Aimé Fernand David Césaire (Basse-Pointe, Martinica, 26 de junho de 1913 — Fort-de-France, 17 de abril de 2008) foi um poeta e político francês. Foi, juntamente ao Presidente do Senegal Léopold Sédar Senghor, o ideólogo do conceito de negritude e sua obra é marcada pela defesa de suas raízes africanas.
Foi presidente da câmara (prefeito) de Fort-de-France durante 56 anos, entre 1945 e 2001.
Aimé Césaire: "a cultura é tudo o que o homem inventou para tornar o mundo vivível e a morte afrontável"
Maryse Condé (entrevista)
(...)MC Começarei por uma questão de atualidade. O Haiti ocupou um lugar considerável em sua obra. O que você pensa dos acontecimentos que se passam nele?
AC E patético! A história do Haiti é gloriosa. Jamais esqueci que essa ilha conquistou a liberdade há duzentos anos: a liberdade não lhe foi dada. Os haitianos combateram para tê-la. Mas é preciso insistir no fato de que eles a conquistaram não somente para si mesmos mas para todos nós. Nós devemos lhes ser gratos por isso. No entanto, devo dizer que, esse episódio à parte, houve realmente momentos extremamente penosos, ao ponto que, apesar dessa liberdade conquistada, a desgraça quer que jamais os haitianos tenham podido achar uma organização razoável capaz de assegurar uma espécie de equilíbrio. Eles criaram uma péssima herança. É claro, eles conquistaram a liberdade, mas a sociedade não mudou de maneira tão profunda quanto se teria desejado. Primeiro, houve os brancos, os mestres escravagistas, e depois o povo… nós. Encontra-se agora a situação em que a classe intermediária que substituiu os brancos conservou muitos hábitos, e péssimos hábitos. Eles pegaram um pouco seu lugar e não desempenharam o papel que aguardávamos e esperávamos. O Haiti procura seu equilíbrio e nem sempre o achou.
MC Você pensa que se pode escrever La tragédie de Jean-Bertrand Aristide como você escreveu La tragédie du roi Christophe?
AC Conheço muito pouco Aristide. Fui ao Haiti em 1945. O presidente Lescaut estava então no poder. Isso me permitiu ver naquele momento Léon Lalo, Camille Broussan - Depestre era ainda muito jovem. Conheci essa geração. Eu estava lá justamente no momento em que André Breton passava e dava essa conferência sobre o surrealismo que teve muita influência. “Parece-me evidente que o destino desse país é inseparável de suas crenças e de seus ideais seculares, desde o instante em que estes aqui se mostrem ainda tão vivazes. O que lhe deu a força para suportar primeiro, e depois para sacudir todos os jugos, o que foi a alma da resistência, é o patrimônio africano que ele conseguiu transplantar aqui e fazer frutificar apesar de suas correntes.” (André Breton, 1945).
Após, segui a situação com atenção, mas não quis retornar ao Haiti no período de Duvalier. Lembro-me de que, durante minha estada, um tipo realmente muito interessante que conhecia todos os pavimentos do Cabo-Haitiano – esqueço seu nome, estou velho e perco a memória – me apresentou um senhor de ar reservado, um pouco tímido… Era o doutor Duvalier! Eu estava longe de pensar que um dia Duvalier ia se tornar o tirano que foi. E um pouco a mesma coisa para Aristide: eu o vi quando ele voltava dos Estados Unidos. Ele passou aqui, na Martinica. Até mesmo organizamos uma conferência em sua homenagem! Ele falou. Era um intelectual, um católico, antigo padre, cheio de reservas. Mas não senti nele uma doutrina. Vi sobretudo um homem muito reservado, talvez (não estou certo disso) um pouco voltado sobre si mesmo. Qual era sua doutrina? Não sei. O que ele queria fazer? Não sei. Qual era seu caráter e tinha ele a energia necessária para conduzir esse país que não é fácil? Não me dei bem conta disso, na época, mas estava lá para eu ver. E depois, rumores circulavam. Fiquei totalmente espantado quando me disseram que ele empregava métodos que acreditávamos desaparecidos para sempre. O que quer que seja, não me parece que Aristide tenha realizado grande coisa para o povo do Haiti. Se o progresso consistiu em substituir simplesmente os “tontons macoutes” pelas “quimeras”…
MC O escritor haitiano Jean Métellus fala muito da maldição do Haiti. Você acredita nessa maldição?
AC Não, mas há o peso da História. No fundo, Haiti – como as outras Antilhas, aliás, mas lá é muito mais trágico – não está inteiramente curado dos males herdados da época colonial, que era infelizmente uma época colonialista. O povo haitiano é inteligente, as elites são numerosas, mas o que há de notável, é que os espíritos mais brilhantes dessa elite emigraram. Eles estão no exterior e jamais encontraram seu lugar no Haiti. Lembro-me de ter conhecido vários deles quando eu estava no Liceu Louis-le-Grand, em Paris - os nomes me escapam às vezes e às vezes não tenho tanta vontade de pronunciá-los -, e quando os revi no Haiti, eles tinham o ar infeliz e davam a impressão de estar um pouco marginalizados.
MC Ao olhar o estado do mundo, você pensa sempre que a poesia é “arma miraculosa” que pulveriza as barreiras que entravam as liberdades?
Luis López GabúAC Não sei se ela é miraculosa…
MC Foi você quem disse.
AC Para mim, a poesia é muito importante, ela é até mesmo fundamental. Com ou sem razão, sempre pensei que a arma para nós - não acreditávamos nisso suficientemente - é a cultura. Não digo a civilização, que é uma palavra muito do século XIX. Opunha-se então a civilização e a selvageria. Mas os etnólogos e a experiência nos ensinaram que há a cultura. Defino a cultura assim: é tudo o que os homens imaginaram para moldar o mundo, para se acomodar no mundo e para torná-lo digno do homem. E isso, a cultura: é tudo o que o homem inventou para tornar a vida vivível e a morte afrontável. Enquanto martiniquense, sempre pensei que havia alguma coisa que não era apreciada em sua justa medida na Martinica e nas Antilhas. Oh, isso não é uma crítica! Há a História, há os Estados. Fomos dominados pela idéia do escravagismo e era preciso lutar contra. Pertencemos à nossa época e é preciso admitir que a terceira República inventou uma doutrina que tínhamos adotado totalmente. Era a doutrina dita da assimilação, que consistia, para ser civilizado e não ser mais um selvagem, em renunciar a um certo número de coisas e em adotar um outro modo de vida. Tudo isso é completamente respeitável mas é muito século XIX e muito rápido, já no liceu - com teu irmão Auguste[1] - eu sabia então que isso era respeitável mas insuficiente. Essa doutrina não respondia mais às necessidades do século XX! Era o século XIX, era o romantismo, eram as ilusões do passado. Não é preciso ser ingrato: é evidente que isso rendeu enormes serviços, mas no mundo moderno, era necessária uma outra coisa. Eis porque fui muito rapidamente conquistado por uma idéia que não tinha então ainda todo seu lugar - mesmo se ela não era desconhecida – em nossos comportamentos e em nossas filosofias: a identidade. Quando os martiniquenses diziam “assimilação”, quando fui eleito deputado, eles me pediam para voltar da França com a Martinica departamento francês. Confesso que fiquei perturbado. Hesitei. E estou convencido, cara Maryse Condé, que aquela que está diante de mim, que revejo ainda sentada, refletindo, em seu escritório da Rua des Ecoles, com Alioune e Christiane Diop, me compreenderá. Hesitei. Finalmente - e isso foi um drama para mim - compreendi. A assimilação, isso significa a alienação, a recusa de si mesmo. E terrível…(...)
LEIA NA ÍNTEGRA EM :
http://www.revista.agulha.nom.br/ag53cesaire.htm
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