sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A POSSIBILIDADE DO RESPIRAR


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Nós, os desaparecidos
Que não pedimos esmolas
Nem mendigamos o apenas viver
Ou a solicitude
Dos que se crêem visíveis
Que já esquecemos o que é macio
Ou o que é sabor ou o que é belo
Que nada desejamos
Ou somos
Que não estamos mais aqui
Embora suspeitem da nossa presença
Desconfiem
Da nossa arisca sombra
Ouçam
O nosso espaçado respirar
O nosso quase existir

Nós, os desiludidos
Que não acreditamos mais
Em promessas e utopias
Que não pertencemos a partidos
Pois já estamos partidos por dentro
E não queremos ouvir as suas vozes
Porque são surdas
Nem as suas palavras
Porque são equívocas
Que nos esquivamos das suas presenças
Que nos são mesquinhas
Longe do entremuros das suas casas gordas
E estéreis
Do seu diário esmagar de consciências
E preferimos o nosso pouco sol
Mesmo quando furtivo e escuso

Nós, os devorados
Por suas fomes descomunais
De espaço e poder
Rechaçados
Para os mais escuros e exíguos
Lugares
Aonde não chegaram ainda
Os seus olhares sádicos e insaciáveis
Sequiosos
Pela infatigável sede de domínio
Procuramos apenas
A possibilidade do respirar
Ainda que sôfrego e ruidoso
Ou abafado e contido
Quieto
Quase letárgico
Mas ainda respirar

Nós, os que não sonhamos mais
Que não dormimos nem acordamos
Que não sofremos nem sentimos prazer
Nem tememos a morte
Pois já esquecemos da vida
Que apenas espreitamos
A nossa quase perfeita
Invisível
Solidão.

Fausto Brignol.

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