segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Caso BATTISTI: Extradição, Expulsão ou Deportação são Impossíveis - Por Carlos A. Lungarzo


Caso BATTISTI: Extradição, Expulsão ou Deportação são Impossíveis - Por Carlos A. Lungarzo
http://aluzprotegida.blogspot.com.br/2017/10/battisti-extradicao-expulsao-e.html

Carlos A. Lungarzo Prof. Unicamp (RT), SP, Brasil

 Do ponto de vista das leis brasileiras ou da legislação internacional, a extradição de Cesare Battisti é impossível. 

 Do ponto de vista fáctico, porém, quase tudo é possível. Quando se aplica força bruta, a única defesa é uma força bruta de maior intensidade e sentido oposto. Mas, nós não temos força bruta, nem a usaríamos se tivéssemos. Todas as batalhas que ganhamos até agora, foram sempre com base na força moral e na honestidade que ainda ficava nas instituições entre 2007 e 2015. Porém, é possível que a honestidade que fica hoje possa ainda ser suficiente. É por isso que falaremos da impossibilidade legal de extraditar Battisti. 




Extradição em Sentido Estrito 

O que a Itália quer é que Battisti caia em suas mãos. Se isso acontecer, a figura jurídica não interessa muito. Ora, existem apenas três figuras jurídicas para “tirar” um estrangeiro de um pais. Além de extradição, há outras duas: a expulsão e a deportação. Vou demonstrar neste artigo que qualquer uma dessas três possibilidades é impossível do ponto de vista legal. Claro que nem para a Itália nem para o Brasil a legalidade importa. Então, poderia ser aplicado um método expeditivo: o sequestro policial, como já se tentou fazer em 2004, 2015 e outras datas. Porém, não trataremos disso neste artigo, embora esse risco deva ser seriamente considerado. Vou começar analisando a Extradição em Sentido Estrito. 

Decisão do STF 

No dia 09/09/2009, o Supremo Tribunal Federal do Brasil (STF) começou o julgamento do pedido da Itália para que Cesare Battisti fosse extraditado. As deliberações acabaram só em 18/11/2009, pois o ministro Marco Aurélio de Mello havia pedido vistas ao processo.Na primeira fase, em 09/09, o STF aprovou, por 5 versus 4 votos, a extinção do refúgio de Battisti, que lhe havia sido outorgado em 2008 pelo Ministro da Justiça, Tarso Genro. Na segunda fase, em novembro desse ano, o STF tomou duas decisões: 

(1) Autorizou a extradição de Cesare Battisti (observem que enfatizo a palavra “autorizou”, e não digo “ordenou”.) 
(2) Reconheceu o direito do chefe do Estado (na época, o presidente Lula) para decidir se executava ou recusava a extradição. Há duas observações que são necessárias. 

Primeira Observação O STF, sendo um organismo jurídico, não executa; o que ele faz é decidir sobre a legalidade de um ato. Neste caso, autorizou a extradição. Mas, quem foi o autorizado? Foi aquele que tem o direito natural de aceitar ou recusar: o chefe do Estado. Observemos que, como disse um dos ministros (Joaquim Barbosa), o STF não extradita ninguém. Ele apenas julga se a extradição é aceitável. Quando o STF nega a autorização, o chefe de Estado não pode extraditar, porque isso seria desrespeitar o judiciário. Quando a autorização é autorizada, como no caso de Battisti, o chefe de Estado pode executá-la (manda o extraditando ao país requerente), mas também pode recusá-la, como fez Lula com Battisti. Esta faculdade do chefe de estado acontece em todos os países “razoáveis” e se baseia no fato de que o perigo do estrangeiro e a necessidade de refúgio são problemas políticos que não devem ser avaliados pelo judiciário. Segunda Observação Em 18/11, um dos ministros que participou do julgamento da extradição, talvez querendo evitar conflitos futuros, propôs que o tribunal votasse se o chefe de Estado poderia decidir sobre a extradição, ou, inversamente, estaria obrigado a aceita-la. Esta votação era desnecessária, porque, pela Constituição Brasileira e a legislação internacional, o Chefe de Estado tem o direito de decidir, e ninguém pode tirá-lo dele. A votação sobre o assunto “Pode ou presidente escolher entre aceitar ou recusar a extradição?” deu este resultado: Pode, sim. Também por 5 votos contra 4. Está muito claro na Constituição Federal (artigo 102, I, g) que o STF tem atribuição para processar e julgar a extradição. Isso é bem diferente de “executar” e não cabe pensar que os juízes não sabem diferenciar entre esses conceitos. 

CONCLUSÃO: No dia 18 de novembro de 2009 ficou decidido, por 5 votos a 4, que o presidente estava autorizado a extraditar ou a negar a extradição, e que a decisão deveria ser dele.



Decisão de Lula 


No dia 31/12/2010, Lula publicou um decreto pelo qual recusava a extradição. O texto foi controlado pelos assessores da Advocacia Geral da União, e seu caráter jurídico estava livre de erros ou quaisquer outros problemas. 

Aprovação da Decisão de Lula 

Em 09/06/2011, o STF se reuniu de novo para considerar o despacho do ex-presidente Lula. Era visível que, mesmo alguns inimigos de Battisti votariam a favor, pois o decreto era juridicamente perfeito. A maioria de seis juízes votou a favor da soltura de Cesare. Então, resumindo: O decreto de Lula foi reconhecido pelo STF como um objeto com legitimidade jurídica, sem erros nem vícios. Pelo placar de 6 versus 3, o STF decidiu a soltura de Battisti e, portanto, sua admissão no país. 

As “Descoberta” dos Inimigos 

O raciocínio dos que desejam o linchamento de Battisti argumentam o seguinte: 
1. O STF, no dia 18/11/2009, decidiu autorizar ao chefe do executivo a extraditar Battisti, ou a recusar o pedido de extradição apresentado pela Itália. 
 2. Ora, o chefe de estado Lula da Silva, recusou a extradição por um decreto de 31/12/2010. 
 3. Porém, se o chefe de estado se chamasse de outro jeito, por exemplo, João Garcia, a ação jurídica teria a mesma validade. 
4. Então, agora, sete anos depois, o chefe de estado é outro, o Temer. Então, usando a mesma decisão do STF que autorizava extraditar Battisti, Temer poderia fazer o oposto: ou seja, com o mesmo direito que Lula usou para rejeitar, Temer poderia extraditar
A lógica do raciocínio parece correta, porém... Qual seria o status do novo decreto que usaria Temer? Ao fazer um decreto para extraditar, Temer deveria revogar o decreto que recusava a extradição. Os linchadores continuam: 
Por que não? Um decreto é um ato administrativo. Há decretos que deixam de ter validez. Anulação já! 
O problema é evidente. Se um decreto que envolve direitos de uma pessoa pudesse ser anulado a qualquer momento, essa pessoa viveria numa absoluta insegurança jurídica. 
O “x” da questão é bastante simples. Deveríamos dispor de um instrumento que permita anular o decreto anterior. Os italianos e seus fiéis subordinados no governo brasileiro, disseram ter encontrado a solução: 

 A solução seria uma Súmula do STF que autorizaria a modificar atos administrativos. (Uma súmula é um verbete que reúne critérios que são consensuais para o STF em determinados temas.) Os “extraditantes” comunicaram à imprensa a descoberta dessa súmula, mas não deram mais dados. Não entanto, o mistério não é foi grande. A famosa é a súmula 473 de 1969 que diz o seguinte:  A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. (Grifos meus) Observemos os seguintes detalhes: 

(1) O decreto não está eivado de vícios que o tornem ilegal. Do decreto se origina o direito de Battisti de permanecer livre no país. Esse é um direito fundamental, e a anulação do decreto seria a punição de sofrer duas (?) prisões por vida. Então, ele não está entre os atos que podem ser anulados pela própria administração. 

(2) Mas, também não pode ser revogado, porque sua revogação desrespeita o direito adquirido por Battisti de viver em liberdade. 

(3) A ressalva a apreciação judicial, significa que a justiça tem direito a opor-se à modificação do decreto, não que o judiciário possa, agora, dizer a Temer que deve fazer outro decreto. Mas, há também mais um empecilho: Ora, imagine que a anulação do decreto não criasse nenhum problema. Por exemplo, o decreto autorizasse a comprar 20 canetas para um funcionário da Presidência. Esse decreto talvez não criaria grave problema se fosse revogado, mas, para garantir que isso de fazer decretos e depois revoga-los deve colocar-se um prazo. 

Esse prazo existe: é um prazo máximo de cinco anos. O prazo do decreto de Lula já foi esgotado em 2015. Porém, deve ficar claro que, mesmo se não tivesse expirado o prazo, o decreto de Lula não está dentro das condições da súmula 473. 



Expulsão e Deportação 

Expulsão 
A expulsão é um ato privativo do Presidente da República, e consiste em “empurrar” o estrangeiro fora do território brasileiro. Ele pode ser enviado a qualquer pais, ou colocado na fronteira mais próxima. A expulsão pode ser aplicada em muitos casos diferentes, porém há casos em que não é aplicável. Cesare Battisti está num dos casos de impossibilidade. Ele tem um filho brasileiro, ainda na primeira infância e, portanto, dependente econômica e afetivamente do pai. Mesmo os governos mais iníquos, como o do Estado Novo e até a ditadura militar de 1964, respeitavam esta proibição. Em toda a história do direito brasileiro, há apenas um caso, em 1953, de um português pai de brasileiro que foi expulso, por cometer um grave assassinato em território nacional.


 Porém, mesmo que o presidente tivesse direito a intimar a expulsão, o caso foi julgado no STF e o estrangeiro perdeu por apenas um voto. Então: 

Deportação 
Deportar alguém é devolvê-lo ao porto de partida, ou, então, a um porto em que esteve anteriormente a sua chegada ao país. Vejamos o exemplo típico: um hondurenho entra ilegalmente aos EUA passando por México. A polícia migratória pode detê-lo e, como não possui documentos americanos, pode deportá-lo, ou seja, devolvê-lo a Honduras, ou colocá-lo na fronteira de México, ou enviá-lo à capital do México, etc. etc. Este método pretende diminuir a imigração ilegal, e se aplica sob as seguintes condições. (1) Em geral, um deportado é alguém que está chegando ao país, e ainda não se estabeleceu, nem tem uma vida integrada no país. Portanto, sua deportação pode ser feita pela polícia ou por um juiz, sem muita formalidade. (2) O deportado não possui uma permissão de residência no país, nem um visto válido, e sua condição é considerada irregular. Vemos facilmente que Battisti não está sujeito a nenhuma situação que justifique ser deportado, porque: (1) Ele não está no país de maneira precária. Ele trabalha no Brasil, e neste país já escreveu quatro livros, dos quais três foram publicados pela editora Martins Fontes. O último está sendo corrigido agora. Ele tem filho, esposa, amigos e domicílio declarado e comprovável. (2) Ele tem documentos. Como disse antes, ele não é refugiado. Claro que os refugiados também têm documentos, mas o documento de um imigrante pode ter validade limitada. Como se pode acusar de estar precariamente no país alguém que trabalha e vive normalmente há mais de seis anos e têm residência pelo resto de sua vida?Além disso, quando Cesare foi sequestrado por uma maquinação de dois procuradores e uma juíza, o Tribunal Federal do DF lhe concedeu uma limitar, que seu advogado, Igor Tamasauskas conseguiu com enorme celeridade. O Tribunal Federal do DF julgou ilegal essa tentativa de deportação, porque constituía uma extradição fantasiada. 

Em Resumo: 

Battisti não pode ser extraditado 
porque: 1. A única súmula do STF que autoriza a modificar um decreto é a 473, de 1969, mas esta proíbe fazê-lo quando prejudica direitos adquiridos, e só pode ser usada quando há vícios jurídicos no decreto. 2. Mesmo que decreto fosse irrelevante, já não fica mais prazo para a modificação. 

Battisti também não pode ser expulso 
porque: 1. Tem filho Brasileiro menor dependente. 2. Não há nenhum motivo para a expulsão. 

 Battisti não pode ser deportado 
porque: 1. Tem residência legal definitiva. 2. O tribunal de Brasília encerrou definitivamente o assunto.



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