- Zé Distêves!
- Quié, Zé Maria?
- Você viu o jornal, hoje?
- Na Globo? Claro. Quem não vê, Zé Maria?
- E você não viu o horror lá no Haiti? Além do terremoto, agora tem a doença do cólera!
- Que coisa, né, Zé Maria? Até parece que aquele povo tá enmandigado! Vôte!
- E você não viu que o mundo tá virano, que caiu pedra lá no sul, tsunami lá na Ásia, onde também teve vulcão e tão preparano guerra pra atacá o tal de Irão?
- Eita! Que mundo loco!
- E você aí nessa rede, balançando o pitoco. Não se manca, não tem pena do povo que ta sofreno? Não percebe a relevância de tanta notícia peba?
- Percebo em primeira instância, meu cumpadre Zé Maria. E não to cego nem mouco, apenas descanso um pouco, que as costas tão melindradas e o corpo qué água de coco.
- Mas sempre assim, Zé Distêves? Descansano pra dormir e dormino pra descansá?
- É que não sou loco-doido de ficá a vida inteira trabaiando sem pará... Eu também tenho direito de feriá e de cismá.
- E inda que mal pergunte: quanta cisma sai da rede onde tu tá?
- E é você que me pergunta? Está querendo mangá? Penso no acontecido naquele jogo de lá. Isso sim é relevante! Isso sim é pra pensá!
- Mas que jogo, Zé Distêves? Não consigo acompanhá...
- Mas tu não viu o fuxico que quase vira pipôco? No jogo lá do Coríntia, o pênal lá no Ronaldo. Uns dizem que acertaro, outros que foi jogo roubado.
- Arre égua! É verdade! Quem manda bulir com o fenômo? Não pode, né Zé Distêves? Mas, pra mim, foi só encontrão. Corpo com corpo e mais nada, no mesmo espaço de chão.
- Mas eu acho que foi pênal. Até a Globo afirmou.
- É tudo arenga pequena. Olha só a gente pobre que não tem o que comer. Isso sim é que dá pena!
- Mas o Ronaldo, coitado, caiu de bruços, deitado.
- Será que não tava cansado?
- Não sei mais o que pensá... Por isso fico cismando... Já viu se o juiz não dá?
- E o mundo ia virá, meu cumpadre Zé Distêves? A fome ia acabá? A tristeza ia passá? O juiz ia pená? Isso é coisa que interesse pra quem não tem o que chegue? Pra quem tem fome e sede?
- Talvez sim e talvez não. Não lhe posso afirmá. Quanto aos famintos tem Deus e padim Ciço a ajudá.
- E ajuda, Zé Distêves? Já vi gente falecer a rezar e a chorar. E na hora mais amarga não vi Deus descer do Céu.
- Não seja réu de pecado, meu cumpadre Zé Maria! Deus é bom e sempre ajuda, mesmo quando não se vê!
- Talvez, Zé Distêves, talvez... O triste mesmo é a cegueira, esta cegueira que insiste em não deixar tu enxergar.
- Mas eu vejo, Zé Maria. Tanto vejo que garanto: foi pênal lá no Ronaldo. Pixototinho, mas foi.
- Meu cumpadre Zé Distêves, uma coisa eu te garanto: se foi ou não foi o tal pênal não é para grande espanto. Levanta e olha pros lados, além da rede e da casa... Desliga a TV e pensa se vale a pena esperar sem nada fazer ou dar da vida que lhe foi dada.
- Muito bonito o que diz, meu cumpadre Zé Maria. Mas me responda de vez: foi pênal ou não foi pênal?
Fausto Brignol.
Fausto Brignol.
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