sábado, 28 de fevereiro de 2009

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2009 (465)

Brasil define nomes para a Bienal de Veneza (Amiga Rosane Chonchol envia)

FABIO CYPRIANO

Dois artistas de fora do eixo Rio-São Paulo foram os escolhidos pelo curador Ivo Mesquita para representar o Brasil na Bienal de Veneza, programada para ser aberta ao público no dia 7 de junho: o fotógrafo paraense Luiz Braga e o pintor alagoano Delson Uchôa. Mesquita, curador da polêmica 28ª Bienal de São Paulo, encerrada em dezembro, confirmou, ontem, à Folha, sua seleção.

A galeria Oeste, que representava Braga, fechou as portas no mês passado. "Estamos brilhando na razão inversa do mercado", comentou ele, por telefone, do Rio de Janeiro. Já Uchôa é representado pela antiga Brito Cimino, que passa a se chamar Luciana Brito.

Luiz Braga/Divulgação
Foto "Babá Patchouli", trabalho de 1989 do paraense Luiz Braga, representante da Geração 80 e um dos escolhidos para bienal
Foto "Babá Patchouli", trabalho de 1989 do paraense Luiz Braga, representante da Geração 80 e um dos escolhidos para bienal

Presença no circuito

Ambos são da mesma geração, nascidos em 1956, e são artistas com presença no circuito institucional.

Uchôa participou da histórica mostra "Como Vai Você, Geração 80?", realizada em 1984, no Parque Lage, no Rio, e mais recentemente da 24ª Bienal de São Paulo, com curadoria de Paulo Herkenhoff, em 1998, e do 30º Panorama da Arte Brasileira do Museu de Arte Moderna, em 2007, organizada por Moacir dos Anjos.

Típico representante da Geração 80, Uchôa cria suas pinturas sobre suportes distintos como fotos e tecidos plásticos, a exemplo de "Entre o Céu e a Terra", trabalho que exibiu em "Contraditório", o Panorama de 2007, também visto em Madri, no ano passado.

Já Braga, apesar de nunca ter participado de uma Bienal de São Paulo, teve várias exposições em instituições nacionais como o Museu de Arte de São Paulo, onde também faz parte da coleção Masp-Pirelli, e o Museu de Arte Moderna de São Paulo, além de outras no exterior, como na Photographer's Gallery, de Londres.

Divulgação
Pintor alagoano Delson Uchôa, que também foi escolhido para representar o Brasil na Bienal de Veneza, com a obra "Céu e Terra"
Pintor alagoano Delson Uchôa, que também foi escolhido para representar o Brasil na Bienal de Veneza, com a obra "Céu e Terra"

"Sou meio 'off' por trabalhar e morar em Belém, mas é minha escolha. Meu trabalho não está pautado pelo mercado, sempre fui fiel ao que chamo de território interior do olhar, muito mais influenciado pelas artes plásticas do que pela fotografia", conta Braga.

As imagens que serão vistas em Veneza ainda não foram selecionadas pelo curador. "O Ivo me disse que vai para Belém no próximo mês, mas a gente já sabe por quais caminhos vamos trilhar, que são a cor e a luz, os mais marcantes do meu trabalho", diz o paraense.

Em abril, o fotógrafo participa da primeira mostra organizada por conta do Ano da França no Brasil, na Pinacoteca do Estado.Lá, ele irá exibir 25 imagens inéditas, ao lado de fotógrafos franceses como Pierre Verger e Marcel Gautherot.

Segundo a Folha apurou, a decisão de Mesquita não agradou a alguns conselheiros da Fundação Bienal, como Jens Olesen, que havia indicado a artista Regina Silveira, também da Luciana Brito, para representar o país na mostra de Veneza.

Foi a segunda vez que Mesquita indicou artistas para o pavilhão brasileiro: há dez anos, sua dupla foi composta por Iran do Espírito Santo e Nelson Leirner.

Brasil: Arte contemporânea africana terá centro de referência em São Paulo

São Paulo, Brasil, 03 Fev (Lusa) -- A arte contemporânea africana passará a ter um centro de referência no Brasil, com a abertura de uma galeria em São Paulo, informou hoje um responsável pelo projecto.


Alexandre Silva, coordenador do centro, disse à agência Lusa que a Soso Arte Contemporânea Africana, cuja abertura está marcada para quinta-feira, foi inspirada numa galeria de mesmo nome de Luanda.

"Vamos trabalhar de forma independente com a galeria Soso de Angola, mas mantendo uma estreita relação, com o objectivo de ser um ponto de referência da arte contemporânea africana no Brasil", disse.

"Queremos apresentar - explicou - os trabalhos de artistas africanos e contribuir para a inserção no mercado de arte do Brasil".

Segundo o coordenador, a galeria Soso de Luanda, com apoio da Fundação Sindika Dokolo, foi inspirada no pavilhão africano da Bienal de Veneza, em 2007.

"A ideia de abrir uma galeria surgiu da constatação de que existem muitos artistas contemporâneos africanos espalhados pelo mundo, mas sem um centro de referência em África", assinalou.

A Soso de São Paulo será aberta com a apresentação de fotografias, vídeos e instalações dos artistas angolanos Cláudia Veiga, Ihosvanny, Kiluanji e Yonamine, entre os dias 06 de Fevereiro e 21 de Março.

Nascida em Luanda em 1978, a fotógrafa Cláudia Veiga formou-se em Portugal em Arquitectura e em Fotojornalismo, sendo actualmente coordenadora da Fundação Sindika Dokolo.

Filho de pais cubanos, Ihosvanny já participou de várias colectivas, com destaque para a Trienal de Luanda em 2007 e Bienal de Veneza no mesmo ano.

Nascido em Luanda em 1979, Kiluanji dedica-se ao teatro, música e fotografia, com destaque para cenas urbanas de Luanda.

Yonamine, nascido em Luanda em 1975, com passagens pela República Democrática do Congo, Brasil e Reino Unido, diversifica a sua actividade pela pintura, desenho, gravura, fotografia, vídeo e instalação.

MAN.

© 2009 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.
2009-02-03 13:50:04

FONTE : http://ww1.rtp.pt/noticias/?article=385870&visual=26&tema=5

LEITORES INCOMUNS - POR MILTON HATOOM

por Milton Hatoom**


"O observador sabe que lá no alto, sentado num galho, alguém olha para um livro"

Há tanta diferença entre a “atitude” de quem lê e a de quem escreve? Um dos problemas cruciais do leitor e do escritor é a falta de tempo, decorrente da pressão do dia-a-dia.

Os escritores que vivem de sua pena não podem escolher uma hora do dia ou da noite para trabalhar. Mesmo os que tiveram ou têm a sorte de não depender do trabalho da escrita, revelam-se compulsivos, ávidos para narrar. O que deve ser escrito é inadiável. Deixar para escrever mais tarde, amanhã ou outro dia qualquer só atrapalha o andamento da narrativa. Adiar um trabalho pode ser um alívio para um burocrata, não para um escritor. Ainda assim, há momentos de pausa e reflexão, de pesquisa e anotações, e, às vezes, de interrupções forçadas, um verdadeiro castigo para quem escreve. E há também pausas para leitura: a urgência de escrever não é menor nem menos intensa do que a urgência de ler.

“Escrevo porque leio”, afirmam alguns escritores. Mas um leitor poderia dizer: não escrevo nada, mas é como se a leitura fosse um modo de escrever, de imaginar situações, diálogos e cenas que a memória registra no ato da leitura.

O pior leitor é o passivo, resignado, que aceita tudo e lê o livro como uma receita ou bula para o bem viver. Este é o não-leitor. Porque o texto de auto-ajuda é um compêndio de trivialidades, palavras que não questionam, não intrigam nem fazem refletir sobre o mundo e sobre nós mesmos.

II

Um bom leitor reescreve o livro com a imaginação de um escritor. Alguns vão mais longe. Com os olhos no texto e um lápis na mão, eles fazem anotações nas margens das páginas, sublinham frases, cravam aqui e ali pontos de interrogação. Há os que elaboram fichas com resumos ou esquemas do enredo, árvores genealógicas, comentários sobre o tempo da narrativa, posição do narrador, personagens, idéias, metáforas, ambiente político, social etc. Esse leitor incansável seria o leitor ideal, mencionado por Umberto Eco no ensaio Seis passeios pelo bosque da ficção.

No Tempo redescoberto – último volume do Em busca do tempo perdido –, o narrador de Proust faz uma reflexão sobre esse tema. Um livro, diz o narrador proustiano, pode ser sábio demais, obscuro demais para um leitor ingênuo. A imagem que Proust evoca é a de uma lente embaçada entre o olhar e as palavras: um anteparo à leitura. Mas o inverso também acontece quando o leitor astucioso revela capacidade e talento para ler bem. De acordo com o autor francês, “cada leitor é, quando está lendo, o leitor de si próprio”. Ou seja, uma obra literária permite ao leitor discernir tudo aquilo que, sem a leitura dessa obra, ele não teria visto ou percebido em sua própria vida.

No quarto capítulo de seu belo ensaio O último leitor, o argentino Ricardo Piglia lembra a figura de um leitor incomum: o revolucionário e guerrilheiro Ernesto Guevara. O comandante Che sonhava ser escritor, mas o compromisso político-social o conduziu a outras veredas. No entanto, ele escreveu diários de viagem, textos sobre técnicas e estratégias de guerrilha, relatos inspirados diretamente em sua experiência revolucionária em Cuba, na África e na América do Sul. O que não falta em suas incansáveis viagens – inclusive a última, pouco antes de morrer – é o livro, a leitura.

III

“A marcha, escreve Piglia, supõe leveza, agilidade, rapidez. É preciso desprender-se por completo, estar leve e andar. Mas Guevara mantém um certo peso. Na Bolívia, já sem forças, carregava livros. Ao ser detido em Ñancahuazu, quando é capturado depois da odisséia que conhecemos, uma odisséia que supõe a necessidade de movimento incessante e de fuga ao cerco, a única coisa que ele conserva (porque perdeu tudo, não tem nem sapatos) é uma pasta de couro, que leva amarrada ao cinturão, sobre a ilharga direita, onde guarda seu diário de campanha e seus livros. Todos se desfazem daquilo que dificulta a marcha e a fuga, mas Guevara continua mantendo seus livros, que pesam e são o oposto da leveza exigida pela marcha.” (pág. 103)

A capa do livro (da autoria de Angelo Venosa) foi inspirada numa fotografia de Ernesto Guevara lendo no alto de uma árvore. É uma imagem notável do guerrilheiro – homem de ação – que faz uma pausa para ler. Armas e letras, dois temas medievais explorados no Dom Quixote, parecem reviver nessa imagem em que o leitor, significativa e simbolicamente, situa-se no alto. Longe de ser uma posição de quem se sente elevado, a altura, aqui, é uma posição precária, que denota perigo e instabilidade. O inimigo pode estar por perto, pode surgir a qualquer hora e matar o guerrilheiro-leitor. Na fotografia é impossível reconhecer com nitidez a figura de Guevara, mas o observador sabe que lá no alto, sentado num galho, alguém olha para um livro. O fundo da fotografia é alaranjado, de uma tonalidade que evoca o fogo crepuscular: começo ou fim do dia. Ou luz que se esvai, anunciando a noite, o enigma do que vem por aí. Não sabemos se este livro é o último que Guevara leu. O último leitor é a metáfora de uma atitude diante da leitura: alguém que não pode viver sem livros.

IV

Narrar para não morrer é a mensagem de Sherazade ao rei Shariar (e ao leitor) em cada conto do Livro das mil e uma noites. Ernesto Guevara lê para viver. Ou suportar a vida: fado de um homem que vivia perigosamente à beira da morte. Mas ler é também o destino de tantos outros seres que não se lançam à aventura utópica de transformar o mundo por meio da ação revolucionária. Esse leitor apaixonado forma o duplo do escritor. E ambos justificam a literatura.

_________
* Fonte: EntreLivros 28, agosto de 2007. Disponível em http://www2.uol.com.br/entrelivros/artigos/leitores_incomuns.html
** Milton Hatoum é escritor, autor de Relato de um certo Oriente, Dois irmãos e Cinzas do Norte, com o qual conquistou os prêmios Jabuti, como o livro do ano na categoria ficção, e Portugal Telecom, em primeiro lugar

FONTE : http://antoniozai.blogspot.com/2009/02/leitores-incomuns.html

FERNANDO PESSOA - FRASES E FRAGMENTOS SOBRE PENSAR E SENTIR

"Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir - é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida."

Fernando Pessoa

"Sentir é criar. Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o universo não tem ideias."

Fernando Pessoa

"A maioria pensa com a sensibilidade, eu sinto com o pensamento. Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver. Para mim, pensar é viver e sentir não é mais que o alimento de pensar."

Fernando Pessoa

"Possuir é perder. Sentir sem possuir é guardar, porque é extrair de uma coisa a sua essência."

Fernando Pessoa

"Ver muito lucidamente prejudica o sentir demasiado. E os gregos viam muito lucidamente, por isso pouco sentiam. De aí a sua perfeita execução da obra de arte."

Fernando Pessoa

"A arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa personalidade para especial libertação."

Fernando Pessoa

"Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto."

Fernando Pessoa

PENSAR É DESTRUIR - FERNANDO PESSOA, in 'O Livro do Desassossego'

O homem vulgar, por mais dura que lhe seja a vida, tem ao menos a felicidade de a não pensar. Viver a vida decorrentemente, exteriormente, como um gato ou um cão - assim fazem os homens gerais, e assim se deve viver a vida para que possa contar a satisfação do gato e do cão.
Pensar é destruir. O próprio processo do pensamento o indica para o mesmo pensamento, porque pensar é decompor. Se os homens soubessem meditar no mistério da vida, se soubessem sentir as mil complexidades que espiam a alma em cada pormenor da acção, não agiriam nunca, não viveriam até. Matar-se-iam assustados, como os que se suicidam para não ser guilhotinados no dia seguinte.

Decálogo do perfeito contista (Horácio Quiroga)

Não é de graça que este texto, curto e direto, do escritor uruguaio Horácio Quiroga, que viveu no final do século 19 - início do século 20 sobrevive aceso e vívido até hoje. Tem ainda uma longa vida.
Sobre a vida do autor, clique na sua imagem e vá à Wikipédia, em espanhol porque em português há pouquíssima informação sobre ele, infelizmente.

Para quem gosta de escrever e de ler - e ai pensei na (nossa) corporação dos bloggers, cada vez mais numerosa - é um verdadeiro mapa do tesouro. Em dez itens, de forma que só os grandes conseguem, Horácio Quiroga resumiu a arte da boa escrita, do texto inteligente, elegante e - principalmente - do respeito pelo leitor. É simplesmente maravilhoso.
Sabem o que fiz, tão logo o conheci? Imprimi (umas três cópias) e depois fiz composições de molduras e os coloquei nos locais onde trabalho no computador. Daqui a pouco, de tanto ler, já estarei com ele não só decorado, mas gravado no subconsciente. Quero transformar o decálogo em um hábito natural.
Muitos de vocês já devem conhecê-lo, mas vale a pena ler de novo. Quem não conhece, bem. Leia e deleite-se. É uma obra prima.
=

(clique na imagem e conheça o autor)

Decálogo do perfeito contista

I - Crê em um mestre - Poe, Maupassant, Kipling, Tchecov - como em Deus.

II - Crê que tua arte é um cume inacessível. Não sonhes alcançá-la. Quando puderes fazê-lo, conseguirás sem ao menos perceber.

III - Resiste o quando puderes à imitação, mas imite se a demanda for demasiado forte. Mais que nenhuma outra coisa, o desenvolvimento da personalidade requer muita paciência.

IV - Tem fé cega não em tua capacidade para o triunfo, mas no ardor com que o desejas. Ama tua arte como à tua namorada, de todo o coração.

V - Não comeces a escrever sem saber desde a primeira linha aonde queres chegar. Em um conto bem-feito, as três primeiras linhas têm quase a mesma importância das três últimas.

VI - Se quiseres expressar com exatidão esta circunstância: "Desde o rio soprava o vento frio", não há na língua humana mais palavras que as apontadas para expressá-la. Uma vez dono de tuas palavras, não te preocupes em observar se apresentam consonância ou dissonância entre si.

VII - Não adjetives sem necessidade. Inúteis serão quantos apêndices coloridos aderires a um substantivo fraco. Se encontrares o perfeito, somente ele terá uma cor incomparável. Mas é preciso encontrá-lo.

VIII - Pega teus personagens pela mão e conduza-os firmemente até o fim, sem ver nada além do caminho que traçastes para eles. Não te distraias vendo o que a eles não importa ver. Não abuses do leitor. Um conto é um romance do qual se retirou as aparas. Tenha isso como uma verdade absoluta, ainda que não o seja.

IX - Não escrevas sob domínio da emoção. Deixe-a morrer e evoque-a em seguida. Se fores então capaz de revivê-la tal qual a sentiu, terás alcançado na arte a metade do caminho.

X - Não penses em teus amigos ao escrever, nem na impressão que causará tua história. Escreva como se teu relato não interessasse a mais ninguém senão ao pequeno mundo de teus personagens, dos quais poderias ter sido um. Não há outro modo de dar vida ao conto

HORACIO QUIROGA (1878-1937). Contista uruguaio dos mais influentes no conto moderno. Este decálogo foi publicado em julho de 1927, na revista argentina Babel. No Brasil foi reproduzido num belo livrinho (Horacio Quiroga: decálogo do perfeito contista. São Leopoldo: UNISINOS, 1999), em que dez contistas brasileiros renomados se arriscam a comentar e decifrar as intenções do mestre, entre os quais Charles Kiefer, Hélio Pólvora, Roberto Gomes e Sônia Coutinho. Algumas outras obras de Quiroga por aqui: Anaconda (Rocco, 1987), Contos da selva (UFSC, 1989), Vozes da selva (Mercado Aberto, 1994), Sete contos de horror (Cone Sul, 1997), Contos de amor e de morte (Record, 2001) e A galinha degolada e outros contos (L&PM, 2002).

=
PS - Por uma questão ética, informo que copiei o texto do blog Contos Fantásticos de Luiz Fernando Riesemberg, de São Mateus do Sul, Paraná. Este texto está disponível em diversos outros endereços na rede, mas achei que neste blog ele teve um tratamento melhor.

http://oficinadegerencia.blogspot.com/2008/10/declogo-do-perfeito-contista.html

अ LUIS


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{No dia de seu natalício}
****************************
A imaginação,,com o voo ousado,aspira a
princípio á eternidade...
Depois um pequeno espaço basta
em breve para os destroços
de nossas esperança iludidas....
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GOETHE
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Como um perfume de longínqua plagas
Trás o vento da pátria a peregrino,
Ó meu amigo!que saudade infinda
Tu me trazes do tempo de menino!
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É o ledo enxame de sutis abelhas
Que vem lembrar á flor o mel aurora....
Acres perfumes de uma idade ardente
Quando o lábio sorri....mas nunca chora!
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Que tempos idos!que esperanças louras!
Que cisma de poesia e de futuro!
Nas páginas do triste Lamartine
Quanto sonho de amor pousava puro!....
***************************************************
É tu falavas de um amor celeste,
De um anjo,que depois se fez esposa...
-Moça,que troca os risos de criança
Pelo meigo cismar de mãe formosa.
***************************************
Oh!meu amigo!neste doce instante
O vento do passado em mim suspira,
E minha alma estremece de alegria,
Como ao beijo da noite geme a lira.
******************************************
Tu paraste na tenda,ó peregrino!
Eu vou segundo do deserto a trilha;
Pois bem....que a lira do poeta errante
Seja a bênção do lar e da família.
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RIO FEVEREIRO DE 1868
CASTRO ALVES

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Afonso Estabanez

CANTIGA DE FICAR...

Quando chego você já nem liga
disfarça e me beija fingindo agradar.
Mesmo assim, sendo tudo mentira,
eu me deito em seu colo
e me deixo enganar...

Você deixa que eu faça e aconteça
que fale da vida e do amor por você...
Mas eu sei que você não me escuta
disfarça e me abraça fingindo entender.

Já é hora de nós decidirmos
e irmos embora e parar de sofrer.
Mas se volto pro meu coração
e bato na porta,
quem abre é você...


Afonso Estebanez

domingo, 22 de fevereiro de 2009

ACALANTO NUCLEAR (TOM ZÉ)

Vem
meu bem
posso agora te ninar
no colo
quente
da bomba nuclear
deita o desespero
no meu travesseiro

A NOITE (WALDER MAIA DO CARMO)

Perto da noite, a noite afasta a luz do sol.


Pessoas de hábitos noturmo, pessoas do morro,da cidade


Todas vivendo a noite com interesses diferentes.


A noite a me subtrair o sono


Deixando-me à eternidade dos ponteiros do meu relógio.


Mas, a noite tem seu facinio, seu mistério.


Coloca no poeta musas, vontade de rimar as estrelas,


vontade de rimar a noite.


A noite nos permite amar, a desfazer o amor.


A noite no seu Animismo


acalenta sonhos e esperanças da noite.

Afonso Estabanez

Soneto da Espera

O coração tem que esperar, mais nada!
Inda que a espera exaure a vida inteira
até que emprenhe o banho de alvorada
a luz das águas remansosas da ribeira...

O amor tem que esperar essa chegada!
Inda que chegue ao nunca do amanhã,
até que soem os clarins da madrugada
no ouvido íntimo dos sinos da manhã...

Sonhos são deuses surdos, nada mais!
E para deuses não existem horizontes
em que o amor desponte eternamente...

Sonhos de amor são brisas sazonais...
Às vezes partem por alguns instantes
e às vezes vão embora para sempre...


A. Estebanez

Afonso Estabanez

Canção Baldia

Às vezes tenho saudade
da saudade que não tive
de morar com liberdade
onde livre nunca estive.

Às vezes tanta saudade
não é tanta por um triz:
pois que a tal felicidade
só me quis quase feliz.

Fui quase feliz em tudo
fui e sou sem vanidade
do que serei sobretudo
a despeito da saudade.

Partir foi quase preciso
sumindo na eternidade
não me fora teu sorriso
enganar essa saudade...

Afonso Estebanez

sábado, 21 de fevereiro de 2009

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CAZUZA - BURGUESIA

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

A burguesia não tem charme nem é discreta
Com suas perucas de cabelos de boneca
A burguesia quer ser sócia do Country
A burguesia quer ir a New York fazer compras

Pobre de mim que vim do seio da burguesia
Sou rico mas não sou mesquinho
Eu também cheiro mal
Eu também cheiro mal

A burguesia tá acabando com a Barra
Afunda barcos cheios de crianças
E dormem tranqüilos
E dormem tranqüilos

Os guardanapos estão sempre limpos
As empregadas, uniformizadas
São caboclos querendo ser ingleses
São caboclos querendo ser ingleses

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

A burguesia não repara na dor
Da vendedora de chicletes
A burguesia só olha pra si
A burguesia só olha pra si
A burguesia é a direita, é a guerra

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

As pessoas vão ver que estão sendo roubadas
Vai haver uma revolução
Ao contrário da de 64
O Brasil é medroso
Vamos pegar o dinheiro roubado da burguesia
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Pra rua, pra rua

Vamos acabar com a burguesia
Vamos dinamitar a burguesia
Vamos pôr a burguesia na cadeia
Numa fazenda de trabalhos forçados
Eu sou burguês, mas eu sou artista
Estou do lado do povo, do povo

A burguesia fede - fede, fede, fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

Porcos num chiqueiro
São mais dignos que um burguês
Mas também existe o bom burguês
Que vive do seu trabalho honestamente
Mas este quer construir um país
E não abandoná-lo com uma pasta de dólares
O bom burguês é como o operário
É o médico que cobra menos pra quem não tem
E se interessa por seu povo
Em seres humanos vivendo como bichos
Tentando te enforcar na janela do carro
No sinal, no sinal
No sinal, no sinal

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

"RICARDO SANT'ANNA REIS" - Pífaro


se te sei como o sumo
da secreta semente
germinada

no fundo do fundo do corpo
plantada como
a florescência do ser.

e se te sei ao tocar-te
ou é tu que me flauteias o falo
sonoro pífaro de ardor
que grito e calo.

e se é tu que cavalgas
em mim, em pêlo
o prazer das paixões antigas
e hodiernas.

e se tremes toda transfendida
o deleite em intervalos
de seguir e morrer
neste apuro que te desce
pelas pernas
simulacro de dor
sem fim e sem começo...

ah, querida, amor
é assim que mais te quero
e inda mais te reconheço.

FONTE : http://ricardosreispoesia.blogspot.com/

*imagem: obra de Frida Kahlo

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

TABACARIA (FERNANDO PESSOA)

Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.



Janelas do meu quarto,

Do meu quarto,

Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe que

ninguém sabe quem é

(E se soubessem quem é, o que saberiam?).

Dias para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,

Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,

Real,impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,

Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,

Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos

nos homens,

Como o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.

Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,

E não tivesse mais irmandade com as coisas

Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua

De dentro da minha cabeça,

E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.

Estou hoje dividido entre a lealdade que devo

À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,

E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro



Falhei em tudo.

Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.

A aprendizagem que me deram,

Desci dela pela janela das traseiras da casa.

Fui até ao campo com grandes propósitos.

Mas lá encontrei só erva e árvores,

E quando havia gente era igual à outra.

Saio da janela, sento-me numa cadeira . Em que hei de pensar?



Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?

Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!

E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver

tantos!

Gênio? neste momento

Cem mil cérebros se conhecem em sonho gênios como eu,

E a história não marcará, quem sabe?nem um,

Nem haverá senão estrume de tantas conquitas futuras.

Não, não creio em mim.

Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!

Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?

Não , nem em mim...

Em quantas marsardas e não-marsadas do mundo

Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?

Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas--

Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas--

E quem sabe se realizáveis,

Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?

O mundo é para quem nasce para conquistar

E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha

razão

Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.

Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo

Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.

Mas sou, e talvez serei sempre, o da masarda,

Ainda que não more nela;

Serei sempre o que não nasceu para isso;

Serei sempre só o que tinha qualidades;

Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma

parede sem porta,

E cantou a cantiga do infinito numa capoeira,

E ouviu a voz de Deus num poço tapado.

Crer em mim? Não, nem em nada.

Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente

O seu sol, a sua chuva, o vento ue me acha o cabelo

E o resto que venha se vier,ou tiver que vir, ou não venha.

Escravos cardíacos das estrelas.

Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;

Mas acordamos e ele é opaco,

Levantamo-nos e ele é alheio

Saimos de casa e ele é a terra inteira,

Mais o sistema solar e a Via Láctea e o indefinido.



( Come chocolates. pequena:

Come chocolates!

Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates,

Plha que as religões todas não ensinão mais que a confeitaria,

Como pequena suja, come!

Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!

Mas penso e, ao tirar o papel de prata , que é de fôlha de estrnho,

Deito tudo para o chão , como tenho deitado a vida.)



Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei

A caligrafia rápida destes versos,

Pórtico partido para o impissível,

Mas ao menos no gesto consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,

A roupa suja que sou, sem sol, pra o decurso das coisas,

E fico em cas sem camisa.



(Tu , que consolas, que não existes e po isso consolas,

Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,

Ou patrícia romana, impossívelmente nobre e nefasta,

Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida

Ou marquesa do século dezoito, decotada, e longínqua,

Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,

Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê-

Tudo isso seja o que for,que sejas, se pode inspirar que inspire!

Meu coração é um balde despejado.

Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco

A mim mesmo e não um balde despejado.

Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.

vejo lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,

Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam

Vejo os cães que também existem,

E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,

E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)



Viv, estudei, amei, e até cri,

E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.

Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,

E penso: talveznunca vivesses nem estudasses nem amasses nem

cresses

( Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada

disso)

Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam

o rabo

E que é rabo´para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube,

E o que podia fazer de mim não fiz.

O dominó que vesti era errado,

Conhecem-me logo por quem não não era e não desmenti, e perdi-me.

Quando quis tirar a máscara,

Estava pegada à cara.

Quando a tirei e me vi ao espelho.

Já tinha envelhecido.

Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.

Como um cão tolerado pela gerência

Por ser inofensivo

E vou escrever esta história para provar que sou sublime.



Essência musical dos meus versos inúteis,

Quem me dera encntra-te como coisa que eu fizesse,

E não ficasse sempre defronte da Tabacaria defronte,

Calcando os pés a consciência de estar existindo,

Como um taapete em que um bêbado atropeça

Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.



Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.

Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada

E com o desconforto da alma mal-entendendo.

Ele morrerá e eu morrerei.

Ele deixará a tabuleta , eu deixarei versos.

A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.

Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,

E a lingua em que foram escritos os versos.

Morrer´depois o planeta girante em que tudo isto se deu.

Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente

Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de

coisas como tabuletas.

Sempre uma coisa defronte da outra,

Semre uma coisa tõ inútil como a outra

Sempre o impossível tão estúpido como o real,

Sempre o mistério do fundo tão certo como o sonode mistério

da superfície,

Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria ( para comprar tabaco)

E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.

Semergo-me enérgico, convencido, humno,

E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro qo pensar em escrevê-los

E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.

Sigo o fumo como uma rota própria,

E gozo, num momento sensitivo e competente,

A libertação de todas as especulações

E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.



Depois deito-me para trás na cadeira

E continuo fumando,

Enquanto o Destino mo conceder, continurei fumando

( se eu casasse com a filha da minha lavadeira

Talvez fosse feliz.)

O homem saiu da Tabacaria ( metendo troco na algibeira das

calças).

Ah, conheco-o; é o Esteves sem metafísica.

Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.

Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus Adeus ó Esteves, e o universo

Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança,e o Dono da Tabacaria sorriu.

ECONOMIA SOLIDÁRIA

Economia solidária
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Economia Solidária é uma forma de produção, consumo e distribuição de riqueza (economia) centrada na valorização do ser humano - e não do capital - de base associativista e cooperativista, voltada para a produção, consumo e comercialização de bens e serviços, de modo autogerido, tendo como finalidade a reprodução ampliada da vida. Assim, nesta economia, o trabalho se transforma num meio de libertação humana dentro de um processo de democratização econômica, criando uma alternativa à dimensão alienante e assalariada das relações do trabalho capitalista.
Índice[esconder]
1 Origem
2 Conceito
2.1 Conceito Solidário de Produção
2.1.1 Exemplos de Empreendimentos Solidários Produtivos
2.2 Conceito Solidário de Consumo
2.2.1 Exemplos de Empreendimentos Solidários de Consumo
3 Forma de Administração
4 Finalidade
5 Histórico Europeu
6 A Economia Solidária no Brasil
6.1 Desenvolvimento
6.2 Atores do movimento de Economia Solidária no Brasil
6.3 Empreendimentos Solidários
6.3.1 Manifestações da Economia Solidária
6.4 Entidades de Assessoria e Fomento
6.5 Gestores Públicos
7 Ver também
8 Ligações externas
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[editar] Origem
A economia solidária se origina na Primeira Revolução Industrial, como reação dos artesãos expulsos dos mercados pelo advento da máquina a vapor. Na passagem do século XVIII ao Século XIX, surgem na Grã-Bretanha as primeiras Uniões de Ofícios (Trade Unions) e as primeiras cooperativas. Com a fundacão da cooperativa de consumo dos Pioneiros Equitativos de Rochdale (1844) o cooperativismo de consumo se consolida em grandes empreendimentos e se espalha pela Europa primeiro e depois pelos demais continentes.

[editar] Conceito
A economia solidária é um modo específico de organização de atividades econômicas. Ela se caracteriza pela autogestão, ou seja, pela autonomia de cada unidade ou empreendimento e pela igualdade entre os seus membros. Nos primórdios do capitalismo, o modelo apresentado mostrava que o empregado era tido unicamente como propriedade do empregador, separado das forças produtivas que detinha ou utilizava. O conceito que pode ser empregado pela economia popular solidária é:
“o conjunto de empreendimentos produtivos de iniciativa coletiva, com certo grau de democracia interna e que remuneram o trabalho de forma privilegiada em relação ao capital, seja no campo ou na cidade. Tolerar ou mesmo estimular a formação de empreendimentos alternativos aos padrões capitalistas normalmente aceitos, tais como cooperativas autogeridas é, objetivamente falando, uma forma de reduzir o passivo corrente que se materializa em ondas de crescentes de desemprego e falências. (...) Tais empreendimentos encontram potencialmente no trabalho coletivo e na motivação dos trabalhadores que os compõem, uma importante fonte de competitividade reconhecida no capitalismo contemporâneo. Enquanto no fordismo a competitividade é obtida através das economias de escala e de uma crescente divisão e alienação do trabalho associadas a linhas produtivas rígidas – automatizadas ou não -, na nova base técnica que está se configurando, uma importante fonte de eficiência é a flexibilização.” (GAIGER: 2002, p.64)
Para Singer, a definição da economia solidária está ligada a relação entre o trabalhador e os meios de produção, sendo que:
“A empresa solidária nega a separação entre trabalho e posse dos meios de produção, que é reconhecidamente a base do capitalismo. (...) A empresa solidária é basicamente de trabalhadores, que apenas secundariamente são seus proprietários. Por isso, sua finalidade básica não é maximizar lucro mas a quantidade e a qualidade do trabalho” (SINGER: 2002, p.04)
A economia solidária, então, apresenta-se como uma reconciliação do trabalhador com seus meios de produção e fornece, de acordo com Gaiger (2003), uma experiência profissional fundamentada na eqüidade e na dignidade, na qual ocorre um enriquecimento do ponto de vista cognitivo e humano. Com as pessoas mais motivadas, a divisão dos benefícios definida por todos os associados e a solidariedade,
“o interesse dos trabalhadores em garantir o sucesso do empreendimento estimula maior empenho com o aprimoramento do processo produtivo, a eliminação de desperdícios e de tempos ociosos, a qualidade do produto ou dos serviços, além de inibir o absenteísmo e a negligência” (GAIGER: 2002, p.34).
Um dos conceitos, então, que está intrinsecamente ligado à realização de um empreendimento solidário é desenvolvimento local. Com a grande tendência de aumento do rendimento do trabalho associado, há a busca por promover o desenvolvimento local dos aspectos econômico e social, sendo que este define-se como o:
“processo que mobiliza pessoas e instituições buscando a transformação da economia e da sociedade locais, criando oportunidades de trabalho e renda, superando dificuldades para favorecer a melhoria das condições de vida da população local” (JESUS, in: CATTANI: 2003, p.72).
Segundo Gaiger (2002), quatro características econômicas fazem parte do modo de produção capitalista, essas são: produção de mercadorias com único objetivo de comercialização, separação dos trabalhadores dos meios de produção, transformação do trabalho em mercadoria por meio do empregado assalariado e existência do lucro e da acumulação de capital por parte do empregador que detém os meios de produção. Com tudo isso, principal elemento do modelo capitalista é ser desigual e combinado, onde parte dos trabalhadores é bem sucedida, o restante perde suas qualificações e muitos se tornam miseráveis (Singer, 2004). Isso se dá devido a uma crescente valorização da competição, que, ao contrário do senso comum, não é antagônica à cooperação. Ambas coexistem e o que caracteriza o modo de produção em que a sociedade se baseia é a predominância de uma ou outra. Quando a competição sobressai em relação à cooperação, a grande tendência é a exclusão daqueles que fracassam ou não estão aptos, enfraquecendo o ambiente sistemicamente. Em contrapartida, quando a cooperação preside as relações, cria-se um ambiente tolerante e igualitário, tornando possíveis processos de recuperação de economias abaladas (MYRDAL, in: ARROYO: 2008). A economia solidária, conforme Wautier (In: CATTANI: 2003, p.110), é orientada do ponto de vista sociológico e:
“acentua a noção de projeto, de desenvolvimento local e de pluralidade das formas de atividade econômica, visando à utilidade pública, sob forma de serviços diversos, destinados, principalmente, mas não exclusivamente, à população carente ou excluída”
Pode-se dizer também que é fundada em relações nas quais as práticas de solidariedade e reciprocidade não são utilizadas como meros dispositivos compensatórios, mas sim fatores determinantes na realidade da produção da vida material e social.

[editar] Conceito Solidário de Produção
Se o empreendimento solidário for de produção, o seu capital será constituído por cotas, distribuídas por igual entre todos membros, que desta forma, são sócios do empreendimento. O princípio geral da autogestão é que "todos os que trabalham são donos do empreendimento e todos os que são donos trabalham no empreendimento."

[editar] Exemplos de Empreendimentos Solidários Produtivos
São exemplos de empreendimentos solidários produtivos: associações ou cooperativas agropecuárias, industriais, de transporte, de educação escolar, de hotelaria, ecovilas entre outros.

[editar] Conceito Solidário de Consumo
Se o empreendimento solidário for de consumo, o seu capital será também constituído por cotas, distribuídas por igual entre todos membros, que assim se tornam sócios do empreendimento. Neste caso, o princípio geral da autogestão é que "todos os que consomem são donos do empreendimento e todos os que são donos consomem no empreendimento".

[editar] Exemplos de Empreendimentos Solidários de Consumo
Exemplos de empreendimentos solidários de consumo são: cooperativas de consumo, habitacionais, de crédito e mútuas de seguros gerais, de seguro de saúde, clubes de troca, etc.

[editar] Forma de Administração
A administração de um empreendimento é coletiva e democrática. Todas as decisões mais importantes são tomadas em assembléias de sócios, em que vigora o princípio "cada cabeça ECONOMIAum voto". Se dirigentes são necessários eles são eleitos pelos sócios e podem ter seu mandato revogado por eles, no caso do desempenho do dirigente for considerado não-aceitável por uma maioria dos membros.
Dentre os instrumentos usados para facilitar a comercialização dos produtos da economia solidária, como alternativa ao escambo e com finalidades específicas, existe a moeda social.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

"MACHADO DE ASSIS" - O RELÓGIO DE OURO (conto)




http://contosdocovil.wordpress.com/2008/06/16/o-relogio-de-ouro/

*postagem atualizada em 30 12 2015

O Relógio de Ouro

Agora contarei a história do relógio de ouro. Era um grande cronômetro, inteiramente novo, preso a uma elegante cadeia. Luís Negreiros tinha muita razão em ficar boquiaberto quando viu o relógio em casa, um relógio que não era dele, nem podia ser de sua mulher. Seria ilusão dos seus olhos? Não era: o relógio ali estava sobre uma mesa da alcova, a olhar para ele, talvez tão espantado, como ele, do lugar e da situação.
Clarinha não estava na alcova quando Luís Negreiros ali entrou. Deixou-se ficar na sala, a folhear um romance, sem corresponder muito nem pouco ao ósculo com que o marido a cumprimentou logo à entrada. Era uma bonita moça esta Clarinha, ainda que um tanto pálida, ou por isso mesmo. Era pequena e delgada; de longe parecia uma criança; de perto, quem lhe examinasse os olhos, veria bem que era mulher como poucas. Estava molemente reclinada no sofá, com o livro aberto, e os olhos no livro, os olhos apenas, porque o pensamento, não tenho certeza se estava no livro, se em outra parte. Em todo o caso parecia alheia ao marido e ao relógio.
Luís Negreiros lançou mão do relógio com uma expressão que eu não me atrevo a descrever. Nem o relógio, nem a corrente eram dele; também não eram de pessoas suas conhecidas. Tratava-se de uma charada. Luís Negreiros gostava de charadas, e passava por ser decifrador intrépido; mas gostava de charadas nas folhinhas ou nos jornais. Charadas palpáveis ou cronométricas, e sobretudo sem conceito, não as apreciava Luís Negreiros.
Por esse motivo, e outros que são óbvios, compreenderá o leitor que o esposo de Clarinha se atirasse sobre uma cadeira, puxasse raivosamente os cabelos, batesse com o pé no chão, e lançasse o relógio e a corrente para cima da mesa. Terminada esta primeira manifestação de furor, Luís Negreiros pegou de novo nos fatais objetos, e de novo os examinou. Ficou na mesma. Cruzou os braços durante algum tempo e refletiu sobre o caso, interrogou todas as suas recordações, e concluiu no fim de tudo que, sem uma explicação de Clarinha qualquer procedimento fora baldado ou precipitado.
Foi ter com ela.
Clarinha acabava justamente de ler uma página e voltava a folha com o ar indiferente e tranqüilo de quem não pensa em decifrar charadas de cronômetro. Luís Negreiros encarou-a; seus olhos pareciam dois reluzentes punhais.
— Que tens? perguntou a moça com a voz doce e meiga que toda a gente concordava em lhe achar.
Luís Negreiros não respondeu à interrogação da mulher; olhou algum tempo para ela; depois deu duas voltas na sala, passando a mão pelos cabelos, por modo que a moça de novo lhe perguntou:
— Que tens?
Luís Negreiros parou defronte dela.
— Que é isto? disse ele tirando do bolso o fatal relógio e apresentando-lho diante dos olhos. Que é isto? repetiu ele com voz de trovão.
Clarinha mordeu os beiços e não respondeu. Luís Negreiros esteve algum tempo com o relógio na mão e os olhos na mulher, a qual tinha os seus olhos no livro. O silêncio era profundo. Luís Negreiros foi o primeiro que o rompeu, atirando estrepitosamente o relógio ao chão, e dizendo em seguida à esposa:
— Vamos, de quem é aquele relógio?
Clarinha ergueu lentamente os olhos para ele, abaixou-os depois, e murmurou:
— Não sei.
Luís Negreiros fez um gesto como de quem queria esganá-la; conteve-se. A mulher levantou-se, apanhou o relógio e pô-lo sobre uma mesa pequena. Não se pôde conter Luís Negreiros. Caminhou para ela, e, segurando-lhe nos pulsos com força, lhe disse:
— Não me responderás, demônio? Não me explicarás esse enigma?
Clarinha fez um gesto de dor, e Luís Negreiros imediatamente lhe soltou os pulsos que estavam arrochados. Noutras circunstâncias é provável que Luís Negreiros lhe caísse aos pés e pedisse perdão de a haver machucado. Naquela nem se lembrou disso; deixou-a no meio da sala e entrou a passear de novo, sempre agitado, parando de quando em quando, como se meditasse algum desfecho trágico.
Clarinha saiu da sala.
Pouco depois veio um escravo dizer que o jantar estava na mesa.
— Onde está a senhora?
— Não sei, não senhor.
Luís Negreiros foi procurar a mulher, achou-a numa saleta de costura, sentada numa cadeira baixa, com a cabeça nas mãos a soluçar. Ao ruído que ele fez na ocasião de fechar a porta atrás de si, Clarinha levantou a cabeça, e Luís Negreiros pôde ver-lhe as faces úmidas de lágrimas. Esta situação foi ainda pior para ele que a da sala. Luís Negreiros não podia ver chorar uma mulher, sobretudo a dele. Ia enxugar-lhe as lágrimas com um beijo, mas reprimiu o gesto, e caminhou frio para ela: puxou uma cadeira e sentou-se em frente de Clarinha.
— Estou tranqüilo, como vês, disse ele, responde-me ao que te perguntei com a franqueza que sempre usaste comigo. Eu não te acuso nem suspeito nada de ti. Quisera simplesmente saber como foi parar ali aquele relógio. Foi teu pai que o esqueceu cá?
— Não.
— Mas então…
— Oh! não me perguntes nada! exclamou Clarinha; ignoro como esse relógio se acha ali… Não sei de quem é… deixa-me.
— É demais! urrou Luís Negreiros, levantando-se e atirando a cadeira ao chão.
Clarinha estremeceu, e deixou-se ficar aonde estava. A situação tornava-se cada vez mais grave; Luís Negreiros passeava cada vez mais agitado, revolvendo os olhos nas órbitas, e parecendo prestes a atirar-se sobre a infeliz esposa. Esta, com os cotovelos no regaço e a cabeça nas mãos, tinha os olhos encravados na parede. Correu assim cerca de um quarto de hora. Luís Negreiros ia de novo interrogar a esposa, quando ouviu a voz do sogro, que subia as escadas gritando:
— Ó seu Luís! ó seu malandrim!
— Aí vem teu pai! disse Luís Negreiros; logo me pagarás.
Saiu da sala de costura e foi receber o sogro, que já estava no meio da sala, fazendo viravoltas com o chapéu de sol, com grande risco das jarras e do candelabro.
— Vocês estavam dormindo? perguntou o sr. Meireles tirando o chapéu e limpando a testa com um grande lenço encarnado.
— Não, senhor, estávamos conversando…
— Conversando?… repetiu Meireles.
E acrescentou consigo:
— Estavam de arrufos… é o que há de ser.
— Vamos justamente jantar, disse Luís Negreiros. Janta conosco?
— Não vim cá para outra coisa, acudiu Meireles; janto hoje e amanhã também. Não me convidaste, mas é o mesmo.
— Não o convidei?…
— Sim, não fazes anos amanhã?
— Ah! é verdade…
Não havia razão aparente para que, depois destas palavras ditas com um tom lúgubre, Luís Negreiros repetisse, mas desta vez com um tom descomunalmente alegre:
— Ah! é verdade!…
Meireles, que já ia pôr o chapéu num cabide do corredor, voltou-se espantado para o genro, em cujo rosto leu a mais franca, súbita e inexplicável alegria.
— Está maluco! disse baixinho Meireles.
— Vamos jantar, bradou o genro, indo logo para dentro, enquanto Meireles seguindo pelo corredor ia ter à sala de jantar.
Luís Negreiros foi ter com a mulher na sala de costura, e achou-a de pé, compondo os cabelos diante de um espelho:
— Obrigado, disse.
A moça olhou para ele admirada.
— Obrigado, repetiu Luís Negreiros; obrigado e perdoa-me.
Dizendo isto, procurou Luís Negreiros abraçá-la; mas a moça, com um gesto nobre, repeliu o afago do marido e foi para a sala de jantar.
— Tem razão! murmurou Luís Negreiros.
Daí a pouco achavam-se todos três à mesa do jantar, e foi servida a sopa, que Meireles achou, como era natural, de gelo. Ia já fazer um discurso a respeito da incúria dos criados, quando Luís Negreiros confessou que toda a culpa era dele, porque o jantar estava há muito na mesa. A declaração apenas mudou o assunto do discurso, que versou então sobre a terrível coisa que era um jantar requentado — qui ne valut jamais rien.
Meireles era um homem alegre, pilhérico, talvez frívolo demais para a idade, mas em todo o caso interessante pessoa. Luís Negreiros gostava muito dele, e via correspondida essa afeição de parente e de amigo, tanto mais sincera quanto que Meireles só tarde e de má vontade lhe dera a filha. Durou o namoro cerca de quatro anos, gastando o pai de Clarinha mais de dois em meditar e resolver o assunto do casamento. Afinal deu a sua decisão, levado antes das lágrimas da filha que dos predicados do genro, dizia ele.
A causa da longa hesitação eram os costumes pouco austeros de Luís Negreiros, não os que ele tinha durante o namoro, mas os que tivera antes e os que poderia vir a ter depois. Meireles confessava ingenuamente que fora marido pouco exemplar, e achava que por isso mesmo devia dar à filha melhor esposo do que ele. Luís Negreiros desmentiu as apreensões do sogro; o leão impetuoso dos outros dias, tornou-se um pacato cordeiro. A amizade nasceu franca entre o sogro e o genro, e Clarinha passou a ser uma das mais invejadas moças da cidade.
E era tanto maior o mérito de Luís Negreiros quanto que não lhe faltavam tentações. O diabo metia-se às vezes na pele de um amigo e ia convidá-lo a uma recordação dos antigos tempos. Mas Luís Negreiros dizia que se recolhera a bom porto e não queria arriscar-se outra vez às tormentas do alto mar.
Clarinha amava ternamente o marido, e era a mais dócil e afável criatura que por aqueles tempos respirava o ar fluminense. Nunca entre ambos se dera o menor arrufo; a limpidez do céu conjugal era sempre a mesma e parecia vir a ser duradoura. Que mau destino lhe soprou ali a primeira nuvem?
Durante o jantar Clarinha não disse palavra — ou poucas dissera, ainda assim as mais breves e em tom seco.
— Estão de arrufo, não há dúvida, pensou Meireles ao ver a pertinaz mudez da filha. Ou a arrufada é só ela, porque ele parece-me lépido.
Luís Negreiros efetivamente desfazia-se todo em agrados, mimos e cortesias com a mulher, que nem sequer olhava em cheio para ele. O marido já dava o sogro a todos os diabos, desejoso de ficar a sós com a esposa, para a explicação última, que reconciliaria os ânimos. Clarinha não parecia desejá-lo; comeu pouco e duas ou três vezes soltou-se-lhe do peito um suspiro.
Já se vê que o jantar, por maiores que fossem os esforços, não podia ser como nos outros dias. Meireles sobretudo achava-se acanhado. Não era que receasse algum grande acontecimento em casa; sua idéia é que sem arrufos não se aprecia a felicidade, como sem tempestade não se aprecia o bom tempo. Contudo, a tristeza da filha sempre lhe punha água na fervura.
Quando veio o café, Meireles propôs que fossem todos três ao teatro; Luís Negreiros aceitou a idéia com entusiasmo. Clarinha recusou secamente.
— Não te entendo hoje, Clarinha, disse o pai com um modo impaciente. Teu marido está alegre tu pareces-me abatida e preocupada. Que tens?
Clarinha não respondeu: Luís Negreiros, sem saber o que havia de dizer, tomou a resolução de fazer bolinhas de miolo de pão. Meireles levantou os ombros.
— Vocês lá se entendem, disse ele. Se amanhã, apesar de ser o dia que é, vocês estiverem do mesmo modo, prometo-lhes que nem a sombra me verão.
— Oh! há de vir, ia dizendo Luís Negreiros, mas foi interrompido pela mulher que desatou a chorar.
O jantar acabou assim triste e aborrecido. Meireles pediu ao genro que lhe explicasse o que aquilo era, e este prometeu que lhe diria tudo em ocasião oportuna.
Pouco depois saía o pai de Clarinha protestando de novo que, se no dia seguinte os achasse do mesmo modo, nunca mais voltaria à casa deles, e que se havia coisa pior que um jantar frio ou requentado, era um jantar mal digerido. Este axioma valia o de Boileau, mas ninguém lhe prestou atenção.
Clarinha fora para o quarto; o marido, apenas se despediu do sogro, foi ter com ela. Achou-a sentada na cama, com a cabeça sobre uma almofada, e soluçando. Luís Negreiros ajoelhou-se diante dela e pegou-lhe numa das mãos.
— Clarinha, disse ele, perdoa-me tudo. Já tenho a explicação do relógio; se teu pai não me fala em vir jantar amanhã, eu não era capaz de adivinhar que o relógio era um presente de anos que tu me fazias.
Não me atrevo a descrever o soberbo gesto de indignação com que a moça se pôs de pé quando ouviu estas palavras do marido. Luís Negreiros olhou para ela sem compreender nada. A moça não disse uma nem duas; saiu do quarto e deixou o infeliz consorte mais admirado que nunca.
— Mas que enigma é este? perguntava a si mesmo Luís Negreiros. Se não era um mimo de anos, que explicação pode ter o tal relógio?
A situação era a mesma que antes do jantar. Luís Negreiros assentou de descobrir tudo naquela noite. Achou, entretanto, que era conveniente refletir maduramente no caso e assentar numa resolução que fosse decisiva. Com este propósito recolheu-se ao seu gabinete, e ali recordou tudo o que se havia passado desde que chegara à casa. Pesou friamente todas as razões, todos os incidentes, e buscou reproduzir na memória a expressão do rosto da moça, em toda aquela tarde. O gesto de indignação e a repulsa quando ele a foi abraçar na sala de costura, eram a favor dela; mas o movimento com que mordera os lábios no momento em que ele lhe apresentou o relógio, as lágrimas que lhe rebentaram à mesa, e mais que tudo o silêncio que ela conservava a respeito da procedência do fatal objeto, tudo isso falava contra a moça.
Luís Negreiros, depois de muito cogitar, inclinou-se à mais triste e deplorável das hipóteses. Uma idéia má começou a enterrar-se-lhe no espírito, à maneira de verruma, e tão fundo penetrou, que se apoderou dele em poucos instantes. Luís Negreiros era homem assomado quando a ocasião o pedia. Proferiu duas ou três ameaças, saiu do gabinete e foi ter com a mulher.
Clarinha recolhera-se de novo ao quarto. A porta estava apenas cerrada. Eram nove horas da noite. Uma pequena lamparina alumiava escassamente o aposento. A moça estava outra vez assentada na cama, mas já não chorava, tinha os olhos fitos no chão. Nem os levantou quando sentiu entrar o marido.
Houve um momento de silêncio.
Luís Negreiros foi o primeiro que falou.
— Clarinha, disse ele, este momento é solene. Responde-me ao que te pergunto desde esta tarde?
A moça não respondeu.
— Reflete bem, Clarinha, continuou o marido. Podes arriscar a tua vida.
A moça levantou os ombros.
Uma nuvem passou pelos olhos de Luís Negreiros. O infeliz marido lançou as mãos ao colo da esposa e rugiu:
— Responde, demônio, ou morres!
Clarinha soltou um grito.
— Espera! disse ela.
Luís Negreiros recuou.
— Mata-me, disse ela, mas lê isto primeiro. Quando esta carta foi ao teu escritório já te não achou lá: foi o que o portador me disse.
Luís Negreiros recebeu a carta, chegou-se à lamparina e leu estupefato estas linhas:
Meu nhonhô. Sei que amanhã fazes anos; mando-te esta lembrança.
Tua Iaiá.
Assim acabou a história do relógio de ouro.

Machado de Assis
Publicado originalmente em Jornal das Famílias (1873)

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