Por Celso Lungaretti
Convidado pela Folha de S. Paulo a expressar a posição contrária à blietzkrieg sobre Pinheirinho, como contraponto à defesa do cumprimento cego de decisões errôneas e desumanas da Justiça feita por um tal de João Antonio Wiegerinck, o grande Plínio de Arruda Sampaio produziu uma análise corretíssima da doença, mas receitou um remédio letal para o paciente que pretende curar e para muitos mais: a defesa das ocupações pela via armada (ver íntegra aqui). Eis sua argumentação:
"Pacífica, despolitizada e sem organização, essa população tem aceitado a situação intolerável sem recorrer à violência. Até quando?
Isso vai continuar acontecendo enquanto os partidos de esquerda deixarem de cumprir seu papel de conscientizar e organizar essa massa, para que ela resista a esses ataques de armas na mão.
Na hora em que isto for uma realidade, não haverá violência, porque a consciência dessa realidade será suficiente para manter os cassetetes na cintura".
A revolta do Plínio é pra lá de justificada e compreensível. Seu impecável relato dos acontecimentos mostra mesmo uma situação inaceitável numa democracia. Mas, se a esquerda conscientizar e organizar a massa das ocupações, para que resista aos jagunços fardados com armas na mão, vai se tornar ela própria parte do confronto.
Aí, as hipóteses serão apenas duas:
"Há soldados armados, amados ou não, quase todos perdidos de armas na mão" |
- organizando tão somente os ocupantes, não os explorados e excluídos em geral, as lições do passado apontam para um quadro bem diferente do sonhado por Plínio, com os cassetetes permanecendo, sim, na cintura, mas porque substituídos por fuzis e lança-chamas --ou seja, a esquerda e os ocupantes acabariam esmagados pelos efetivos a serviço da propriedade, cujo poder de fogo, claro, é infinitamente superior;
- se a esquerda partir para a organização dos trabalhadores e excluídos em geral, no sentido de respaldarem a resistência de armas na mão aos crimes consentidos pelo Executivo e avalizados pelo Judiciário (como foi o caso do Pinheirinho), a radicalização de parte a parte inevitavelmente desembocará numa luta armada como a que foi travada contra a ditadura de 1964/85.
Daquela vez, estavam bloqueados todos os caminhos democrátivos para a contestação do regime implantado mediante golpe e sustentado por meio do terrorismo de estado. Entre resignarmo-nos à lei do mais forte ou lutarmos contra o arbítrio, alguns milhares fizemos a opção mais digna, pegando em armas a despeito de estarmos plenamente conscientes do quanto a correlação de forças nos era desfavorável.
Fomos heróis. Fomos mártires. Fomos massacrados.
"Nos quartéis lhes ensinam antigas lições de morrer pela pátria e viver sem razões" |
Já predominamos na web e isto nos deu fôlego suficiente para vitórias antes improváveis, como a que obtivemos no Caso Battisti e ao rechaçarmos o atentado à liberdade de expressão perpetrado em São Paulo, quando a Marcha da Maconha foi reprimida.
Então, com todo o respeito que Plínio de Arruda Sampaio, com sua exemplar trajetória de lutas, merece dos que travamos o bom combate, desta vez ele foi traído pela emoção. A análise serena nos recomenda que:
- continuemos levando sempre em conta a correlação de forças --ou seja, que não radicalizemos as lutas além de nossa capacidade real;
- não forneçamos trunfos e pretextos para a direita golpista que mostrou suas garras na USP, na cracolândia e no Pinheirinho;
- prossigamos disseminando nossas idéias em escala cada vez mais ampla e resistindo às investidas autoritárias com as armas do espírito de justiça e da superioridade moral, não com armas de fogo.
O que faltou em Pinheirinho não foram necessariamente armamentos. Se, posicionados ao lado dos coitadezas da ocupação, lá estivessem, digamos, 50 mil cidadãos pacíficos e determinados, provavelmente isto teria sido "suficiente para manter os cassetetes na cintura".
Vamos é trabalhar para termos 50 mil bons cidadãos no lugar certo e na hora certa, da próxima vez.
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