“Me mandaron una carta
por el correo temprano,
en esa carta me dicen
que cayó preso mi hermano,
y sin compasión, con grillos,
por la calle lo arrastraron, sí.
“La carta dice el motivo
de haber prendido a Roberto
haber apoyado el paro
que ya se había resuelto.
Si acaso esto es un motivo
presa voy también, sargento, si.”
(“La Carta”, Violeta Parra)
por el correo temprano,
en esa carta me dicen
que cayó preso mi hermano,
y sin compasión, con grillos,
por la calle lo arrastraron, sí.
“La carta dice el motivo
de haber prendido a Roberto
haber apoyado el paro
que ya se había resuelto.
Si acaso esto es un motivo
presa voy también, sargento, si.”
(“La Carta”, Violeta Parra)
Se o governador de São Paulo fosse um companheiro de ideais, eu lhe escreveria uma carta aberta, sem o mínimo receio de que tão alta autoridade pudesse se lixar para um mero escriba virtual.
Tenho sempre na lembrança o magnífico exemplo de Salvador Allende: ao ser eleito presidente do Chile, afirmou aos militantes que, para eles, jamais seria Sua Excelência, mas sim o companheiro presidente.
Mudam os tempos, mudam os homens.
Hoje, o ex-presidente da União Nacional dos Estudantes não dá a mínima para os que continuam fiéis às bandeiras que o levaram ao exílio, quatro décadas atrás.
Em outubro do ano passado, enderecei-lhe uma carta para denunciar que a Rota, unidade truculenta da Polícia Militar paulista, continuava ufanando-se em seu espaço virtual de haver secundado as Forças Armadas em atentados contra a democracia cometidos no período 1964/85.
O José Serra da UNE certamente ficaria indignado com esses PMs que, em plena democracia, fazem questão de lembrar que ajudaram a depor um presidente legítimo e a esmagar os movimentos de resistência à tirania.
O José Serra do Poder considerou esse assunto tão irrelevante que a única resposta do seu governo acabou sendo a dada por um tenente à reportagem da Brasil de Fato, em janeiro, prometendo uma “limpeza geral” na página da Rota.
Foram palavras ao vento, pois a página permanece inalterada até hoje:
“Marcando, desde a sua criação, a história desta nação, este Batalhão teve seu efetivo presente em inúmeras operações militares, sempre com participação decisiva e influente, demonstrando a galhardia e lealdade de seus homens, podendo ser citadas, dentre outras, as seguintes campanhas de Guerra: (...) Revolução de 1964, quando participou da derrubada do então Presidente da República João Goulart, dando início à ditadura militar com o Presidente Castelo Branco; Campanha do Vale do Rio Ribeira do Iguape, em 1970, para sufocar a Guerrilha Rural instituída por Carlos Lamarca...”
CESARE BATTISTI É NEGADO DUAS VEZES - Também no Caso Cesare Battisti, verdadeiro divisor de águas entre os cidadãos com espírito de justiça e os reacionários mesmerizados pelas razões de estado, as reações foram as mais decepcionantes.
Primeiramente, a declaração de Serra quando o ministro Tarso Genro acabava de conceder o refúgio humanitário a Battisti, preferindo ficar contra o governo petista do que a favor da soberania nacional, atingida pelas ultrajantes pressões italianas: "Em princípio, não estou de acordo, pelos antecedentes que vi na imprensa. Não olhei os processos, mas me parece um exagero o asilo dado".
Depois foi o consentimento que, calando-se, deu a uma inaceitável declaração do seu secretário de Justiça Luiz Antonio Marrey, que melhor caberia na boca de alguma viúva da ditadura: "Foi absolutamente equivocada a decisão de dar refúgio político a um assassino condenado pela Justiça italiana".
Faço questão de repetir aqui o que escrevi quando o Governo Serra negou Battisti pela segunda vez, aproximando-se da marca célebre de Pedro:
“Se tudo que os estados afirmam sobre seus desafetos deve ser tomado como verdade absoluta, erraram a França e o Chile ao não entregarem o subversivo Serra para os torturadores brasileiros.
”E se a solidariedade entre os combatentes das causas justas virou letra morta, errou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que, com suas gestões desesperadas, salvou Serra da morte quando do pinochetazzo.”
"SUSPEITOS": IVAN SEIXAS E IVAN VALENTE - Face a esses precedentes, bem como à emblemática atitude de tratar os movimentos estudantis e sociais como caso de polícia, não nos deve surpreender que, reeditando as práticas da ditadura militar, o Governo Serra tenha instaurado inquérito para apurar responsabilidades pela manifestação realizada em 24 de agosto de 2008, diante da delegacia paulistana que, no período 1969/1976, abrigou a Operação Bandeirantes e seu sucessor, o DOI-Codi/SP.
Para quem não sabe, tratou-se de um dos mais nefandos centros de torturas do período totalitário, responsável pelo assassinato de 47 militantes da resistência à ditadura.
Dos 6.897 cidadãos que passaram por suas garras, a grande maioria sofreu as torturas de praxe (espancamentos, choques elétricos, pau-de-arara, afogamento, asfixia, etc.), acrescida de uma exclusividade do local: a cadeira-do-dragão, cujos assento e encostos para os braços e cabeça eram revestidos de metal, para aumentar a potência das descargas que a vítima, amarrada, recebia.
O episódio atual foi enfocado na edição de março/2009 da Revista Adusp ( http://www.adusp.org.br/revista/44/r44a02.pdf ), valendo a pena citar alguns trechos do excelente relato:
“Naquela tarde de domingo, cidadãs e cidadãos de todas as idades marcharam pela rua e depois fizeram pinturas no chão, para lembrar que durante a Ditadura militar funcionou ali a infame unidade militar que ficou conhecida como DOICODI do II Exército.
“Pois bem: desde o dia seguinte a passeata tornou-se objeto do inquérito policial 609/08, que corre no próprio 36º DP. Os manifestantes teriam danificado espaço público e infringido o artigo 65 da lei 9.605/1998, segundo o qual constitui crime sujeito a pena de até um ano de detenção ‘pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano’.
“Paulo Fávero, estudante de Artes Plásticas da USP, foi intimado a depor. ‘Os manifestantes pediam para que aquele lugar não continuasse sendo o 36º DP, mas sim um espaço da memória e da resistência’, explicou Fávero (...) ‘Os advogados tiveram acesso ao inquérito antes do meu depoimento e constava lá que eu era suspeito de mandante do ato e que sou representante da Liga Bolchevique Internacionalista (LBI), o que é uma mentira. Eu não sou membro da LBI, e não sei qual seria a relevância se eu fosse da LBI’...
“ (...) No inquérito também são citados Ivan Seixas; Darlan dos Reis, residente no Ceará, que não compareceu ao ato, mas divulgou-o em seu blogue; e o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), que durante o ato ofereceu testemunho como ex-preso político. O inquérito é instruído com diversas fotografias da manifestação.”
Não escondo que fui o primeiro a propor uma manifestação de protesto diante do DOI-Codi/SP, em 2004, quando quase nada se falava sobre as atrocidades do período ditatorial e o Fórum Permanente dos Presos Políticos de São Paulo tentava recolocar o assunto em evidência no noticiário. A confissão está no meu livro Náufrago da Utopia (Geração Editorial, 2005):
“...aproximando-se o 40º aniversário do golpe militar, sugiro uma iniciativa ousada para o Fórum conseguir, finalmente, espaço na imprensa: um ato público diante da delegacia em que funcionou a Oban, homenageando os companheiros torturados e mortos naquele órgão infame. O Tortura Nunca Mais certamente poderá fornecer a lista dos que foram ali assassinados, Vladimir Herzog e tantos outros. Isto teria impacto e dramaticidade suficientes para atrair muitos jornalistas.”
Não participei do ato de protesto realizado quatro anos depois porque um valor mais alto se alevantou: minha filhinha de quatro meses estava adoentada.
Mas, se até um blogueiro do Ceará está na alça de mira da polícia democrática do Serra, é justo que eu assuma minhas responsabilidades como instigador.
Sempre me sentirei honrado em estar ao lado dos Ivans Seixas e Valente, nas batalhas contra o autoritarismo redivivo.
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