uma teoria do Controle.


Os antigos livros escolares descreviam toda a particularidade étnica/cultural como uma mácula que poderia somente ser superada no grande banco da conformidade à norma. Apesar disso, a norma era em si mesma uma forma clara e simples de particularismo hegemônico, os livros desgastaram e tornaram-se consequentemente transparentes. Eles foram obrigados a isso - eu concordo. Agora nós temos alguns textos que admitem, por exemplo, que Colombo era bom, mas tinha defeitos e que os africanos não eram moralmente responsáveis por serem escravos. Isso é um avanço - eu concordo. Entretanto, eu continuo interessado em saber precisamente quem nos permitiu acreditar em tais opiniões - e porque ?


Em primeiro lugar, parece óbvio que cada uma das "muitas" culturas particulares está sendo avaliada em oposição ou assemelhada a uma cultura "universal" predominante. A única diferença é que a corrente predominante agora, aparentemente, avalia um pouco da "diversidade", e sente um pouco de nostalgia admissível para costumes étnicos variados. No coração do discurso, entretanto, o discurso completo, que se define agora como "Multicultural", permanece "um curriculum de núcleo sólido", composto dos mesmos velhos axiomas do Euro-racionalismo, triunfo pseudo-científico, e teleologia da classe dominante.


Essa tendência predominante constitui a Civilização, e somente na periferia desta centralidade é que as culturas conseguem achar um lugar. O que quer que as culturas possuam, que possa ser adequado à civilização, naturalmente será aceito de bom grado. Cada pequena cultura local rara tem algo a oferecer, algo do que se "orgulhar". Uma paixão museológica inspira o centro; todos colecionam pequenas particularidades étnicas; todos são turistas; todos tomam posse.


A conversa Multicultural como o monólogo totalista deveria ser algo como: Sim, seus pequenos trabalhos manuais ficarão bem em minha sala, onde ajudarão a disfarçar o fato de que minha casa foi projetada por - e talvez para - uma máquina. Sim, sua bela cerimônia irá nos fornecer a "experiência" de um fim de semana agradável. Ó Deus, não somos nós os Mestres do Universo? Por que teríamos que investir nesta velha mobília Anglo-Americana quando nós podemos pegar a sua? Vocês não estão agradecidos? E não é mais também um Imperialismo Colonial: nós pagamos pelo que pegamos - e até mesmo o que quebramos! Pague, pague, pague. Apesar de tudo, é somente dinheiro.


Deste modo, o Multiculturalismo está preocupado, em primeiro lugar, em propor o Universalismo e o Particularismo ao mesmo tempo - de fato, uma totalidade. Cada totalidade indica um totalitarismo, mas neste caso, o Todo aparece de uma forma amigável, um grande parque temático onde cada "caso especial" pode ser infinitamente reproduzido. O Multiculturalismo é o "espetáculo" da comunicação – uma fraternidade que se transforma em produto de consumo e que trás retorno financeiro àqueles que o sonharam. Neste sentido, o Multiculturalismo aparece como uma necessária reflexão ideológica do Mercado Global ou "da nova ordem mundial", o "único" mundo do capitalismo tardio e o "fim da História".


O "fim da História" é naturalmente o código para o "fim do social". O Multiculturalismo é a decoração do fim do social, as imagens metafóricas da completa atomização do "consumidor". E que o consumidor consumirá? Imagens da cultura.


Em segundo lugar, multiculturalismo não é apenas uma falsa totalidade ou unificação, mas também falsa separação. Sobre as "minorias" é dito inclusive que nenhum objetivo ou valores em comum poderia uni-las, exceto é claro, os objetivos e valores do consenso. Negros possuem a Cultura Negra, por exemplo, e não pode mais ser assimilada. Tão logo a Cultura Negra reconhece tacitamente a centralidade do consenso - e sua própria posição periférica - a ela será permitida e até mesmo encorajada a prosperidade. Autonomia genuína, no entanto, está fora de questão, então qualquer "consciência de classe" poderá podar tanto linhas de etnicidade como "modos de vida" para sugerir parcerias revolucionárias. Cada minoria contribui para o centro, mas nenhuma circulação na periferia é autorizada, e certamente nenhum poder de coletividade será bem visto. Um diagrama poderia se parecer com isso:


Ao contrário de uma flor, que se abre para abelhas e insetos e flui para a vida, o "consenso" suga toda energia e absorve ela num sistema fechado de controle rígido parecido com o processo da morte, no qual eventualmente acaba em esterilidade e histerismo.


Viver como nós fazemos na era do global total e no ambiente físico e cultural que esta era secreta, deveria ser óbvio que a particularização pode representar uma forma de resistência. A totalidade tem subjugado para apropriar a energia da resistência oferecendo uma falsa forma de particularismo, vazio de todo poder criativo, como um simulacro produtificador de desejo de insurreição. Neste sentido, o multiculturalismo é simplesmente o outro lado daquela página que o verso é "limpeza étnica". Ambos lados advogam pela desaparição de qualquer forma autêntica de particular cultura de resistência.


Ao mesmo tempo, o Consenso secretamente estimula o ódio de raça e mesmo de classe. Na misteriosa ausência daquele “Império Diabólico” que fornecia uma desculpa para cada ato de repressão violenta e corrupção, baseada na “defesa das Civilizações Ocidentais”, o Consenso agora deve buscar ou mesmo criar os seus “inimigos” dentro de si mesmo. Organizações de Inteligência se apaixonam pelos violentos nacionalistas, separatistas, e chauvinistas de todos os tipos. Nesses círculos, multiculturalismo significa “deixemos que eles se matem, e salvemo-nos dos problemas”. Portanto, cada ato de revolta e manifestação violenta de ódio simplesmente aumenta o poder da “Segurança de Estado”. Já podemos observar que o Discurso do Poder está perdendo a paciência com essas “malditas minorias e suas tolices de P.C.. Nós os oferecemos multiculturalismo e olhe! Eles continuam se rebelando. Criminosos!”(...)


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