terça-feira, 9 de novembro de 2010

TIRIRICA, A FICÇÃO AUTORIZADA

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Com a eleição do palhaço Tiririca para deputado federal por São Paulo, através do Partido da República – um dos partidos da base aliada do governo – tivemos a autorização de um fato esdrúxulo, que não foi detectado nem pelo TRE de São Paulo nem pelo TSE.

     Tampouco a oposição – que agora está pedindo a anulação da eleição de Tiririca pela probabilidade de ele ser analfabeto – percebeu que a falha é bem maior e não diz respeito à escolaridade do candidato eleito.

     Mesmo que o registro no TRE paulista tenha sido de Francisco Everardo de Oliveira, sob o número 2222, na verdade quem fez campanha não foi Francisco, mas a sua personagem, o palhaço Tiririca. E foi a personagem que as pessoas pensaram eleger, e não Francisco.

     Ou seja, durante a campanha eleitoral, houve uma substituição da pessoa que foi registrada – Francisco – pela personagem que ele assume na TV – o palhaço Tiririca – o que se constitui em propaganda enganosa. Ou ainda, como se outra pessoa, que não Francisco, tomasse o seu lugar para fazer a sua propaganda eleitoral.

     É como se, em épocas passadas, a pessoa Charles Chaplin desejasse ser candidato nos Estados Unidos, mas usando na sua campanha eleitoral a sua personagem Carlitos.

     Tiririca é uma ficção, portanto não pode ser eleito. As pessoas que votaram em Francisco Everardo de Oliveira, na verdade votaram na sua personagem – porque foi a personagem que fez a propaganda nos veículos de comunicação, e não Francisco.

     E as pessoas que votaram em Tiririca talvez não soubessem o nome real que estava por detrás da personagem. Votaram em Tiririca por diversas razões - por protesto, por galhofa ou até por acreditarem no que o palhaço dizia.

     E o palhaço Tiririca disse coisas de palhaço no horário eleitoral. Vejam algumas:

- "Oi gente, estou aqui para pedir seu voto porque eu quero ser deputado federal, para ajudar os mais 'necessitado', inclusive a minha família. Portanto meu número é 2222. Se vocês não votarem, eu vou morreeer!"

- "Oi, eu sou o Tiririca da televisão. Sou candidato a deputado federal. O que é que faz um deputado federal? Na realidade eu não sei, mas depois, eu te conto."

- "Você está cansado de quem trambica? Vote no Tiririca"

- "Para deputado federal, Tiririca. Vote no abestado"

- "Não sei o que faz um deputado federal. Depois eu lhe conto. Vou dar nomes a bois, sobrenomes a vacas e apelidos a bezerros. Para deputado, vote no abestado. Vote em Tiririca, pior do que tá não fica. Essa véia ainda dá um caldo."

     Nas frases acima, que foram utilizadas para a sua campanha eleitoral, claramente o candidato Francisco Everardo de Oliveira fez campanha utilizando-se da sua personagem e não da sua pessoa. Usou uma ficção para influenciar as pessoas a votarem nele, como se ele próprio fosse aquela ficção.

     Pior ainda. Vejam as frases seguintes:

- "Quando vocês apertarem na urna eleitoral, vai aparecer esse cara aqui, e esse cara aqui sou eu. Ô candidato lindo!"

- “Esse cara aqui sou eu”.

     Observem que a personagem Tiririca está dizendo que a pessoa que aparece na foto da urna, na hora de votar, é ele, a personagem. Uma completa distorção da verdade, porque a personagem não pode ser a pessoa. No máximo, a pessoa representa a personagem, mas somente isso.

     Ainda outro exemplo. É como se um desses artistas que fazem novela aceitasse ser candidato, mas usasse uma das suas personagens mais famosas para fazer propaganda eleitoral. E falasse em público que aquela personagem era ele. Propaganda enganosa.

     Se o Brasil tivesse um alto grau de educação e fosse realmente um país de primeiro mundo, esbanjando conhecimento e ciência, e o sistema eleitoral fosse inteiramente confiável e as pessoas tivessem consciência na hora de votar, a piada da ficção de Tiririca não passaria de uma piada e de uma ficção. E, é claro, Tiririca não seria eleito. Ainda mais: provavelmente haveria um TSE que impediria esse tipo de propaganda e uma OAB mais atenta.

     Mas o nosso é um pais de analfabetos e de semianalfabetos. Temos mais de 19 milhões de pessoas que não sabem ler ou escrever e mais de 57 milhões de pessoas que são consideradas analfabetos funcionais, porque apenas sabem ler e escrever. Pessoas que não tem capacidade de compreender a própria realidade. E que são facilmente manipuladas, principalmente pelos meios de comunicação social.

     Aceitam qualquer coisa que lhes digam. Engolem as informações diárias, que lhes passam através dos meios de comunicação, como se fossem verdades inquestionáveis. Não tem suficiente capacidade de raciocínio para filtrarem as informações e distinguirem a quem servem ou quais são os objetivos de serem divulgadas determinadas informações e outras não. Não sabem, sequer, que são manipuladas e usadas como experimentos neste imenso laboratório sociológico chamado Brasil.

     E não podemos sequer dividir por classes a ignorância e falta de capacidade crítica que inunda o Brasil. É claro que quanto mais pobre, mais ignorante, porque maiores são as dificuldades de adquirir estudo e conhecimento, quando a luta diária pela sobrevivência torna-se altamente prioritária. E pobreza e ignorância não são sinônimos de falta de inteligência, mas apenas de impossibilidade de desenvolvimento da inteligência.

     Também nas classes médias e as consideradas classes altas, que tem acesso ao ensino e à educação e maiores facilidades materiais, existe um grande contingente de pessoas com capacidade limitada de raciocínio e com ausência de senso crítico. É onde há maior preconceito. Principalmente preconceito em relação aos pobres, que são considerados como pessoas de última classe, que somente existem para serem usadas por aqueles que têm mais dinheiro.

     Por isso é tão fácil manipular o povo brasileiro.

     Tiririca recebeu quase um milhão e trezentos mil votos. Ele foi convidado pelo Partido da República não porque seja uma pessoa que possa contribuir para as melhorias sociais, devido à sua inteligência, atuando no Congresso Nacional. Foi convidado para concorrer a deputado federal, porque sabiam que ele seria facilmente eleito, porque é o espelho do próprio povo brasileiro, enquanto palhaço, e porque diz bordões engraçados para um povo que está se acostumando a não levar nada a sério.

     E o que estava por trás da candidatura de Tiririca era apenas a imoralidade de colocá-lo como “puxador de votos” para o inexpressivo Partido da República, mas que pertence à base governista. Na coligação Juntos Por São Paulo – formada por PT, PRB, PC do B, PT do B e PR – a alta votação de Tiririca abriu vagas para mais três deputados: Otoniel Lima (PRB), Vanderlei Siraque (PT) e o delegado Protógenes Queiroz (PC do B).

     A candidatura e a eleição de Tiririca nada mais foram do que uma jogada eleitoreira daquela coligação, que tinha à frente o PT. E este foi um entre tantos expedientes que o PT utilizou para se tornar um dos partidos mais fortes do Congresso Nacional.

     Primeiro fabrica-se a massa, depois ela é moldada. A massa é o povo brasileiro.

     Vejam o quanto este novo deputado federal sabe, em entrevista concedida à Folha/UOL, em 24/08/2010:

Folha - Por que você decidiu se candidatar?

Tiririca - Eu recebi o convite há um ano. Conversei com minha mãe, ela me aconselhou a entrar porque daria pra ajudar as pessoas mais necessitadas. Eu tô entrando de cabeça.

De quem veio o convite?

- Do PR.

Como foi?

- Por eu ser um cara popular, eles acreditaram muito, como eu também acredito, que tá certo, eu vou ser eleito.

Sabe o que o PR propõe, como se situa na política?

- Cara, com sinceridade, ainda não me liguei nisso aí, não. O meu foco é nessa coisa da candidatura, e de correr atrás. E caso vindo a ser eleito, aí a gente vai ver.

Quais são as suas principais propostas?

- Como eu sou cara que vem de baixo, e graças a Deus consegui espaço, eu tô trabalhando pelos nordestinos, pelas crianças e pelos desfavorecidos.

Mas tem algum projeto concreto que você queira levar para a Câmara?

- De cabeça, assim, não dá pra falar. Mas como tem uma equipe trabalhando por trás, a gente tem os projetos que tão elaborados, tá tudo beleza. Eu quero ajudar muito o lance dos nordestinos.

O que você poderia fazer pelos nordestinos?

- Acabar com a discriminação, que é muito grande. Eu sei que o lance da constituição civil, lei trabalhista... A gente tem uma porrada de coisa que... de cabeça assim é complicado pra te falar. Mas tá tudo no papel, e tá beleza. Tenho certeza de que vai dar certo.

Quem financia a sua campanha?

- Então... o partido entrou com essa ajuda aí... e eu achei legal.

Você tem ideia de quanto custa a campanha?

- Cara, não tá sendo barata.

Mas você não tem ideia?

- Não tenho ideia, não.

Na propaganda eleitoral você diz que não sabe o que faz um deputado. É verdade ou é piada?

- Como é o Tiririca, é uma piada, né, cara? 'Também não sei, mas vote em mim que eu vou dizer'. Tipo assim. Eu fiz mais na piada, mais no coisa... porque é esse lance mesmo do Tiririca.

Mas o Francisco sabe o que faz um deputado?

- Com certeza, bicho. Entrei nessa, estudei para esse lance, conversei muito com a minha mãe. Eu sei que elabora as leis e faz vários projetos acontecer, né?

O que você conhece sobre a atividade de deputado?

- Pra te falar a verdade, não conheço nada. Mas tando lá vou passar a conhecer.

Até agora você não sabe nada sobre a Câmara?

- Não, nada.

Quem são os seus assessores?

- Nós estamos com, com, com.... a Daniele.... Daniela. Ela faz parte da assessoria, junto com.... Maionese, né? Carla... É uma equipe grande pra caramba.

Mas quem te assessora na parte legislativa?

- É pessoal do Manieri.

Quem é o Manieri?

- É... A, a, a.... a Dani é que pode te explicar direitinho. Ela que trabalha com ele. Pode te explicar o que é.

Por que seu slogan é 'pior que tá, não fica'?

- Eu acho que pior que tá, não vai ficar. Não tem condições. Vamos ver se, com os artistas entrando, vai dar uma mudança. Se Deus quiser, pra melhor.

Esse slogan é um deboche, uma piada?

- Não. É a realidade. Pior do que tá não fica.

Você pretende se vestir de Tiririca na Câmara?

- Não, de maneira alguma.

Quem é o seu espelho na política?

- Pra te falar a verdade, não tenho. Respeito muito o Lula pelo que ele fez pelo nosso país. Ele pegou o país arrasado e melhorou pra caramba.

Fora ele...

- Quem ele indicar, eu acredito muito. Vai continuar o trabalho que ele deixou aí.

Então você vota na Dilma.

- Com certeza. A gente vai apoiar a Dilma. Ele tá apoiando e a gente vai nessa.

Não teme ser tratado com deboche?

- Não, cara. Não temo nada disso. Tô entrando de cabeça, de coração. Tô querendo fazer alguma coisa. Mesmo porque eu sou bem resolvido na minha profissão. Tenho um contrato de quatro anos com a Record. Tenho minha vida feita, graças a Deus. Tem gente que não aceita, mas a rejeição é muito pouca.

Se for eleito, vai continuar na TV?

- Com certeza, é o meu trabalho. Vou conciliar os dois empregos.

Em quem votou para deputado na última eleição?

- Pra te falar a verdade, eu nunca votei. Sempre justifiquei meu voto.

(Folha/UOL) - 24/08/2010 - 03h00.

     No mínimo, triste.

     Logo após Tiririca ser eleito, a oposição entrou com pedido de impugnação de sua eleição e anulação dos seus votos. Alega-se que Tiririca é analfabeto. Ou melhor, que o cidadão Francisco Everardo de Oliveira, que usou a fantasia da personagem Tiririca para se eleger, é analfabeto. Duvido que aconteça essa impugnação. O Poder é o Poder; usa e manipula os seus órgãos.

     A palavra “persona”, que deu origem à palavra “personagem”, é uma palavra italiana derivada do Latim para um tipo de máscara feita para ressoar com a voz do ator (per sonare significa "soar através de"), permitindo que fosse bem ouvida pelos espectadores, bem como para dar ao ator a aparência que o papel exigia. Por sua vez, a palavra latina é derivada da palavra etrusca "phersu", com o mesmo significado, e seu significado no último período Romano alterado para indicar uma "personagem" de uma performance teatral.

     No caso de Francisco Everardo de Oliveira, ele usou a “máscara” do seu personagem Tiririca para se eleger deputado federal, incentivado e apoiado pelo PT e por sua coligação em São Paulo nas últimas eleições. Por seu lado, o PR, aliado do PT, usou a ingenuidade de Tiririca, que se prestou para usar a ingenuidade e ignorância do povo.

     Objetivo: manipular o povo brasileiro (mais uma vez) e conseguir votos suficientes para eleger um mínimo de quatro deputados federais por São Paulo.

     Através do bordão da campanha de Tiririca – “PIOR QUE TÁ NÃO VAI FICÁ” – a própria coligação liderada pelo PT admite que o governo petista é péssimo.

     Conforme eu escrevi acima, e repito: foi uma farsa grotesca, uma ilusão, uma propaganda enganosa, porque aqueles que votaram em Tiririca votaram em uma ficção. Ou, como diria Dilma Roussef, em um factóide.

     Nada será feito a respeito?

Fausto Brignol.

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