Porque as molas mestras do capitalismo são a ganância, a busca do privilégio e da diferenciação, e o consumismo.
Ter cada vez mais posses e recursos materiais.
Competir zoologicamente com os semelhantes, no afã de se colocar em situação superior à deles.
Mitigar todas as suas insatisfações adquirindo e desfrutando coisas.
E se relacionando com os outros seres humanos como se eles fossem também coisas a serem desfrutadas; coisificando-os, enfim.
Com isto, nunca é preenchido por completo o vazio da irrealização, sempre falta algo e sempre o que falta é mais importante do que o já conquistado. O homem moderno é um Cidadão Kane que nunca encontra o rosebud.
Pois os seres humanos só se realizam plenamente na coexistência cooperativa, solidária, harmoniosa e amorosa com outros seres humanos.
O capitalismo é um sistema perverso, que se alimenta do desequilíbrio e da desarmonia.
Que não garante a todos o necessário para todos, embora meios haja para tanto.
Que gera sempre, como uma secreção, seu exército industrial de reserva, seus excluídos, seus miseráveis.
Eles são o resultado da mais-valia, que continua firme, forte e toda poderosa.
Apenas sofisticou-se, ocultando-se atrás dos hologramas projetados pela indústria cultural; o grande truque do diabo é fingir que não existe.
A mais valia continua dividindo a humanidade em exploradores e explorados.
Continua estabelecendo graduações entre os explorados, de forma que eles mirem apenas o degrau superior e não a sociedade sem graduações nem classes; que nunca vejam a floresta por trás das primeiras árvores.
O dado novo é que alguns dos que estavam bem embaixo perceberam a inutilidade de tentarem realizar seus sonhos consumistas subindo a escada, degrau por degrau.
Descobriram atalhos para passar ao lado dos degraus e chegar logo ao topo.
Ironia da História: o capitalismo passou à fase das corporações, da liderança compartilhada, tornando quase impossível que grandes empreendedores ergam impérios do nada (Bill Gates é uma exceção que confirma a regra), mas a criminalidade forneceu uma válvula de escape para tais indivíduos.
Pablo Escobar foi o Henry Ford dos novos tempos. E outros não conhecemos porque os néo-Escobares perceberam que não lhes convinha alardear seu poderio.
Mas, a brecha que existiu era provisória e começa a ser fechada: também nesta modalidade de negócios o capitalismo selvagem está sendo substituído por práticas criminosas mais eficientes, com melhor relação custo-benefício.
Vale reproduzir a ótima avaliação de Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública (2003) e ex-coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do RJ (1999/2000), no seu artigo A crise no Rio e o pastiche midiático:
Vale reproduzir a ótima avaliação de Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública (2003) e ex-coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do RJ (1999/2000), no seu artigo A crise no Rio e o pastiche midiático:
"O modelo do tráfico armado, sustentado em domínio territorial, é atrasado, pesado, anti-econômico: custa muito caro manter um exército, recrutar neófitos, armá-los (nada disso é necessário às milícias, posto que seus membros são policiais), mantê-los unidos e disciplinados, enfrentando revezes de todo tipo e ataques por todos os lados, vendo-se forçados a dividir ganhos com a banda podre da polícia (que atua nas milícias) e, eventualmente, com os líderes e aliados da facção.
"Quando o tráfico de drogas no modelo territorializado atinge seu ponto histórico de inflexão e começa, gradualmente, a bater em retirada, seus sócios – as bandas podres das polícias - prosseguem fortes, firmes, empreendedores, politicamente ambiciosos, economicamente vorazes, prontos a fixar as bandeiras milicianas de sua hegemonia.
"Discutindo a crise, a mídia reproduz o mito da polaridade polícia versus tráfico, perdendo o foco, ignorando o decisivo: como, quem, em que termos e por que meios se fará a reforma radical das polícias, no Rio, para que estas deixem de ser incubadoras de milícias, máfias, tráfico de armas e drogas, crime violento, brutalidade, corrupção?
"O modelo policial foi herdado da ditadura. Ele servia à defesa do Estado autoritário e era funcional ao contexto marcado pelo arbítrio. Não serve à defesa da cidadania. A estrutura organizacional de ambas as polícias [a civil e a PM] impede a gestão racional e a integração, tornando o controle impraticável e a avaliação, seguida por um monitoramento corretivo, inviável".
No fundo, os traficantes dos morros sempre foram complementares ao capitalismo e dele indissociáveis, fornecendo aquilo de que muitos explorados necessitam para continuar suportando sua existência insatisfatória.
Mas, o seu modelo de gestão caducou e outros empreendedores, que já eram seus sócios, estão prontos a substitui-los com mais discrição e eficiência empresarial: os policiais-bandidos.
Desesperados por perceberem que perdiam terreno dia a dia, partiram para um desafio insensato, atingindo um dos valores mais sagrados da classe média: o automóvel.
Foi o suficiente para desencadear uma bestial demonstração de força do Estado, com seu poder de fogo infinitamente superior.
Morreram muitos inocentes no fogo cruzado, o cidadão comum sofreu prejuízos e enfrentou transtornos, a indústria cultural faturou em cima das manchetes empolgantes, traficantes foram presos ou mortos -- e a única certeza é de que empresários mais aptos herdarão os negócios dos que estão sendo excluídos do mercado.
De quebra, a mentalidade policialesca ganha reforço e penetra mais fundo na cabeça dos videotas: a repressão é o que nos salva de termos nossos carros queimados!
E dá-lhe mais repressão, mais tropas de elite! A fascistização da sociedade vai avançando imperceptivelmente, naturalmente.
Antes, gatos escaldados por 1964, os mais sensatos queriam as Forças Armadas longe das questões sociais, defendendo apenas o Brasil dos seus inimigos externos.
Agora, já se aplaudem os blindados da Marinha subindo o morro.
Como tantos aplaudiram a defesa da tortura e das truculências policiais num filmeco repulsivo.
De toda essa tempestade de som e fúria, o que restará?
O Estado venceu, como era de se prever, a Batalha do Rio de Janeiro.
Que só não foi de Itararé porque houve mortos e feridos. Mas, não decidiu guerra nenhuma.
Decidiria se os traficantes vencessem. Mas, eles nunca venceriam. Nem aqui, nem na Colômbia que os pariu. Pelo contrário, para eles significou o canto do cisne.
O Estado não quer, verdadeiramente, acabar com o tráfico. Consentirá que, aos poucos, reassuma a antiga magnitude, sob nova direção e com outra metodologia operacional.
Só teremos solução real quando:
- identificarmos o capitalismo como o verdadeiro inimigo, oculto por trás dos espantalhos que ele, em cada instante, tenta fazer crer que sejam responsáveis por todos os males. Escobar, Castro, Bin-Laden, Saddam, Chávez, Ahmadenijad, há sempre um na berlinda, sem que nada melhore quando sai de cena, pois a indústria cultural imediatamente o substitui por outro, para que as ilusões e a alienação sejam mantidas;
- e, consequentemente, quando nos mobilizarmos para dar um fim ao capitalismo, antes que -- condenado pela História e cada vez mais devastador em sua agonia -- seja ele a nos levar juntos para a destruição, ao aniquilar as bases naturais que sustentam a vida humana no planeta.
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