terça-feira, 5 de maio de 2015

MAIORIDADE PENAL? por "PASSALIDADES ATUAIS"



https://www.facebook.com/PassalidadesAtuais/posts/576910412451289

"punir pessoas por crimes cometidos como resultado da falta de oportunidades de [educação e trabalho], é uma armadilha pusilânime preparada para o povo."
  

Confúcio
    às vésperas do quinto centenário do descobrimento do Brasil, a jornalista Lucy Dias e o psicanalista e historiador Roberto Gambini, em diálogo publicado no livro Outros 500 –Uma Conversa Sobre a Alma Brasileira, expressaram a seguinte ponderação relativa à gênese da infância brasileira:
    “o que não tem lugar dentro e não pode ser assimilado, será projetado para fora e destruído. um menino brasileiro, filho de pai português e mãe tupinambá, não tem lugar na corte, é um pária, fruto de um acaso. também não pertence ao mundo da mãe. vai ficar num vazio, à espera de que algo seja construído. não sabe que direção seguir e nunca saberá quem é. nem pai nem mãe lhe servirão de espelho ou modelo de identidade.”
    em viagem exploratória ao Brasil, trezentos e dezenove anos depois do descobrimento e relativo às suas impressões sobre a infância e família em nosso país, Auguste de Saint-Hilaire registra em seu diário:
    “... o desprezo com que são encarados os laços de família. os casamentos são raros e sempre ridicularizados, sem dúvida um conceito que se originou da imoralidade dos primitivos colonos. os brancos levam uma vida desregrada, em companhia de mulheres negras ou índias; interessam-se pouco pelas crianças que nascem dessas uniões passageiras... as crianças nascidas dessas uniões... não recebem qualquer educação; cedo se habituam a todos os vícios, corrompem-se na ignorância, não conhecem nem família nem pátria...”
    [ Viagem à Província de Goiás col. Reconquista do Brasil vol. 8 pg. 125 ed. da Universidade São Paulo 1975 ]

    duzentos anos depois do registro acima, ainda é possível deparar-se no âmbito existencial de milhares de crianças brasileiras com situações idênticas às do relato abaixo, remontando fatos ocorridos no final dos anos 90 do século XX, no centro da maior cidade brasileira. a saber:
    “eu adorava brincar no lixão perto da minha casa. ele ficava num terreno baldio onde as pessoas jogavam todos os lixos, por preguiça de colocar onde passava o caminhão. eu pegava potinho de margarina, de iogurte e ficava brincando de casinha. às vezes eu achava uma boneca sem cabeça e também brincava… ali era o meu esconderijo... onde eu podia me isolar de todos.
    quando eu estava maiorzinha, comecei a ter vergonha de pedir esmola. e minha irmã, a que ainda está viva, chorava, porque ela estava ficando mocinha e os outros queriam passar a mão nela. ela não queria pedir esmola. uma vez dei escândalo no ônibus porque não queria pedir esmola. então eu queria ter outra mãe... eu imaginava a mãe das minhas amigas sendo a minha mãe. na hora do almoço as meninas tinham comida, tinham horário pra tomar banho. o relacionamento delas com as mães era diferente do meu com a minha mãe. não só porque às vezes a gente tinha que acordar de madrugada pra ela parar de bater na gente, mas porque as mães delas davam carinho.
    ...atrasaram a minha vida. abriam uma instituição, iam na Sé, passavam a mão na minha cabeça, mandavam um caminhão pra levar a gente pra essa instituição e depois de mais ou menos quatro meses a instituição fechava e mandavam a gente pra rua. tinha criança que estava na escola, outras que estavam trabalhando e que dependiam dessa instituição pra dormir. mas ela era fechada.
    todos os meses, na Sé, ia alguém e falava:
    "-olha, nós abrimos um projeto! agora nós vamos trabalhar, dar comida..."
    na primeira semana era um paraíso, mas já na segunda semana virava um horror: faltava água quente, pasta de dentes, sabonete, recursos médicos, não tinha coberta pra dormir e nem o salário dos funcionários vinha direito.
    então eu era insegura, não confiava em ninguém. eu sabia que eles não faziam, então preferia ficar na Sé, na rua mesmo. às vezes o governo mandava pro bequinho um caminhão de arrastão. ele saía recolhendo todo mundo, depois ficava um monte de crianças e jovens em fileira. eles pegavam a gente e deixavam o dia inteiro, das sete da manhã às oito da noite, sem comer, sem ir ao banheiro, e apanhando.
    a gente acordava apanhando e ficava lá apanhando. isso era pro governo falar:
    "-olha, aqui no centro não tem mais trombadinha!"
    [Esmeralda do Carmo Ortiz em Esmeralda, por que não dancei pág. 198-9 4ª edição ed. Senac 2001]
leia na íntegra em :
 http://passalidadesatuais.blogspot.com.br/2011/02/outros-500.html

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