Luzia Marta Bellini*
Adriano Rodrigues Ruiz**
O autoritarismo revela, no fundo,
um profundo medo de correr risco.
Paulo Freire
Adriano Rodrigues Ruiz**
O autoritarismo revela, no fundo,
um profundo medo de correr risco.
Paulo Freire
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Introdução.
Introdução.
Falar em autoritarismo na educação é falar de um construto que tem muitas faces, raízes bem nutridas e profundas. Expressa-se de diferentes formas e encontra alimento em várias fontes. Neste trabalho colocaremos sob nossos olhares uma manifestação de autoritarismo nem sempre identificada: “a cultura do caderno”.
Estamos chamando de “cultura do caderno” o contexto de ação intelectual vivenciado quando professores, explicita ou tacitamente, estimulam seus alunos no sentido de tomarem as anotações de aula como material fundamental de estudo. Trilhando esse caminho abandonam-se obras fundamentais e, com isso, a possibilidade da reflexão sobre possíveis contradições, a complexidade própria das relações, a diversidade de leituras, o empenho na compreensão de teorias... Esse procedimento nos lembra Paulo Freire falando que “O autoritarismo revela, no fundo, um profundo medo de correr risco”.
Essa forma de autoritarismo, deliberadamente ou não, desloca professores e alunos para a prática daquilo que Morin identifica como sendo a “economia de pensamento”:
- o aluno ao prender-se à cultura do caderno abandona a possibilidade de questionar as verdades do professor, perde a oportunidade de descobrir que os fatos comportam múltiplas leituras e que a do professor é apenas uma delas,... Contudo, ganha a segurança de situar-se num contexto intelectual amplamente previsível e seguramente delimitado.
- o professor pode retirar suas verdades de manuais que “simplificam” obras fundamentais; eximindo-se, assim, do esforço intelectual da pesquisa, da leitura, da formulação e reformulação de conceitos. Ao delimitar o universo intelectual às suas verdades o professor evita o risco de perguntas não previstas, de ter suas leituras confrontadas com outras etc. Ingressa, assim, em um mundo marcado pela mediocridade e pelo conformismo intelectual.
Entendemos que essa forma de autoritarismo, estreitamente ligada à fuga do esforço intelectual, consolida relações intelectuais que privilegiam a heteronomia e tacitamente abençoam aquilo que podemos chamar de “pacto da mediocridade” ou espaço em que se apequenam professor e aluno. O pacto da mediocridade é tecido por uma ética da conivência e do silêncio.
Se sou diferente de ti, longe de te lesar, te aumento.
Antoine de Saint-Exupéry
Antoine de Saint-Exupéry
O autoritarismo tem uma presença muito marcante na educação. Mas, ele não aparece senão como uma espécie de “pílula dourada” que os alunos inconscientemente vão engolindo no decorrer de suas (de)formações intelectuais. Vejamos algumas faces do autoritarismo:
A ausência de livros: uma face da opressão.
Ih! Professor! Tem que comprar o livro?[1]
O espaço da biblioteca na UEM cedeu a outro espaço: o dos locais das máquinas de xerox. Cada vez mais alunos lêem aos pedaços, são fragmentos de capítulos ou páginas pulverizadas em letras que desconhecem capa e outros capítulos. Ano a ano, gerações a gerações dispensam os livros na mesma proporção que xerografam jornais, textos e páginas de livros...
Preguiça, comodismo (de)formam alunos não leitores. Afinal, é mais fácil consumir letras do que debater idéias. Os professores recomendam pilhas de cópias de textos, diminuindo o apetite por livros, idéias, reflexões, pela imaginação. Na verdade, esse amontoado de xerografias pilham a vida intelectual dos estudiosos.
Albert Jacquard (1998, p. 159) geneticista e pedagogo francês, coloca que “quanto maior for nossa necessidade de agir, maior deverá ser nosso esforço para refletir. Quanto maior for nossa tentação pelo conforto da meditação, maior deverá ser nosso empenho em nos lançarmos na ação.”
Se seguimos Jacquard, ao negarmos aos nossos alunos a reflexão dos livros negamos-lhes, também, a orientação para agir, para pensar e realizar projetos de vida. Como já dissemos criamos a “economia de pensamento”. Sentimo-nos seguros dentro de alguns parágrafos. Para quê cair no mar das idéias dos livros? Para quê ler mais se na cultura escolar pode se ler menos?
A cultura do caderno: uma face do autoritarismo.
Psicologia é a ciência que estuda alma.[2]
Que limitações essa cultura impõe aos alunos? De que riscos o professor está se protegendo quando imerso na “cultura do caderno”?
A “cultura do caderno” impõe aos alunos limitações muito severas. Ao trabalharem com fragmentos afastam-se da complexidade das teorias e submergem na memorização/repetição de frases nem sempre aceitáveis. Como exemplo disso vamos citar anotações que encontramos em cadernos da alunos - bem sucedidos - do curso de pedagogia da Universidade Estadual de Maringá:
“Para Piaget o indivíduo já nasce com algumas estruturas e que amadurecem seguindo quatro estágios”.
Falando do período operacional concreto, segundo Piaget: “A criança neste estágio não consegue trabalhar com enunciados verbais, as ações das crianças estão presas a realidade concreta”.
O assunto era estruturação espacial: “A criança com uma boa imagem corporal percebe a posição que os objetos ocupam usando como referência o seu corpo.” “Tudo que existe no espaço, existe e se localiza em função do próprio corpo”.
Referindo-se aos conceitos piagetianos de assimilação e acomodação: “Assimilação: uso de esquemas velhos para explicar novos. Acomodação: mudanças desses esquemas diferenciando com características próprias (exemplo: atribui o som miau para animais de 4 patas, depois com auxílio intermediário troca essa informação por som correto)”
Falando do equilibração, na perspectiva piagetiana: “Quando me encontro com algo que desconheço há um desequilíbrio, busco informação assimilo e acomodo o conhecimento houve um progresso e volta o equilíbrio novamente.”
“Quando o homem consegue estabelecer relações lógicas, esta ‘pronto’ para a construção do conhecimento matemático”.
Falando de operação, no sentido piagetiano do termo “Operação á a forma de rotina mental cuja característica principal é a reversibilidade.”
Discutindo testes de inteligência “A inteligência é aquilo que os testes medem, e os testes só medem aquela inteligência que é reforçada culturalmente”.
Uma educação que privilegia a “cultura do caderno” é compatível com a que Paulo Freire chama de verbosa. Freire (1992, p.101) afirma:
Quase sempre, ao se criticar esse gosto pela palavra oca, da verbosidade, em educação, se diz dela que seu pecado é ser “teórica”. Identifica-se assim, absurdamente, teoria como verbalismo. De teoria, na verdade precisamos nós. De teoria que implica numa inserção na realidade, num contato analítico com o existente, para comprová-lo, para vivê-lo e vivê-lo plenamente, praticamente. (...) Nossa educação não é teórica porque lhe falta esse gosto da comprovação, da invenção, da pesquisa. Ela é verbosa.
O aluno que aceita o convite para ingressar na “cultura do caderno” se distancia da possibilidade do trabalho teórico, da investigação, do amor ao conhecimento, da autonomia intelectual. Assume, assim, o papel do obediente repetidor de frases. Como “prêmio” para o comportamento obediente não precisa refletir sobre a conexão entre as frases, sobre a complexidade das teorias, acerca das contradições entre teorias afins,... Em poucas páginas de um caderno o aluno registra aquilo que se configura como agradável aos olhos e ouvidos do professor. Nas folhas do caderno não são registrados conhecimentos. Está, isto sim, delineado o caminho para o êxito do aluno nas provas.
O professor, que assim age, ingressa em um universo que abre amplas perspectivas para aquilo que Edgar Morin chama de parasitismo mental. Passa a transitar por um campo de fragmentos de teorias, de dogmas, de simplificações, de descompromisso com o conhecimento: é o mundo das verdades do professor. Isso permite, por exemplo, o professor de psicologia dar aulas sobre a Psicologia Genética sem nunca haver lido uma obra de Jean Piaget. Permite, também, passar longos anos proclamando as mesmas “verdades”, fazendo as mesmas avaliações, anunciando sua irrestrita obediência aos programas estabelecidos.
Que compromissos tem esse professor?
Algumas conclusões.
Entendemos que essa forma de autoritarismo é uma das mais sórdidas e menos denunciadas entre as que povoam o espaço universitário. Por ser silenciosa, silenciadora e indolor em sua ação destrutiva; confunde-se com objetividade, economia de economia de tempo, competência didática etc.
Referência Bibliográficas.
Freire, Paulo. A educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992-a.
Morin, Edgar.
** Professor do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá.
[1] Aluno do 3º ano de graduação.
[2] Definição de Psicologia encontrada no caderno de uma acadêmica de Pedagogia da UEM.
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