domingo, 2 de maio de 2010

AINDA SOBRE A 5ª FEIRA NEGRA - 1

Assim como ocorria durante o macartismo estadunidense, fui colocado pela grande imprensa numa espécie de lista negra, de forma que minha posição nunca pode ser citada, mesmo quando dou contribuições pertinentes para a compreensão de períodos históricos dos quais participei.

Todos os artigos que escrevi sobre o julgamento acerca do alcance da anistia política no STF foram enviados, como sempre, aos editores de Opinião e Política de jornalões e revistonas. Não se pode dizer que trouxessem mais do mesmo; pelo contrário, eram interpretações diferenciadas.

Ninguém publicou. Não lhes convém que minhas análises ganhem mais quilometragem do que a que estou conquistando, a duras penas, na internet.

Mas, claro, os leitores desses veículos podem ler a mesma coisa dias depois, repetida por um comentarista aceitável. Alguém que esteja apenas ajudando os leitores a situar-se face aos acontecimentos políticos, não tendo nenhum compromisso com a revolução, como o que eu mantenho há quatro décadas (sem nenhuma intenção de revê-lo ao me tornar sexagenário, o que acontecerá dentro de alguns meses...).

Assim é que a Folha de S. Paulo traz neste domingo (02/05) um belo texto do colunista Jânio de Freitas, A Falta da História, cujos trechos mais marcantes vale a pena reproduzir aqui:
"Sete dos votos no STF adotaram, com mínimas diferenças verbais, o argumento de que 'a anistia foi amplamente negociada entre civis e militares'. Mas que negociação foi essa e qual foi a amplitude alegada, agora como à época?

"A reivindicação de anistia começou ainda no ano em que se deram o golpe e suas primeiras formas de repressão política e física, incluída a tortura (...). Quando a anistia foi discutida, porém, já os militares estavam no poder havia 15 anos.

"Logo, estava evidente (...) quais eram as partes da negociação. De um lado, o poder discricionário, poder armado, sem condicionamentos institucionais, e sem pejo no uso dessas características do regime. De outro lado, os oponentes postos ainda sob a sujeição àquelas características do regime, sempre procurando pequenas brechas (...) onde cultivar mais uns palmos de resistência. A oposição parlamentar, existente só por consentimento do regime, e 'depurada' dos oponentes mais perturbadores, não esteve livre daquelas condições no decorrer do breve processo de discussão e fixação dos termos da anistia.

"Foi sob a desigualdade extrema das partes que se deram as 'negociações amplamente feitas entre civis e militares'. De que meios a oposição ao regime dispunha para fazer exigências, ou uma que fosse? Nenhum. Nem por isso faltaram menções à punição dos autores de tortura, mortes, estupros e desaparecimentos de presos. Tais cobranças foram publicadas por alguns jornais, no Congresso houve quem ousasse levá-las à tribuna. O regime recusou-se a discuti-las. Era a limitação pela força. A oposição esticou o quanto as condições lhe permitiram. Os militares entregaram até onde começava a própria razão de admitirem a anistia parcial ao 'inimigo', como dizem ainda.

"A razão era objetiva: tratar de se assegurarem a impunidade, sem risco algum para a continuidade de suas carreiras ou fora dela. Assim como se dava no exterior, aqui, até entre empresários beneficiados pelo regime, a mínima abertura no governo Geisel foi bastante para demonstrar que o poder imposto entrara em esgotamento irreversível. Nessa perspectiva, admitir a possibilidade de punição a qualquer ato traria risco a suas ramificações na hierarquia das responsabilidades. Na forma e no teor, a anistia foi feita pelo poder militar para o poder militar."
Sem dúvida, uma análise perfeita de um veterano e venerando mestre.

Mas, os leitores da Folha a receberam com um atraso imperdoável no jornalismo: o jornalão foi superado por um mísero blogue!

Pois, vejam se não foi a mesma coisa que eu coloquei no ar e imediatamente repassei à própria Folha, na manhã de 6ª feira (30/04):
"...em seu interminável e chatíssimo blablablá, os ministros do Supremo não deram resposta satisfatória a uma questão crucial: leis votadas por Congressos que funcionam precariamente em regimes de exceção têm o mesmo peso das produzidas na vigência plena das liberdades democráticas?

"Pois o Congresso que pariu a anistia de 1979 era aquela casa da sogra que os militares fechavam tantas vezes quantas quisessem, cassando seus membros a bel-prazer, dissolvendo e/ou reorganizando partidos na marra e impondo restrições as mais arbitrárias a quem pretendesse se candidatar a uma cadeira.

"Ou seja, tratava-se de um Congresso purgado, manietado e intimidado, que funcionava como Poder de fachada, pois o verdadeiro e único Poder estava na caserna.

"Pretender que o mostrengo engendrado nessas condições – a anistia que igualou algozes e vítimas – tenha sido um pacto sagrado de conciliação nacional, desculpem-me os doutos ministros, é simplesmente risível.

"No fundo, os parlamentares estavam pisando em ovos e a esquerda anuiu sob chantagem, pagando o preço que lhe impuseram para a libertação de presos políticos e o retorno seguro dos exilados.

"A anistia que os algozes concederam a si próprios foi uma aberração jurídica, inclusive, porque nenhum deles tinha sido ou estava sendo punido de forma nenhuma. Colocou-se no mesmo plano a anistia das vítimas presas/barbarizadas e o habeas corpus preventivo dos criminosos recompensados/promovidos."
c.q.d.

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