sábado, 20 de fevereiro de 2010

Seremos todos aprendentes - AUGUSTO DE FRANCO

Cartas rede Social
Buscadores & Polinizadores
Carta Rede Social 191 (05/06/09)

Desaprender a ensinar será tão importante quanto aprender a aprender, individual e coletivamente. Porque, no fim, não haverá ensinantes. Como buscadores e polinizadores, todos seremos aprendentes.
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‘Carta Rede Social’, ex-‘Carta Capital Social’ (e antiga ‘Carta DLIS’) é uma comunicação pessoal de Augusto de Franco enviada quinzenalmente, desde 2001, para milhares de agentes de desenvolvimento e outras pessoas interessadas no assunto, do Brasil e de alguns países de língua portuguesa e espanhola. A presente 'Carta Rede Social 191' está sendo encaminhada para 11.172 destinatários.

Prezado(a) Leitor(a)

Na transição da sociedade hierárquica para a sociedade em rede estamos condenados a nos tornar buscadores cada vez mais autônomos e polinizadores cada vez mais interdependentes.

É assim que transitaremos do heterodidatismo para o autodidatismo e para o alterdidatismo: quando o lema 1) “eu busco o conhecimento que me interessa do meu próprio jeito” for a senha para o lema => 2) “eu guardo o meu conhecimento nos meus amigos” e for a senha para o lema => 3) “nos produzimos nosso conhecimento comunitariamente” (em rede).

A escola que já se prefigura no final desse trajeto é uma não-escola. A escola é a rede.

Nela, todos seremos autodidatas. E todos seremos alterdidatas. Isso quer dizer que todos seremos educandos-educadores na medida em que aprendermos a aprender e aprendermos a conviver com o meio natural e com o meio social em que vivemos.

Aprender a aprender é a condição fundamental para a livre aprendizagem humana em uma sociedade inteligente. É ensejar oportunidades aos educandos de se tornarem educadores de si mesmos (aprendendo a andar com as próprias pernas ao se libertarem das muletas do heterodidatismo). Aprender a conviver com o meio natural e com o meio social é ensejar oportunidades aos educadores de se tornaram educandos da interação comunitária na nova sociedade em rede (desaprendendo ensinagem ao se libertarem das muletas do heterodidatismo).

Nesse caminho, desaprender a ensinar será tão importante quanto aprender a aprender, individual e coletivamente. Porque, no fim, não haverá ensinantes. Como buscadores e polinizadores, todos seremos aprendentes.

O educando-buscador será um educador. O educador-polinizador será um educando. E a educação não será nada disso que andam falando.

Não entendo nada de educação. É por isso que eu pude – juntamente com alguns amigos – entrar na aventura de escrever um livro sobre isso.

A experiência – que começou no final de abril - está ocorrendo em um grupo na Escola-de-Redes. O livro a ser escrito a várias mãos, teria como título e subtítulo:


BUSCADORES & POLINIZADORES

O auto-didatismo e a livre aprendizagem humana em uma sociedade inteligente & o alter-didatismo e as comunidades de aprendizagem na emergente sociedade em rede

O título e o subtítulo já explicam, em grande parte, o tema da obra.

É uma experiência inédita. Já usei blogs para escrever livros, mas nunca uma plataforma interativa de netweaving, como o Ning.

Há muito pretendia escrever mesmo sobre isso, na linha de um texto que publiquei na Carta Rede Social 172 , na Escola-de-Redes e na Rede Vivo Educação: Autodidatismo: a livre aprendizagem humana em uma sociedade inteligente (as versões são um pouco diferentes). É para onde meu trabalho atual está me levando, sobretudo a experiência com a Rede Vivo Educação (Instituto Vivo) e com os Arranjos Educativos Locais (SESI PR).

Estamos procurando, mas ainda não encontramos uma boa metodologia para fazer esse trabalho colaborativo. A idéia inicial foi a de usar um hipertexto que seria publicado em partes. Uma Introdução e alguns capítulos (mas ainda não sabemos quais ou quantos serão). Cada pessoa que quisesse co-escrever poderia fazer um link (sublinhando alguma palavra ou expressão) e desenvolvê-lo como sub-capítulo (ou episódio: ἐπεισόδιον, he he).

Um co-escritor (ou co-escritora) também poderia propor um novo capítulo. A Introdução e os Capítulos seriam publicados em Fóruns de Discussão separados (um para cada).

Todavia, cada sub-capítulo seria publicado no campo reservado aos comentários. Quando não coubesse, seria carregado como arquivo (no mesmo campo de comentários).

Publicariamos o livro, em edição digital – entregue, portanto, ao Domínio Público – e também em papel, em uma edição da Escola-de-Redes ou, de preferência, em co-edição com alguma editora que tenha esquema de distribuição.

Eis um primeiro draft do texto básico:


Capítulo 1 | O educando-buscador será um educador

O autodidatismo e a livre aprendizagem humana em uma sociedade inteligente

Na transição da sociedade hierárquica para a sociedade em rede estamos condenados a nos tornar buscadores cada vez mais autônomos.

É assim que transitaremos do heterodidatismo para o autodidatismo: quando pudermos dizer: “eu busco o conhecimento que me interessa do meu próprio jeito”.

A escola que já se prefigura no final desse trajeto é uma não-escola. A escola é a rede. Nela, todos seremos autodidatas. Um autodidata é alguém que aprendeu a aprender.

Aprender a aprender é a condição fundamental para a livre aprendizagem humana em uma sociedade inteligente. É ensejar oportunidades aos educandos de se tornarem educadores de si mesmos (aprendendo a andar com as próprias pernas ao se libertarem das muletas do heterodidatismo).

O educando-buscador será um educador não-ensinante. Porque será um aprendente.

Na sociedade que está vindo, todos seremos autodidatas. Uma criança, ou mesmo uma pessoa adulta ou idosa, navegando, lendo e publicando na web, é, fundamentalmente, um autodidata.

Todo aprendizado depende da capacidade de estabelecer conexões e reconhecer padrões. Cada vez mais será cada vez menos necessário que alguém ensine isso. Quando as possibilidades de conexão aumentam, também aumentam as possibilidades de reconhecer padrões (porque aumenta a freqüência com que, conhecendo uma diversidade cada vez maior de padrões, nos deparamos com homologias entre eles); quer dizer que, a partir de certo grau de conectividade, o heterodidatismo não será necessário.

Nos dias de hoje, uma criança com acesso à Internet em casa e noções rudimentares de um ou dois idiomas falados por grandes contingentes populacionais (como o inglês ou o espanhol, por exemplo), já é capaz de aprender muito mais – e com mais velocidade – do que um jovem com o dobro da sua idade que, há dez anos, estivesse matriculado em uma instituição de ensino altamente conceituada. Se souber ler (e interpretar o que leu), escrever, aplicar conhecimentos básicos de lógica e matemática na solução de problemas cotidianos e… banda larga, qualquer um vai sozinho. Ora, isso é terrível para os que querem adestrar as pessoas com o propósito de fazê-las executar certos papéis predeterminados. Isso é um horror para os que querem formar o caráter dos outros e inculcar seus valores nos filhos alheios.

Colecionadores de diplomas e títulos acadêmicos não terão muitas vantagens em uma sociedade inteligente. Suas vantagens provêem da idéia de que a sociedade é burra (e eles, portanto – que compõem a burocracia sacerdotal do conhecimento – são os inteligentes). Para se destacar dos demais – quando o desejável seria que se aproximassem deles – os “sábios” precisam que a sociedade continue burra.

Em uma sociedade conectada, quem organiza o conhecimento é a busca. Mas os caras ainda insistem em querer organizar o conhecimento para você (isto é o hetero-didatismo).

Toda organização do conhecimento para os outros corresponde a necessidades de alguma instituição hierárquica e está sintonizada com seus mecanismos de comando-e-controle. Toda organização do conhecimento de cima para baixo procura controlar e direcionar o acesso à informação por algum meio.

Os organizadores do conhecimento para os outros ainda entendem conhecimento como “informação interpretada”. Interpretada, é claro, do ponto de vista de seus possíveis impactos sobre a estrutura e a dinâmica das organizações hierárquicas de que fazem parte. Pretendem, assim, induzir a reprodução de comportamentos adequados à reprodução da estrutura e da dinâmica dessas organizações hierárquicas.

Por meio da urdidura de sistemas de gestão do conhecimento – desde os velhos currículos escolares aos modernos knowledge management systems, por exemplo – querem codificar, disseminar e direcionar a apropriação de conhecimentos para formar agentes de manutenção e reprodução de determinado padrão organizacional.

Mas já vivemos em um momento em que não se pode mais trancar o conhecimento – esse bem intangível que, se for aprisionado (estocado, protegido, separado), decresce e perde valor e, inversamente, se for compartilhado (submetido à polinização ou à fertilização cruzada com outros conhecimentos) cresce, gera novos conhecimentos e aumenta de valor (e é isso, precisamente, o que se chama de inovação). E estamos nos aproximando velozmente de uma época em que será cada vez menos necessária uma infra-estrutura hard instalada para produzir conhecimento (e inclusive outros produtos tangíveis, como estão mostrando as experiências nascentes de peer production ou crowdsourcing).

Novos ambientes interativos surgidos com a Internet já estão mostrando também a improdutividade (ou a inutilidade mesmo) de classificar o conhecimento a partir de esquema classificatório construído de antemão. Por exemplo, nos primeiros tempos do Gmail havia a recomendação: não classifique, busque! Hoje continua lá, literalmente: “O foco do Google é a pesquisa, e o Gmail não é exceção: você não precisa perder tempo classificando seu e-mail, apenas procure uma mensagem quando precisar e a encontraremos para você”.

Em uma sociedade cada vez mais em rede, onde as pessoas conectadas têm múltiplos caminhos para acessar o conhecimento que lhes interessa, quem organiza o conhecimento é a busca. É o perfil da busca – bottom up – que vai dizer qual o conhecimento que é relevante e não a decisão de um centro de comando-e-controle que queira dizer às pessoas – top down – o que elas devem conhecer.

Todos esses esforços por manter padrões verticais de um tipo de sociedade que já está fenecendo vão ser implacavelmente punidos pelas estruturas e pelas dinâmicas horizontais emergentes da nova sociedade que está florescendo. Dentro em breve, toda a gestão de organizações (inclusive a gestão do conhecimento) será regulada por meio de outros processos em rede. Só para dar um exemplo, em 10 minutos de funcionamento, o Twitter Tracker é capaz de fornecer – dependendo do tema – mais notícias inovadoras sobre determinado assunto do que os esforços de organização de uma equipe especializada, dedicada a essa tarefa durante uma semana.

O autodidata é um buscador. Mas quem busca é a pessoa. A pessoa é o indivíduo conectado e que, portanto, não se constitui apenas como um íon social vagando em um meio gelatinoso e exibindo orgulhosamente suas características distintivas e sim também como um entroncamento de fluxos, uma identidade que se forma a partir da interação com outros indivíduos. A pessoa como continuum de experiências intransferíveis e, ao mesmo tempo, como série de relacionamentos, aprende por estar imersa (conectada) em um ambiente educativo.


Capítulo 2 | O educador-polinizador será um educando

O alterdidatismo e as comunidades de aprendizagem na emergente sociedade em rede

Na transição da sociedade hierárquica para a sociedade em rede estamos condenados a nos tornar polinizadores cada vez mais interdependentes.

É assim que transitaremos do heterodidatismo para o alterdidatismo: quando pudermos dizer: “eu guardo o meu conhecimento nos meus amigos”.

A escola que já se prefigura no final desse trajeto é uma não-escola. A escola é a rede. Nela, todos seremos alterdidatas. Um alterdidata é alguém que aprendeu a conviver com o meio natural e com o meio social em que vive.

Aprender a conviver com o meio natural e com o meio social é ensejar oportunidades aos educadores de se tornaram educandos da interação comunitária na nova sociedade em rede (desaprendendo ensinagem ao se libertarem das muletas do heterodidatismo).

O educador-polinizador será alguém que desaprendeu a ensinar. Porque será um aprendente.


Capítulo 3 | E a educação não será nada disso que andam falando

Seremos todos aprendentes

Na transição da sociedade hierárquica para a sociedade em rede, a educação não será nada disso que andam falando.

A escola que já se prefigura no final desse trajeto é uma não-escola. A escola é a rede. Nela, todos seremos autodidatas e alterdidatas: quando pudermos dizer: “nós produzimos nosso conhecimento comunitariamente” (em rede). Um autodidata-alterdidata é alguém que aprendeu a aprender-convivendo.

Como buscadores e polinizadores, não seremos ensinados nem ensinadores. Porque todos seremos aprendentes.

Sociedades em que as redes são as escolas serão sociedades desescolarizadas, como queria o visionário Ivan Illich.

A sociedade sem escola de Illich poderia ser renomeada como a sociedade-escola, desde que fique claro que se trata da sociedade-rede; ou seja, estamos falando da cidade educadora, ou, mais precisamente ainda, das comunidades educadoras que se formam na sociedade-rede.

Nesse sentido, não são os aparatos educativos hierárquicos, enquistadas dentro da sociedade, que educam basicamente: na medida em que a sociedade de massa vai dando lugar à sociedade em rede, é a própria sociedade (local, no sentido ampliado) que educa, por meio das comunidades (clusters) que necessariamente se formam em seu seio.

Comunidades educadoras são, antes de qualquer coisa, comunidades de aprendizagem, quer dizer, comunidades-que-aprendem.

Bem, por enquanto e isso. Vários conceitos apenas mencionados acima já estão gerando uma espécie de glossário. Talvez seja assim que o livro poderá ser escrito a várias mãos.

Se você se interessou pelo assunto pode dar uma espiada clicando no link abaixo:

http://escoladeredes.ning.com/group/buscadorespolinizadores

Até a ‘Carta Rede Social 192’ e um abraço do

Augusto de Franco
augusto@augustodefranco.com.br

05 de junho de 2009.

http://escoladeredes.ning.com


FONTE : http://augustodefranco.locaweb.com.br/cartas_comments.php?id=328_0_2_0_C

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