Por Celso Lungaretti
No meu artigo Comissão da Verdade: por que parou, parou por quê?, afirmei que "mais do que a mim mesmo, gostaria de ver na Comissão o companheiro Ivan Seixas, por sua atuação incansável contra os carrascos da ditadura e pelo magnífico papel que desempenhou no episódio das ossadas de Perus".
A companheira Tânia Veiga, participante destacada de fóruns de discussão da internet como o Portal Luis Nassif, levantou, nos comentários, uma objeção que deu ensejo à troca de idéias abaixo sobre a participação de ex-resistentes e figuras ligadas à ditadura na Comissão Nacional da Verdade.
Acredito que, no mínimo, sirva para lançar algumas luzes sobre o assunto --o que já justifica sua reprodução.
TÂNIA: IVAN SEIXAS NÃO
PODE, POR SER ATINGIDO
Ivan Seixas não pode, por ser atingido. Mas há muitos outros nomes interessantes.
CELSO: UM GOVERNANTE PRECISA
MOSTRAR CORAGEM POLÍTICA
Eu discordo totalmente do critério de que vítimas não possam participar. Carrascos, sim, têm de ser impedidos.
É uma daquelas ocasiões em que um governante precisa mostrar coragem política --como o Lula, quando não se vergou às pressões italianas no Caso Battisti.
E eram pressões bem maiores do que as de parlamentares reacionários.
TÂNIA: DEVEMOS ENTENDER AS
REGRAS DA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO
Justiça de Transição é uma área do direito recente, mas muito bem sedimentada, nascida no Tribunal de Nuremberg.
Se queremos que a Comissão da Verdade seja respeitada por que podemos vetar a participação dos carrascos e podemos aceitar a participação das vítimas? Essas devem relatar suas histórias e não participar das decisões. Isso que se deve entender! Como podemos pedir isenção se um dos participantes for atingido?
Se queremos que toda a sociedade aceite e respeite as decisões da Comissão devemos entender essas regras da Justiça de Transição!
CELSO: JAMAIS SERÍAMOS CAPAZES
DE LINCHAR MORALMENTE ALGUÉM
DE LINCHAR MORALMENTE ALGUÉM
Não se pode igualar carrascos e vítimas, nem dar aos primeiros os direitos de réus.
Por um motivo óbvio: não se trata de um julgamento, mas sim de uma investigação histórica, para produzir um veredicto oficial sobre o período de exceção.
E não há hipótese nenhuma de que as autoridades e os agentes da ditadura sejam inocentes: são, de antemão, culpados. Conspiraram e derrubaram um governo legítimo, governaram sob terrorismo de estado e cometeram atrocidades de todo tipo.
A própria instituição das comissões de Anistia e de Mortos e Desaparecidos Políticos já implicou o reconhecimento de que houve arbítrio, houve vítimas do arbítrio e, consequentemente, culpados do arbítrio.
O que está agora em pauta é definir-se exatamente o que foi cometido e por quem, com finalidades históricas e não punitivas.
Neste sentido, cabe, sim, a participação de antigos resistentes, insuspeitos de tendenciosidade ou ânimo linchador.
P. ex., existe qualquer dúvida quanto à imparcialidade e espírito de justiça de Jacob Gorender, ex-dirigente do PCBR?
Você colocaria em dúvida minha imparcialidade e espírito de justiça?
Evidentemente, nós dois condenaremos esses carrascos, EM BLOCO, até o dia da nossa morte.
Mas, quanto às responsabilidades individuais, jamais seríamos capazes de linchar moralmente alguém. Talvez até lhes concedêssemos mais o benefício da dúvida do que quem não foi resistente.
E por que nós poderíamos participar da Comissão e não eles?
Pelo mesmo motivo que os nazistas foram julgados por seus inimigos em Nuremberg: em razão da monstruosidade dos crimes que cometeram.
Sendo que, lá, produziram-se condenações à morte.
Aqui se produzirá apenas um relatório.
Por tudo isto, eu repudio enfaticamente a falácia de parlamentares direitistas, viúvas da ditadura ou corvos que ela criou --pois foram eles que primeiramente impugnaram a participação de antigos resistentes na Comissão.
Faz sentido na lógica deles, de considerarem que os dois lados cometeram crimes.
Não faz sentido na lógica da civilização, que condena os crimes dos déspotas, mas reconhece o direito dos cidadãos de resistirem à tirania, inclusive pela via armada.
Então, faço um veemente apelo à presidente Dilma, que num dia longínquo de 1969 conheci como companheira Vanda: não cooneste tal falácia dos inimigos de ontem, de hoje e de sempre.
Sabendo que as práticas ditatoriais são indefensáveis numa democracia, já desistiram de eximir-se de suas culpas.
Tentam, isto sim, igualar-nos a eles, puxar-nos para baixo, para seu esgoto moral e para a lixeira da História.
É hora de dar-lhes a resposta digna e altaneira que merecem.
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