O
MAESTRO E A FILARMÔNICA DE VIENA
Otávio Martins
Sinceramente, em certos
momentos, a meu ver ele juntava entre as mãos, todo o som que vinha
da grande orquestra. Depois, sorria, como se quisesse dizer, com
aquele punhado de notas que, agora, ao espalhá-las pelo ar, era,
exatamente, como havia planejado e pensado, ou imaginado, sabe-se lá.
Como se aquilo tudo o que estava acontecendo, fosse o resultado do
que ele esperava daqueles músicos; aparentemente, sem a mesma
projeção de um dirigente de orquestra, mas, cada um, com a sua
contribuição e participação importantíssimas, pessoal, seja qual
fosse o instrumento. Interessante, também, era quando alguns, ou
pequenos grupos, tocavam alguma parte
– como se muitas fossem,
as partes da música – davam a impressão, embora se ouvissem
tantos outros, de que estavam sozinhos; tocando aos seus bels
prazeres. Nada, tinha um monte deles, de outros naipes, a
sustentar, como se fora uma esteira, aquela linda emissão de sons.
Acho que era o acompanhamento. Sei lá, não sei bem como é que isso
funciona. No comecinho, juro, fiquei com medo. Apreensivo pelo
sujeito que, parecia, tocava solitário, uma flauta, que chamam de
transversal. Acompanhamento (ou solo, vai saber!) somente uma caixa,
branquinha, que, teimosamente, repetia os compassos iniciais, do
mesmo jeito que havia começado. E, assim, foi-se por toda a
apresentação, de cabo a rabo, entravam e saiam instrumentos; em
certos momentos até a orquestra inteira; e ele lá, impassível,
repetindo aqueles primeiros compassos, daquele jeitinho que havia
começado. Pensei: Será que é assim, mesmo? Ou ele tem medo de
arriscar-se? Outros sopros iam-se revezando. Depois, com o avançar
da música, juntavam-se, em plena solidariedade. Cada vez mais alto.
Eu já estava achando a participação das tais cordas – violinos,
violas, celos, contrabaixos – e outros, muito contida. Será que
iriam ganhar a mesma coisa? Só faziam pim, pim, pam, pam, com as
pontinhas dos dedos. Pra ser honesto, tinha lá o seu efeito. Os
sopros não paravam de entrar e sair. Acho que uns ajudavam aos
outros na hora do aperto. Até uma harpa, fazendo, o mesmo que outras
cordas – pam - pam - com a pontinha dos dedos. Sabem aquele cara da
caixa que falei agora há pouco? continuava na mesma batidinha:
Tan-tan-tan-tan/tan-tan-tan-tan/Tan-tan/Tan-tan-tan-tan/Tan-tan-tan-tan-tan-tan-tan.
Repetia, de forma acintosa, cada vez mais alto, aqueles benditos
primeiros compassos. Apesar daquele monte de instrumentos, mais os
respectivos acompanhamentos, a intensidade aumentava, mas, a música,
parecia sempre igual. Já beirava os quinze minutos. Aí, sim, me
caiu o queixo, As tais cordas, atacaram, pra valer. Agora,
seguramente, fariam jus ao cachê. Mas a música, sensação
estranha, patinava e andava e, ainda, por cima ficava mais alta. Mais
bonita. O maestro, a bem da verdade, pra mim, não estava mais
regendo. Fazia lá uns trejeitos; abria os braços; usava o dedo
indicador da mão esquerda como se fora uma segunda batuta, apontando
ora para uns e, ora para outros músicos. Sempre com aquela cara de
satisfeito. Certamente os músicos ainda estavam correspondendo às
suas expectativas. Acho que alguns, os quais estavam na plateia
pensaram que nem eu: afinal, este tabladinho aí é pra reger ou pra
dançar? Deixei pra lá. Cada um com o seu cada um. Como todo
maestro, chegando ao fim, escabelou-se. Tinha um cara, acho que
tocava um trombone de vara, assim, como se estivesse no quintal da
casa dele. Tocando como bem entendia. E como entendia! E a música
patinando e andando. Que sensação estranha. No final, sinceramente,
não entendi. Achei que tinham desafinado. Acho que, até, trocaram,
ou tropeçaram no tom, sei lá. Mas, todo mundo aplaudiu. Os tais
entendidos. Sinal de que era assim, mesmo. Essas são as minhas
considerações a respeito do Bolero de Ravel, com a Orquestra
Filarmônica de Viena, sob a batuta do ótimo maestro, venezuelano,
Gustavo Dudamel. Ê turminha danada, sô!
*1ª publicação com o vídeo, ouça em:
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