"O algodão Bt não só não aumenta a produtividade como, além disso, é muito mais caro. As sementes tradicionais de algodão custavam sete rúpias por quilo, ao passo que um quilo de algodão Bt custa 17.000 rúpias. Além disso, supõe-se que estas sementes sejam modificadas para controlar pragas, mas o certo é que elas criam outras novas, o que implica em um aumento de 30% no uso de pesticidas", denuncia Shiva.
A luta de Vandana Shiva é a luta pelas sementes, pelas mulheres, pela diversidade, pela vida. Ela começou a sua militância no começo dos anos 1970 no Chipko, um movimento de resistência pacífica de mulheres que abraçaram árvores para evitar sua derrubada. Desde então, está há mais de 20 anos lutando na Índia e percorrendo o mundo para denunciar as políticas neoliberais e as imposições e enganos das multinacionais da alimentação. As mesmas políticas e enganos que levaram o seu país a ter o maior índice mundial de desnutrição infantil e que, além disso, condenou os camponeses ao suicídio e as mulheres à miséria.
Física teórica, ecofeminista, filósofa e escritora, Vandana criou, em 1982, a Fundação para a Pesquisa Científica, Tecnológica e Ecológica Navdanya que promove o intercâmbio de sementes e a manutenção da biodiversidade. Através do movimento Mulheres Diversas pela Diversidade trabalha o empoderamento feminino na Índia e promove uma aliança global necessária de mulheres como resposta à globalização patriarcal, depredadora e não sustentável. Vandana Shiva não separa a ecologia do feminismo: "O ecofeminismo coloca a vida no centro da organização social, política e econômica. Algo que as mulheres fazem desde sempre".
Shiva é autora de vários livros, dentre os quais destacamos Biopiratiaria. A pilhagem da natureza e do conhecimento (Vozes, 2001) e Monoculturas da mente (Global Editora, 2003).
Segue a entrevista que Vandana Shiva concedeu a Izaskun Sánchez Aroca e está publicada no jornal quinzenal espanhol Diagonal, n. 97, de 05 a 18-03-2009. A tradução é do Cepat.
Como a produção da jatrofa (uma erva não-comestível que cresce em terra infértil e requer relativamente pouca água) afetou a crise alimentar?
Na Índia dizem que a jatrofa só se desenvolve em terras áridas que não poderiam ser utilizadas para outra coisa, assim que supostamente não representaria uma ameaça à segurança alimentar. Mas isso não é certo. Na Navdanya elaboramos um estudo que analisa os grandes cultivos de jatrofa nos Estados de Maharashtra, Rajastán, Chhattisgarh que monstra que estes cultivos estão desencadeando uma crise alimentar na região, além de um problema de acesso à terra. No Estado de Rajastán estão mudando as leis para converter terras comunais, tradicionalmente de pastoreio, em plantações de jatrofa.
Fizemos um estudo que mostra que a toxicidade desta planta se propaga pelo ar. O objetivo na Índia é plantar 11 milhões de hectares de uma planta tóxica, o que significa que estás deixando essa terra deserta. Além disso, a jatrofa representa um perigo para as crianças, que colhem os frutos e os comem..., algumas ficam doentes ou morrem. É um sistema absurdo. Temos mais de 200 tipos de árvores ou arbustos oleaginosos que poderiam prover energia localmente sem colocar em perigo a segurança alimentar.
As indústrias da biotecnologia afirmam que os transgênicos ajudaram a aumentar a produtividade em países como a China ou a Índia, mitigando os efeitos da crise alimentar.
O único cultivo modificado geneticamente que temos na Índia é o algodão Bt. O algodão não serve para consumo humano: é usado na produção têxtil. É muito característico da indústria da biotecnologia fazer associações absurdas e chamá-o de ciência. Outra manipulação são os dados das exportações. Na realidade, a Índia está exportando às custas de sua indústria local, porque 80% do algodão vai para a China, onde são fabricadas roupas baratas para a Índia, para a Espanha, para vender aqui e acolá.
Enquanto isso, os nossos camponeses estão se suicidando devido ao preço das sementes de algodão modificadas geneticamente. O algodão Bt não só não aumenta a produtividade como, além disso, é muito mais caro. As sementes tradicionais de algodão custavam sete rúpias por quilo, ao passo que um quilo de algodão Bt custa 17.000 rúpias. Além disso, supõe-se que estas sementes sejam modificadas para controlar pragas, mas o certo é que elas criam outras novas, o que implica em um aumento de 30% no uso de pesticidas. Estes são dados coletados no campo, baseados nos camponeses, não nos relatórios que os altos executivos da Monsanto olham por cima em seus escritórios em Londres ou Bonn. As exportações de algodão na Índia caíram cerca de 50%, e será que todas as grandes multinacionais da agroindústria também perderam 50%? Não. Porque o comércio e a produção já não estão mais relacionados, por isso há uma crise alimentar. Foram estas multinacionais que trouxeram a crise alimentar, que especularam, que não deixaram que os alimentos fossem acessíveis às pessoas.
O cultivo do algodão Bt está aumentando tanto porque a Monsanto se assegura de que não exista outro tipo de sementes, destrói qualquer fornecimento alternativo. Pressionam as instituições e os governos para que deixem de produzir, de conservar, assim que não existe nenhum banco público de sementes. Além disso, enganam os camponeses para que não troquem sementes entre si. Oferecem-lhes uma variedade nova com promessas de alto rendimento e dinheiro e o camponês aceita, mas não se dá conta de que a Monsanto fez o mesmo em cada povoado, em cada Estado, e logo há grandes áreas que dependem do algodão Bt da Monsanto.
Realmente, não é algo que depende da escolha dos camponeses, mas da destruição de sua capacidade de escolha. Na Índia, os lugares em que o algodão Bt está sendo cultivado são aqueles em que o índice de suicídios é mais alto. Mais de 200.000 camponeses se suicidaram nos últimos 10 anos.
A mulher, apesar de ser a guardiã da biodiversidade, é a que mais sofre as consequências dos cultivos transgênicos.
Desde que as sementes estejam nas mãos das mulheres, convertem-se em suas guardiãs e não há nem mortes, nem suicídios. A globalização ameaça as mulheres com cargas muito sangrentas. A primeira é o assunto dos suicídios dos homens. Enquanto as mulheres ficam no campo, os homens visitam as cidades e se encontram com os agentes das companhias de sementes que lhes dizem: "usa esta semente milagrosa que vai te enriquecer". Nestas sementes, não há nenhuma etiqueta que te diga que isso é engenharia genética. Dessa forma, depois de dois anos de produção o camponês contraiu uma dívida tão grande que vai perder a sua terra. E é justamente neste dia que toma o pesticida. Alguém encontra o corpo e diz à mulher: "Teu marido está estendido no chão ao lado de uma garrafa de pesticida". E nesse momento, os agentes das empresas de sementes, os novos emprestadores, começam a visitar a casa para cobrar a dívida. As cargas mais pesadas da globalização recaem sobre as mulheres que, além disso, nunca participaram da tomada de suas decisões.
Por: IHU - Instituto Humanitas Unisinos (S.Leopoldo-RS)
http://www.unisinos.br/ihu/index.php
http://www.forumcarajas.org.br/portal.php?noticia&mostra&2480
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