terça-feira, 11 de maio de 2010
RESENHA - História e Ficção - Convergências entre política indigenista e movimento indianista - REGINA ABU-JAMRA MACHADO
História e ficção –
Convergências entre política indigenista e movimento
indianista
Resenha de Regina Maria Abu-Jamra Machado*
TREECE, David. Exilados, aliados, rebeldes –
O movimento indianista, a política
indigenista e o Estado-nação imperial.
São Paulo, Nankin/Edusp, 2008.
Inventando
uma tradição? Este título da primeira
parte da introdução, seguida
imediatamente por dados censitários
brutais, vem lembrar que a população
indígena, de 5 milhões no século XV,
caiu para 100.000 na virada do século
XX, e fornece o primeiro elemento
definidor de um processo destrutivo de
proporções genocidas a contrastar
permanentemente com o perfil do índio
na mitologia integracionista nacional.
Segue-se a análise de conceitos chave
na evolução da política indigenista
desde o império até a “democracia
racial” e o “luso-tropicalismo”, as
ideologias neocolonialistas da “Marcha
para o Oeste” de Getúlio Vargas e seu
contemporâneo integralismo,
geralmente banhando numa noção geral
de “conciliação”, segundo a qual a
assimilação do índio pressupõe
convergência de interesses. Ora, lembra
Treece, o relatório de Darcy Ribeiro
encomendado pela UNESCO, Os índios
e a civilização, “virou de ponta-cabeça
as suas expectativas e as de seus
patrocinadores”, expondo como a
mitologia da integração mascarava a
desintegração social e cultural, “o
esfacelamento da identidade coletiva
das comunidades tribais e a dissolução
de indivíduos alienados no anonimato
da sociedade dominante.”
Protagonista onipresente em toda a
gama de expressões artísticas dos
séculos XVIII e XIX, o índio vem a
corporificar ironicamente o mesmo
nacionalismo que o aniquila. Esta ironia
ocupa um lugar central na reflexão
produzida pelos escritores indianistas,
como demonstra a tese de David
Treece, que traz para o centro do debate
acadêmico o fato, jamais bastante
acentuado, de ter sido o indianismo,
além de um movimento artístico, uma
arena de debate sociopolítico. Visto
como o “movimento de nacionalismo
cultural mais coerente antes do
Modernismo”, obra de escritores
notáveis, patrocinados pelo Imperador
D Pedro II, “o indianismo foi uma viga
mestra do projeto imperial de
construção do Estado, o mais
importante objeto de reflexão artística e
política a exercitar a mente de sua elite
intelectual por mais de meio século.”
As sucessivas investigações dos
fenômenos característicos do
movimento indianista continuam pelo
século XX afora, com as abordagens
estruturalistas dos anos 1970 seguidas
por análises cada vez mais abrangentes,
tanto por parte de pesquisadores
brasileiros quanto americanos ou
europeus.
Quanto ao objetivo declarado do estudo,
é tratar o fenômeno indianista “como
um movimento cultural e intelectual em
diálogo consigo mesmo e com as
correntes políticas e ideológicas mais
amplas de seu tempo, e rehistoricizá-lo,
reconhecer nele as múltiplas e
frequentemente contraditórias vozes de
um discurso coletivo como também de
autores individuais a intervirem
conscientemente no processo social.”
A segunda e última parte da Introdução,
“Imagens do Império”, apresenta o
indianismo como uma sequência de
imagens que “serviram para
conceitualizar as formas reais e
possíveis do Estado-nação brasileiro.”
Isso leva à confrontação obrigatória
com o não reconhecimento de que a
condição do índio “era uma questão
política em todo o período, envolvendo
historiadores, estadistas e escritores, em
debate prolongado e, com frequência,
apaixonado”, política e movimento
literário mostrados em permanente
interação.
O capítulo I examina sobretudo os
textos produzidos pelos jesuítas sobre o
índio durante os dois primeiros séculos
de colonização, enquanto fonte
principal da literatura indianista
subsequente: “Os mitos e estereótipos
dos épicos indianistas do século dezoito
e da literatura romântica indianista,
embora revestidos da ideologia
iluminista e liberal, foram, em grande
medida, herdados dessa tradição
jesuítica primeva.”
O capítulo 2 acrescenta uma
interrogação capital já no título:
“Extermínio ou integração?
Independência, conflito civil e política
indigenista depois de Pombal”, para
chegar até a consolidação da
independência durante a primeira
metade do século XIX, examinando a
onda liberal da Regência, com todas as
suas contradições, bem como a primeira
geração de escritores indianistas que,
como já mencionado, tendo-se apoiado
sobretudo nos relatos quinhentistas e
seiscentistas, deixa para escritores como
Bernardo Guimarães a tarefa de retratar
as consequências trágicas da
destribalização tal como se verifica
então. A notável oposição à política de
extermínio determinada por D. João VI
em 1798, levantada por José Bonifácio
logo após a Independência, bem como
sua ação como deputado, é
detalhadamente exposta e analisada,
arrematada por conclusões inhabituais:
primeiro, uma associação entre “a
condição do indígena e a do escravo
negro e suas respectivas relações com o
Estado e a sociedade.” Estabelece-se
uma filiação direta de José Bonifácio a
“seus sucessores mais proeminentes,
como Gonçalves Dias, Joaquim Manuel
de Macedo e José de Alencar”, levando
ao questionamento do “problema” da
escravidão, que viria assim a constituir
“uma questão de ordem implícita do
indianismo oitocentista” Os dois ciclos
de agitações e revoltas populares que
respondem à total ausência de reformas
das estruturas coloniais, são
introduzidos pela pergunta de um
deputado em 1831: “Como há de
marchar o regime novo com as mesmas
molas do regime velho?” E a
constatação: “O caráter dos primeiros
vinte anos de literatura romântica
indianista, de 1835 em diante, encontrase
inequivocamente moldado por esse
clima de conflito, instabilidade e
desintegração federal.”
Uma contribuição que nos parece
importante assinalar é a abrangência da
pesquisa, que traz textos raramente
abordados nas histórias literárias, com
algumas contribuições inéditas de
pesquisadores brasileiros. Mesmo a
análise de escritores relativamente
conhecidos, como Teixeira e Sousa,
nessa perspectiva interdisciplinar, traz
novas e instigantes abordagens, como “a
possibilidade de formular uma série de
comentários que ficariam entre as mais
acerbas denúncias da marginalização
social e racial sob o Império, que a
literatura desse período produziu.” Vida
e obra de Gonçalves Dias, em seguida,
são também revisitadas à luz das
contribuições mais significativas da
bibliografia sobre o autor, em torno da
qual gira a parte mais importante das
reflexões desenvolvidas nesse capítulo.
A política da conciliação é discutida no
capítulo 3, paralelamente à política
indigenista, bem como a ausência da
questão fundamental da escravidão na
literatura desse período, enquanto o
índio é idealizado sob os traços do
“guerreiro tribal como o escravo
voluntário da representante feminina da
ordem colonial”, encarnado no índio
Peri. Essa década, iniciada com a
publicação dos “Últimos cantos” por
Gonçalves Dias, seguida pelo “O
Guarani” de José de Alencar, é vista
também sob o ângulo da aprovação da
Lei de Terras e da lei Eusébio de
Queiroz e suas consequências sobre a
política indigenista. No ano de 1851,
um marco nem sempre lembrado é a
publicação insólita pela liberal revista
Guanabara do “Memorial orgânico” de
Varnhagen, e a polêmica então aberta
pela defesa que faz este de um
implacável uso da força e da retomada
das “bandeiras” coloniais com seus
propósitos de escravização dos índios e
liberação das terras para colonização
por brasileiros e imigrantes.
No capítulo 4 tratar-se-á do período de
1870 a 1888, com a intervenção de
abolicionistas como Joaquim Nabuco,
cuja polêmica com José de Alencar é
examinada de modo a mostrar as
contradições presentes em ambas as
posições em confronto. Os escritores
analisados nesta última fase do império
representam correntes que já se afastam
do idealismo romântico, trazendo à cena
literária o caboclo e uma nova rebeldia
contra uma ordem social ainda uma vez
em crise. Particularmente interessante é
o exame da evolução das posições de
José de Alencar, desiludido das
“conciliações” da década de 1850, como
da nobreza cavalheiresca dos
donatários, que cedem a vez ao
“autoritarismo cru dos barões
latifundiários do nordeste” no “O
sertanejo”, ou de outros barões ou
fazendeiros nos outros romances da
última fase do escritor.
Na conclusão, é globalmente examinado
“O legado indianista”, bem como o
desejo expresso de se acabar com o
indianismo romântico culminando com
a rejeição desse movimento pelos
Modernistas de 1922, paralelamente à
evolução das políticas indianistas
durante o século XX. No último
parágrafo são abordadas as constatações
que se impõem ao final deste século,
com as terríveis consequência dos
sucessivos projetos de integração ainda
e sempre assolando as populações
indígenas do país. O texto se fecha por
uma recapitulação da radical alteridade
das culturas indígenas, com seu
canibalismo visto e revisto pelo
romântico Gonçalves Dias, o único que,
“em seu poema “I-Juca-Pirama”,
compreendeu algo de seu poder como
expressão de uma visão alternativa e
utópica de integração social e autorealização.”
***
DAVID TREECE é Professor do
Departamento de Estudos portugueses e
brasileiros no King’s College de Londres.
Autor de documentários sobre a Amazonia
(anos 80); na Inglaterra. Em 1996, criou o
Centre for the Study of Brazilian Culture
and Society, que se tornou o maior produtor
de trabalhos acadêmicos em Estudos
culturais brasileiros, literatura e história.
Sua atividade acadêmica continua
dinamizando o interesse por assuntos
ligados ao Brasil.
* Regina Maria Abu-Jamra Machado é Doutora pela universidade Paris 3/La Sorbonne Nouvelle -
2007 - literatura brasileira - titulo: Ficção e café no vale do Pariba - Três romances da fazenda
escravagista. Tradutora e pesquisadora em literatura e historia - romantismo, 2° reinado, José de Alencar,
fazendas de café, vale do Paraiba.
FONTE : http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/9589/5487
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Amigos poetas blogueiros, parabéns por utilizarem a internet como forma de dividir com o mundo o seu pensar, o seu compreender, desempenhando a missão do poeta que é se afirmar como ser humano, sobretudo perante si mesmo, captar os arquétipos coletivos de sua época e princípios universais, permitindo após compreender-se ou não compreender-se, que pela sua obra os da sua época tenham referência alternativa para fazer a leitura do mundo e as gerações posteriores entenderem a própria história da humanidade. Tudo temperado pelo sonho, pela sensibilidade e pela utopia. PASSOU A ÉPOCA DE ESCREVERMOS E GUARDAR NA GAVETA NOSSAS CRIAÇÕES DEPOIS DOS MAIS PRÓXIMOS FINGIREM TER LIDO PARA NOS AGRADAR. Através do meu blog quero aprensentar-lhes a video-poesia, que usa várias linguagens de uma só feita, a serviço do texto. Se gostar divulgue e compartilhe com os seus contatos. Acessar em:
ResponderExcluirwww.valdecyalves.blogspot.com