Por Simone Muniz
Sócrates, Platão, Nietzsche, Hobbes. Quem tem desses nomes apenas uma remota lembrança, quem nunca teve a curiosidade de descobrir o significado de maiêutica ou nem pensa em discorrer sobre a impotência humana diante do destino, como bem ilustra Édipo Rei, de Sófocles, pode estar perdendo muito do que a filosofia pode dar: a cura dos males da alma.
A filosofia como um exercício de pensar leva ao auto-conhecimento, defende a coordenadora do curso de Filosofia da USP, Olgária Mattos. O contrário do pensamento é uma crise de imaginação que aprisiona as pessoas na busca de prazeres que nada acrescentam ao Ser e velam o real sentido da felicidade.
Quem não lembra do documentário "Janela da Alma", que traz uma abordagem filosófica da visão? Em uma das cenas, o cineasta Wim Wenders proclama que vemos e temos coisas demais e ele prefere selecionar e ver o mundo através da moldura de seus óculos, a enxergar tudo: "Sem esse enquadramento, a realidade me parece excessiva". Assim como o sentido da visão, o pensamento também é atrapalhado pela vontade de onipotência. Nesse contexto, a filosofia está para o pensamento como os óculos para a visão. "Uma correção do pensamento", diz a filósofa Olgária Mattos.
Na busca de felicidade pela civilização grega antiga, a filosofia estava entre os principais remédios. Ela curava o pensamento dos desequilíbrios entre os prazeres e os impulsos irrealizáveis do corpo e da mente. "Os gregos acreditavam que os desejos eram naturais, mas, quando desordenados, poderiam provocar doenças", diz Olgária.
Para detectar a falta de equilíbrio, eles sentiam, conversavam a respeito dos sentimentos e refletiam. "Sócrates dizia que a palavra é para a alma o que o remédio é para o corpo. É quase a mesma situação da psicanálise hoje", exemplifica Olgária. Portanto, na civilização grega antiga, a reflexão deveria acompanhar a maioria das ações. Na busca da prudência - o meio-termo entre a covardia e a temperança, entre a falta e o excesso de confiança - alcançariam a felicidade. "Quem age movido apenas pelos impulsos, como um tirano, um dominador, está prisioneiro do próprio ego e não é feliz", diz Olgária, ao explicar o modo de vida grego.
Olgária acredita que a diferença entre a filosofia grega clássica e a atual é que, na primeira, a reflexão não estava subordinada apenas ao horário das aulas. "A filosofia era um modo de vida. O pensar estava em toda a parte, em qualquer diálogo, nas amizades", explica. Sócrates, por exemplo, não impunha regras aos seus discípulos, mas defendia que o conhecimento primordial do homem deve ser o conhecimento de si mesmo.
O exercício da filosofia, no entanto, não é dos mais fáceis. "É preciso disposição, coisa que não se encontra muito fácil em nossa sociedade. Estamos voltados para o consumo, a rapidez e o prazer", acredita Olgária. E esquecemos de olhar no olho do outro. "Na civilização grega, ao olhar nos olhos do outro estaria olhando para dentro de mim mesmo", conta Olgária. Só conseguia laço afetivo e o amor, quem fosse capaz de compreender o outro como a si próprio.
Os valores, na sociedade grega clássica, eram outros. "Hoje, em meio à correria e à busca do prazer, valores como a compaixão estão definhando", opina Olgária. E, quando se percebe que não se pode realizar todos os desejos nem correr contra o tempo, a vida perde o sentido. "Vivemos uma crise de imaginação. As pessoas não mais se imaginam no lugar do outro nem conseguem encontrar a própria felicidade", diz. Nesse momento, aparece como a cura, integrada a outros aspectos da vida, o amor, a amizade, a compaixão e a filosofia, pois ela pode ajudar a imaginar outras formas de pensar. Cabe ao homem a árdua tarefa de reverter o que está posto.
Serviço
Para os iniciantes, uma pequena bibliografia recomendada pela professora Olgária Mattos:
Convite à filosofia
Marilena Chauí
Editora Ática
História da Filosofia - Vol. 1
Dos pré-socráticos até Aristóteles
Marilena Chauí -
Companhia das Letras
Filosofia - A Polifonia da Razão
Olgária Mattos
Editora Scipione
Coleção Logos
da Editora Moderna
Publicações dedicadas a explicar brevemente, de maneira didática, vida e obra de cada filosófo.
Documentário "Janela da Alma"
Diretor: Wim Wenders
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