segunda-feira, 6 de outubro de 2008

"RICARDO SANT'ANNA REIS" - CONCEDEU ENTREVISTA ESPECIAL A ESTE BLOG

(entrevista concedida à Nadia Stabile,para o blog Sarau Para Todos)

Nadia: Ricardo...como e quando você se descobriu poeta?

Ricardo: Esta pergunta tem vários complicadores. A poesia é de fato um mistério. Não se pode ter certeza de quando e onde começa. Mas, desde que você intui que o mundo vai alem da aparência dada, que existe uma enorme faixa de constituição do individuo em que a experiência se move entre a insatisfação e o alumbramento, a poesia começa a pulsar em você como emoção.

Nadia: Mas é pura emoção?

Ricardo:Não. Passar a escrever a trabalhar a técnica poética, é outro processo. Normalmente esta necessidade surge por uma angustia forte pela expressão de descobertas intimas, que precisam ser anunciadas ao mundo. Isto te leva a adquirir um conhecimento específico, racional, o domínio da linguagem que te permita a artesania das palavras, a busca da sonoridade, a rítmica, transformando a atividade poética em algo que ao mesmo tempo é simples e complexo, fruto de um conhecimento acumulado historicamente, e quase intraduzível como processo.

Nadia: Dominando a linguagem, já se é poeta?

Ricardo: É claro que não. O domínio da linguagem, por si só, não garante que ninguém seja verdadeiro poeta. Escrever versos não é ser poeta. Posso aprender a tocar violino, mas se serei um virtuose, que emociona a quem assistir minha performance, quem poderá dizer? Se nem todos podem ser poetas, a verdade é que todos tem a necessidade da poesia em suas vidas, enquanto humanização, expressão de afetividade, etc. Ser um patrimônio de todos é a virtualidade da poesia, enquanto necessária universalidade, embora o leitor de poesia deve educar-se para apreende-la, de fato. A poesia de verdade, deve ser capaz de emocionar e revelar uma verdade, seja em Recife ou nos Cantões Suissos. Quanto mais próximo a vivência comum de um homem, maior a capacidade de falar a todos. Como dizia Fernando Pessoa, nada mais universal que o rio que passa na minha aldeia. A poesia é também atemporal, pois você partilha num continum, o mesmo anseio, por exemplo, que o jovem poeta Castro Alves diante da atrocidade moral da escravidão, estabelecendo as bases fundadoras e identificatórias do projeto humano. Não há possibilidade da poesia se dissociar da busca pelos melhores valores, do interesse de transformação do mundo através da beleza. Por isso a poesia é cada vez mais necessária.

Nadia: O que distingue ser poeta de outras formas de ser? O que a poesia te traz como experiência própria?

Ricardo: A poesia é uma linguagem sintética e descompromissada com uma narrativa naturalista, prosaica, e possibilita que se tangencie várias essências estéticas artísticas diferentes. É um elemento de forte capacidade de integração das artes. A incapacidade relativa da poesia em transmitir uma apreensão fechada das experiências, permite que o leitor faça as suas próprias descobertas essenciais, fazendo dela um veiculo para a projeção da transcendecia, quase um religare com a representação divina da existência humana, constantemente conspurcada pelo contexto de relações marcadas pela alienação do ser, pela luta pelo pelo poder, etc. Trata-se de arte por excelência. Indo alem do simbolismo da palavra, a estrutura cultural representada pela língua, o fazer poético renova-se na pretensão do pensamento mágico, e te faz se reaproximar da liberdade da criança por um eixo que parece fazer todo o sentido, que é a afetividade. Pela poesia, você transita de forma horizontal no âmago inconsciente das pessoas. Mas, deixando de lado as digressões, eu diria que o melhor de ser poeta é treinar a capacidade de olhar e perceber o que não está imediatamente posto, descobrindo uma segunda e melhor possibilidade de leitura do real. É quase uma esquizofrenia mas, o que seria do mundo se não existissem os artistas para dizer que viver é transcender, e por isto, devemos cuidar do viver, da natureza, etc, como se cuida de algo único e valioso.

Ricardo Reis 05/10/08

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