quinta-feira, 16 de abril de 2009

Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meirelles

VEJA EM :
http://sarauxyz.blogspot.com/2009/04/tiradentes-o-revolucionario.html

LUNGARETTI POSTOU NO LINK ACIMA:

Tema de "Os Inconfidentes"

Cecília Meireles/Chico Buarque


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ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA

Análise da obra


Apesar de ser essencialmente lírica, subjetiva e pessoal, Cecília Meireles não deixou de realizar a chamada poesia social.E mesmo neste campo, o poeta afirmou sua subjetividade ao fato histórico. Foi no movimento da Inconfidência Mineira, com suas lendas, tradições, sua atmosfera de almas penadas, de bruxas, de enforcados, de suicidas, que sua sensibilidade buscou o social. Esta busca do social afinou ainda mais o seu instrumento lingüístico. De fato o Romanceiro da Inconfidência é a combinação de sensibilidade poética, domínio absoluto da linguagem, erudição e pesquisa histórica. Antes de tudo, o que se destaca nesse livro é a sua rigorosa unidade. O Romanceiro desenha-se como uma obra que tem cabeça, tronco e membros, e que leva a cabo um assunto difícil. De fato, Cecília Meireles não faz poesia-manifesto nem de programação política. A visão histórica e social não influenciou sua expressão poética. Ao contrário, o mito e a dimensão histórica surgem da riqueza poética.

Para isso, Cecília Meireles remonta às origens da língua portuguesa, mostrando extrema consciência do clássico e do moderno, retirando do particular o sentido universal, projetando o passado para o futuro.

Publicado em 1953, depois de infinitas pesquisas históricas e técnicas, dissolveu-se a crítica que considerava Cecília Meireles um poeta alienado da realidade brasileira, o Romanceiro mostra-se arraigado à tradição nacional.

Antes de mais nada, convém advertir que o Romanceiro é uma coletânea de romances (composto por oitenta e cinco romances). O romance é entendido, nessa obra, como uma forma poética medieval, constituindo um poema épico-lírico. Um fio narrativo passa através dos vários romances que compõem o Romanceiro, sem que a ação se sobreponha à reflexão. Alguns cortes possibilitam a mudança de ambientes ou de figuras, ou permitem ao narrador anunciar ao leitor uma nova situação dramática. Podemos dividir o Romanceiro em cinco partes:

1. A descrição do ambiente em que vai ocorrer a ação

Caracterização do minerador, seu papel social e histórico, suas figuras humanas e sociais, suas crenças e expectativas. Elementos ligados à tradição lendária (o caçador que se embrenha na mata, o caso da donzela assassinada pelo próprio pai, o cantar do negro nas matas, a que se podem associar os romances Do Chico-Rei e o De Vira-e-Sai) ou à tradição histórica (a troca dos "quintos", o fim de Ouro Podre, o requesto promovido pelo ouvidor Bacelar, a provocante história de Chica da Silva, amante de João Fernandes, a cobiça do conde de Valadares, que desgraçou a ambos, o adensar-se da ambição de posse e das idéias de libertação, mais pronunciado nos três últimos romances desta primeira parte. De qualquer forma, toda esta primeira parte está governada por um princípio de reorganização lendária e folclórica da realidade histórica, com intensa participação da atmosfera de estribilho popular (dialogismo, provérbios, exclamações) e sugestão de coral trágico a que já fizemos referência.

2. O desenvolvimento da trama e a descoberta dos planos.

Na segunda parte, aparecem, além do cenário, o desenvolvimento da conspiração, o seu fracasso e o prenúncio das desgraças que se abaterão sobre os inconfidentes. A figura principal da segunda parte é o Alferes, em tomo do qual vários motivos poéticos imprimem-lhe um aspecto lendário: a fala dos tropeiros, os presságios do cigano, os boatos, as palavras levianas que o levam à prisão.

Começa propriamente a articulação do movimento rebelde contra a opressão lusitana:
Atrás de portas fechadas, à luz de velas acesas, uns sugerem, uns recusam, uns ouvem, uns aconselham. Se a derrama for lançada, há levante com certeza. Corre-se por essas ruas? Corta-se alguma cabeça? Do cimo de alguma escada, profere-se alguma arenga? Que bandeira se desdobra? Com que figura ou legenda? Coisas da maçonaria, do Paganismo ou da Igrefa? A Santíssima Trindade? Um gênio a quebrar algemas? (Romance XXIV ou Da Bandeira da Inconfidência.)

O clima de terror começa com a chegada de uma carta misteriosa e ameaçadora:

Veio uma carta de longe.

O que dizia não sei.

Há calúnias, há suspeitas...

(Vede as lanelas fechadas!

Confabulam! Querem Rei!)

(Romance XXV ou Do Aviso Anônimo.)

Não obstante, toma vulto a agitação preparatória do movimento, a fermentação das idéias liberais, a atividade incansável de Tiradentes, a carta-denúncia de Joaquim Silvério, e a repressão do governo central, com a prisão dos principais envolvidos. Poetização da figura de Tiradentes (a fala dos velhos, a ironia dos tropeiros, a predição do cigano, o mistério dos seguidores encapuzados, as testemunhas, os delatores — estes últimos são especialmente focalizados pela indignação do poeta).

3. A morte de Cláudio Manuel da Costa e de Tiradentes.

As circunstâncias misteriosas em que se deu a morte de Cláudio Manuel da Costa servem de substância para a divagação de Cecília Meireles. A morte de Tiradentes, por sua vez, é antecipada nas palavras do carcereiro. Focaliza-se também a Tomás Antonio Gonzaga, suas angústias e expectativas de prisioneiro, seus sonhos, suas fracassadas tentativas de se libertar por meios judiciários. Essa parte culmina com o momento verdadeiramente trágico de Tiradentes: seus passos de condenado rumando à forca, a indiferença ou o contentamento de uma parte da população, etc.

4. O destino de Tomás António Gonzaga e Alvarenga Peixoto.

Esta parte se abre com um panorama do ambiente em que Gonzaga vivera e se tornara magistrado e poeta de prestígio. Depois, vem caindo sobre ele a ironia trágica, representada nas murmurações e desconfianças, na precipitação do desterro (degredo para África), e, portanto, na perda daquela Manha bela que ele cantara como Dirceu apaixonado. Há também uma oposição amarga entre o retrato de Manha e o de Juliana de Mascarenhas (esta última conquistará o coração do poeta, já em seu desterro de Moçambique). Há o inconformismo de Marília, que ficará solteira até o final de sua vida. Há também um verdadeiro ciclo da vida do poeta Alvarenga Peixoto. Sua mulher, Bárbara Eliodora, é focalizada em grande momento lírico de Cecília Meireles. Há também a bela filha de Alvarenga, Maria Ifigênia ("a princesa do Brasil"), que vem a morrer. A imagem final é a da octogenária Marília, indo a caminho da paróquia de Antonio Dias.

5. A presença, no Brasil, da rainha D. Maria, responsável pela confirmação das penas dos inconfidentes.

A quinta parte representa um plano temporal diferente. É o fechamento do Romanceiro da Inconfidência, com alguns poemas de lamento e dramaticidade, reflexão dolorida sobre o conjunto da tragédia mineira. Esta parte é curta e peremptória. Aparece D. Maria I, que 20 anos antes decretara as sentenças de morte e degredo, agora louca, contemplando a terra onde se desenvolveu o drama de soldados, poetas e doutores, seus remorsos e sua morte. O Romanceiro termina com o testamento de Marília, que afasta, no tempo, a perspectiva dramática, com a solene Fala aos Inconfidentes Mortos:

Grosso cascalho da humana vida... Negros orgulhos, ingênua audácia, e fingimentos e covardias (e covardias!) vão dando voltas no imenso tempo,

— à água implacável do tempo imenso, rodando soltos, com sua rude miséria exposta, Parada noite, suspensa em bruma:

não, não se avistam os fundos leitos... Mas no horizonte do que é memória da eternidade, referve o embate de antigas horas, de antigos fatos, de homens antigos.

E aqui ficamos
todos contritos,

a ouvir na névoa

o desconforme,

submerso curso

dessa torrente

do purgatório...

Quais os que tombam, em crimes exaustos, quais os que sobem, purificados?

Características da obra

a) A herança simbolista e o espiritualismo: um ar de mistério, de crença no imaterial, no extraterreno, perpassa todo o poema. O culto do etéreo, das palavras aéreas marca a ânsia de dar forma ao informe. Expressões como: atroz labirinto de esquecimento, mistério, esquema sobre-humano, silenciosas vertentes, inexplicáveis torrentes instauram um halo espiritualista de crença no imaterial.

b) A utilização da redondilha maior (verso heptassílabo), sem rimas externas regulares (versos brancos), e a exploração da camada sonora, através de aliterações e assonâncias, conferem à Fala Inicial um tom enfático, declaratório, reforçado pelas exclamações e interrogações.

c) O tom evocativo: o mergulho no passado, no atroz labirinto do tempo, nas ressonâncias incansáveis de Vila Rica revela a ânsia da procura de um significado para os fatos: Ó meio-dia confuso / ó vinte-e-um de abril sinistro, / que intrigas de ouro e de sonho / houve em tua formação? / Quem condena, julga e pune? Quem é culpado e inocente? É como se a poetisa, evocando Tiradentes na força, questionasse a casa do martírio. Foi a ambição do ouro? Foi o sonho de liberdade que iluminou aquela gente?

d) O tom inquiridor: o clima de mistério e ansiedade, as lacunas históricas incontornáveis e a busca de um sentido para os fatos projetam-se nas interrogativas que surgem a cada momento. Revelando o mistério que envolve até hoje o "embuçado" e a morte de Cláudio Manuel da Costa, o Romance XXXVIII é composto só de interrogações. O embuçado teria sido um mensageiro mascarado, disfarçado, que viera para tentar salvar Cláudio Manuel da Costa: Homem ou mulher? Quem soube? / Veio por si? Foi mandado? / A que horas foi? De que noite? / Visto ou sonhado?

e) A dualidade: reflete a ambivalência ou ambigüidade que caracterizam as ações do homem - herói e traidor, ódio e amor, punhal e flor, bons e maus, riqueza e miséria. Observe, na Fala Inicial: amores x ódios (v.4); intrigas de ouro e de sonho; (v.19); culpado x inocente (v.22); castigo x perdão (v.24), coroas x machados (v.31); mentira x verdade (v.32); ruínas x exaltação (v.43).

Ganham relevo as passagens que refletem a dualidade entre a justiça e a tirania, entre a liberdade e a opressão:

Em baixo e em cima da terra
o ouro um dia vai secar.
Toda vez que um justo grita,
um carrasco o vem calar.
Quem sabe não presta, fica vivo,
quem é bom, mandam matar. (Romance V)

Ai, terras negras d´África,
portos de desespero...
- quem parte, já vai cativo;
- quem chega, vem por desterro. (Romance LXVII)

FONTE : http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/r/romanceiro_da_inconfidencia.

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