ROCCO E SEUS IRMÃOS (1960) DE LUCHINO VISCONTI
HECTOR BABENCO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Francis Ford Coppola me disse um dia: "Sabe Hector, não importa quantos filmes tenhamos feito ao longo de uma vida, o que realmente interessa é saber se em algum deles tem uma cena que seja inesquecível". É só isso que interessa. Pense em "Rocco e Seus Irmãos", na cena em que [o personagem de] Renato Salvatori esfaqueia, contra uma árvore, numa floresta gelada, a nossa amada Annie Girardot, ou na cena dos irmãos rolando aos prantos na cama. Vi este filme com 14 anos -ou seja, faz 49 anos. O meu DNA vem daí.
HECTOR BABENCO é cineasta. Dirigiu "Pixote, a Lei do Mais Fraco", "O Beijo da Mulher Aranha", "Carandiru", entre outros filmes.
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EU SOU CUBA
(1964)
DE MIKHAIL KALATOZOV
JOSÉ WILKER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Era ainda o tempo do VHS. Garimpei um filme restaurado por iniciativa do Martin Scorsese e por alguns dias fiquei tentando entender como aquilo foi possível: um longo travelling sobre um cortejo pelas ruas de Havana. O filme chamava-se "Eu Sou Cuba", um documentário russo, rodado nos primeiros tempos da Revolução Cubana. Na época, desagradou ambos os lados, Cuba e União Soviética, e foi escondido em algum lugar. Novos tempos o encontraram. E está lá um dos movimentos de câmera mais fantásticos e/ ou inacreditáveis que já vi em cinema. Na época e depois, não consegui resolver a questão, descobrir como aquilo foi realizado. Um dia, tropecei com o "Soy Cuba - O Mamute Siberiano" [2004, de Vicente Ferraz], um documentário brasileiro sobre o "Eu Sou Cuba". Ele mostra como a mágica foi feita.
JOSÉ WILKER é ator.
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O BEBÊ DE ROSEMARY
(1968)
DE ROMAN POLANSKI
JOSÉ MOJICA MARINS
ESPECIAL PARA A FOLHA
O final de "O Bebê de Rosemary" é o mais impactante que já vi. Ela [Mia Farrow] se aproxima do berço do filho e, rapidamente, o filme mostra os olhos da criança. É tudo muito rápido, um relance apenas, mas fui dormir várias noites pensando nessa cena. É um exemplo perfeito de como a sutileza pode ser horripilante. Os olhos têm um papel fundamental no cinema de horror e nos meus filmes também. Por eles, podemos enxergar a perturbação de cada alma.
JOSÉ MOJICA MARINS , o Zé do Caixão, é cineasta e ator. Dirigiu "À Meia-Noite Levarei sua Alma" e "Encarnação do Demônio".
DVD Paramount
VIDAS SECAS
(1964)
DE NELSON PEREIRA DOS SANTOS
WALTER LIMA JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA
Entre tantas sequências extraordinárias, desde as escadarias de Odessa ["O Encouraçado Potemkin"] e o ataque dos índios à diligência de John Ford ["No Tempo das Diligências", 1939], do enterro de "Milagre em Milão" [1950, de Vittorio de Sica] ao primeiro encontro noturno de "Aurora" [1927, de Murnau], escolho a sequência da morte da cachorra Baleia em "Vidas Secas". Uma sequência rara dentro de um filme raro na obra de seu autor. A perda irremediável do ente querido, o rompimento bruto da afetividade causado pela miséria, estabelecendo o clímax que encerra o processo de conhecimento dos filhos de Fabiano e Sinhá Vitória ao se verem diante da morte como recurso digno. Construída com planos precisos, de grande rigor plástico, a sequência cria um forte impacto emocional e é, ainda hoje, de absoluta eficiência -superando os rigores do tempo e dos modismos. Um ponto alto de qualquer cinematografia.
WALTER LIMA JR. é cineasta. Dirigiu "A Ostra e o Vento" e "Inocência", entre outros.
ALIEN 3
(1992)
DE DAVID FINCHER
DOMINGOS OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Isso de fazer listas, todos sabemos, é uma brincadeira. Assim sendo, desobedeço dizendo três ou quatro das cenas emblemáticas óbvias. A sequência final de "Oito e Meio" [de Fellini]. A sequência final de "A Felicidade Não Se Compra" [1946, de Frank Capra]. Carlitos [Charles Chaplin] representando a condição humana sobre a corda bamba de "O Circo" [1928]. Kubrick trocando em "2001", no ar, o osso pela espaçonave. E tantas outras. Mas existem sequências mais desapercebidas, como a de um filme menor, "Alien 3". No final, a tenente Ripley (Sigourney Weaver), prenha do monstro, joga-se de costas em uma imensidão fervente para proteger o filho. Para não morrer antes que o monstro nasça, entrega-se a um candente metal derretido. Ripley sorri, em paz, enquanto o fogo se aproxima. A sua barriga se rompe em pleno ar. E de lá sai, entre lágrimas da mãe, o monstro embrião. Esse tipo de delírio, talvez mais raro, prova que o cinema comercial americano é a arte mais cara do planeta.
DOMINGOS OLIVEIRA é cineasta e dramaturgo. Dirigiu "Todas as Mulheres do Mundo".
DVD Fox Videolar
O HOMEM DO SPUTNIK
(1959)
DE CARLOS MANGA
RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
Minha sequência favorita é a da sedução de Oscarito por Norma Bengell. Eram os três minutos mais sensuais do cinema brasileiro até então, com Norma, na glória de seus 23 anos, como uma espiã francesa inspirada em Brigitte Bardot -a mesma boca de beijos, as pernas quilométricas e, não por acaso, chamada Bebê. Foi filmada no Golden Room do Copacabana Palace ou na própria Atlântida, mas reproduzindo o salão do Copa. Radamés Gnatalli, autor da música do filme, fez uma genial paródia de canção francesa, que Norma canta com pronúncia impecável. O violinista em cena certamente foi dublado por Fafá Lemos. Oscarito está hilariante como o homem simplório que não sabe o que fazer quando Bebê o provoca, até que não resiste e deixa escapar uma explosão: "Gostosa!" -para a plateia, era como se, naquele momento, estivesse ejaculando.
DVD Europa Filmes
CASA DE BAMBU
(1955)
DE SAMUEL FULLER
CACÁ DIEGUES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Não existe uma melhor sequência da história do cinema. Mas uma das que me ocorrem sempre é a do travelling em plano único sobre um edifício de Tóquio [Japão], no filme "Casa de Bambu"", de Samuel Fuller. Nela, Robert Stack chega ao topo do edifício e parece estar sozinho. Ele começa a ziguezaguear pelo terraço enquanto novos e inesperados elementos passam pela câmara, nos revelam aos poucos que ali se encontra um corpo de baile e que o herói se envolve com as dançarinas em busca de sua amada. As imagens não estão apenas diante de nós, elas atravessam nossos olhos, nos provocam sobressaltos e sobretudo êxtase. A vertigem a que elas nos levam cria uma outra dramaturgia no interior do movimento. Nos travellings convencionais, o tempo nos oprime; neste, ele é o próprio tema, o sujeito transformador da cena, seu valor moral.
CARLOS DIEGUES é cineasta. Dirigiu "Bye Bye Brasil" e "Xica da Silva", entre outros filmes.
O ENCOURAÇADO POTEMKIN
(1925)
DE SERGEI EISENSTEIN
SÉRGIO BRITTO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A minha cena predileta é a da escadaria de Odessa. É politicamente fortíssima e realizada com um poder imenso. Tem aquele momento fantástico da mulher que está segurando um carrinho de bebê, recebe um tiro e larga o carrinho, que vai descendo a escadaria sozinho. É uma cena extraordinária, inesquecível, uma obra-prima tão grande que não tenho palavras para descrevê-la.
SÉRGIO BRITTO é ator.
DVD Continental
OITO E MEIO
(1963)
DE FEDERICO FELLINI
ANA CAROLINA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A cena clássica e para mim predileta da história do cinema é quando Marcello Mastroianni caminha desorientado pelo set de um novo filme que ele (no papel de diretor) vai fazer e ainda não conseguiu descobrir exatamente qual é. O produtor exige o roteiro [do filme], mas o diretor não consegue terminá-lo; aliás, o diretor não consegue nem escrever a sinopse com exatidão. O filme foi feito em magnífico preto e branco e todas as cenas de exterior estão sabiamente superexpostas. Podemos docemente lembrar da realização de "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964), de Glauber Rocha, onde Luiz Carlos Barreto fez uma fotografia de exterior primorosa, também superexposta, com o sol que explodia na alma do espectador.
ANA CAROLINA é cineasta. Dirigiu "Amélia" e "Gregório de Mattos", entre outros filmes.
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OITO E MEIO
(1963)
DE FEDERICO FELLINI
SÉRGIO REZENDE
ESPECIAL PARA A FOLHA
A maior cena da história do cinema só existe no espírito de cada espectador. A minha vem de um filme que tem como assunto as dificuldades -ou a impossibilidade- de fazer um filme, "Oito e Meio": a longa cena final, de quase dez minutos. Depois da sequência também magistral da fracassada conferência de imprensa, Guido/Mastroianni está no cenário deserto. Junta os cacos de sua memória afetiva e, embalado pela banda circense, dança no picadeiro com todos que lhe foram caros. Pensamentos, sentimentos, emoção, uma cena milagrosamente perfeita. "A vida é uma festa, vamos vivê-la juntos", diz Guido à sua mulher, a maravilhosa Anouk Aimée. Em filmes como "Oito e Meio", o cinema é uma festa que vale a pena viver.
SÉRGIO REZENDE é cineasta. Dirigiu "Salve Geral", "Guerra de Canudos" e "Lamarca".
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O DESPREZO
(1963)
DE JEAN-LUC GODARD
CARLOS REICHENBACH
ESPECIAL PARA A FOLHA
O momento fílmico que mais guardo na memória não é uma cena específica, mas uma elipse deflagradora. Nela está resumida a riqueza da gramática cinematográfica. Trata-se da cena de Camille (Brigitte Bardot) abandonando o marido (Michel Piccoli) e partindo com o produtor Jeremy Prokosch (Jack Palance). A elipse começa com um detalhe fechadíssimo da carta de despedida de Camille ao marido e prossegue com um longo travelling na direção do Alfa Romeo vermelho arrebentado em baixo de um caminhão de gasolina, com Camille e o produtor mortos no interior. A cena é pontuada pelo belíssimo "Tema de Camille", de Georges Delerue.
CARLOS REICHENBACH é cineasta. Dirigiu "Falsa Loura", "Dois Córregos" e "Alma Corsária", entre outros filmes.
DVD Cinemax
2001 - UMA ODISSEIA NO ESPAÇO
(1968)
DE STANLEY KUBRICK
ARLINDO MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Escolho a sequência quase final, imediatamente anterior à chegada do astronauta na sala branca. No roteiro, ela é descrita como "viagem através do tempo e espaço" e é a maior aventura não-figurativa da história do cinema. São dez minutos de imagens totalmente abstratas, ao som eletrizante de Gyorgy Ligeti [compositor austríaco]. Infelizmente, o cinema, salvo raras exceções em curtas-metragens experimentais de vanguarda, sempre se rendeu à ditadura da figuração, da reprodução automática do visível. Mas com essa sequência, ele finalmente descobre Kandinsky, Mondrian e toda a reinvenção da visualidade que se deu no século 20.
ARLINDO MACHADO é professor de comunicação na USP e na PUC-SP.
DVD Warner Home Videolar
FÉRIAS DE AMOR
(1955)
DE JOSHUA LOGAN
SYLVIO BACK
ESPECIAL PARA A FOLHA
Talvez a mais erótica sequência jamais vista até então no cinema americano, sempre tão pudico, travado e censurado. Em soberbo e voluptuoso balé de corpos desejosos, Madge [Kim Novak] e Hal [William Holden] gingam feito duas tarântulas a caminho do acasalamento. Uma sensualidade tão explícita que, a cada compasso da música, marcado pelo estalar de dedos de ambos, é como se o tempo tivesse parado e apenas os movimentos suaves da câmara recendessem à taquicardia dos amantes. E à nossa, com o mesmo impacto cinco décadas e meia depois.
SYLVIO BACK é cineasta e dirigiu "Aleluia, Gretchen", "Lost Zweig", entre outros filmes.
DVD Sony Pictures
BEIJOS PROIBIDOS
(1968)
DE FRANÇOIS TRUFFAUT
ROBERTO MOREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Indico o primeiro flerte entre Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) e Fabienne Tabard (Delphine Seyrig) em "Beijos Proibidos". A cena segue convenções da comédia romântica, como o jogo de olhares entre os futuros amantes, e a sucessão de eventos dentro da cena é perfeitamente verossímil. No entanto, não acontece uma sucessão ordenada de causas e efeitos, como alguns eventos pouco motivados e surpreendentes, em especial a fuga de Antoine ao final. Truffaut também sobrepõe diversas referências a outros filmes, como a decupagem típica de Lubitsch [cineasta alemão] no diálogo em volta da mesa, a distensão temporal no momento do cafezinho que lembra o neorrealismo e a fuga de Antoine filmada e sonorizada como num filme de Hitchcock. É preciso ver e rever para notar o uso irônico dessas referências na mise-en-scène e perceber, com toda a complexidade, o tom leve de Truffaut. Mas essa não é a cena mais marcante na minha experiência do cinema. É só o que tem me interessado mais hoje em dia.
ROBERTO MOREIRA é professor de cinema na USP e cineasta. Dirigiu os filmes "Contra Todos" e "Quanto Dura o Amor?".
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DUAS OU TRÊS COISAS QUE EU SEI DELA
(1967)
DE JEAN-LUC GODARD
ISMAIL XAVIER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em "Duas ou Três Coisas Que Eu Sei Dela", seguimos Juliette num dia qualquer em Paris. Na sequência em pauta, ela está num posto de gasolina; seu carro passa pelo lava-rápido. No compasso de espera, a voz de Godard e as imagens compõem um momento de notável poesia. Na cena, a iconografia pop, o brilho do carro-fetiche e as cores metálicas emolduram os rostos. No entorno da cena, vemos ao longe as folhas que o vento agita. Estas evocam a primeira sessão de cinema, em 1895, ocasião da frase de Georges Méliès, "no cinema, as folhas se movem", que exaltava a força do novo meio no seio das artes visuais às voltas com o efêmero, o fugidio. Há algo dessa consagração do instante na cena de Godard, uma palpitação de vida que logo se dissolve, mas tudo aí marca a diferença, pois a natureza já não é um campo transparente à vista. A reflexão sobre o cinema e o século, entre 1895 e a pop art, sugere que o tremor de Juliette, embora rime com o das folhas, expressa a complexidade do momento vivido, não mais como empatia com a natureza, mas como confronto com a segunda natureza.
ISMAIL XAVIER é professor de cinema na USP e autor de "O Olhar e a Cena" (ed. Cosac e Naify) e "O Discurso Cinematográfico" (ed. Paz e Terra).
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2401201001.htm
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