Acordados e de Olhos
Abertos
Carlos A. Lungarzo
Há
alguns minutos recebi um e-mail enviado por uma pessoa que assina Almiria Guida
Cardoso, em nome da ANCREB (Associação Cubana de Residentes no Brasil – José
Martí), com o título ACORDA SUPLICY.
Nele,
ao se referir à defesa da blogueira Yaomi Sánchez se denuncia que
o Sr. Deputado (SIC!!) Eduardo
Suplicy se prestou para fazer o jogo da direita e de seus porta vozes
mediáticos no Brasil
Ser deputado pode ser um título muito
honroso e, aliás, nos países mais democráticos do mundo, que geralmente são
unicamerais, os deputados são os únicos representantes do povo. Chamar um
senador de deputado não é falta de
respeito. Os autores do e-mail poderiam chamar a ele de “companheiro” ou de “Eduardo”,
porque, como pessoa altamente democrática, simples, amigável e solidária, ele
procura sempre a forma de contato mais igualitária com todo o mundo.
Mas, chamar de deputado a um senador,
é como chamar de engenheiro a um dentista. Nenhum dos dois é superior ao outro,
mas quem faz esta confusão prova que está muito mal informado e, portanto,
coloca em dúvida sua credibilidade em aspectos mais sutis, onde adquirir
informação exata pode ser mais difícil que perceber que o mais conhecido legislador
da América Latina (que é respeitado até numa Itália dirigida pelo fascismo e a
máfia) já cumpriu 22 anos como senador, amplamente votado num distrito
eleitoral tão difícil como o paulistano.
Pergunto-me, apenas por curiosidade,
qual é o grau de interesse na realidade brasileira, destas pessoas (os do
ANCREB) que dizem ter feito do Brasil sua segunda pátria e elogiam a disposição
do governo brasileiro para ignorar as violações internacionais aos direitos
humanos em nome de interesses comerciais, militares ou estratégicos.
(O caso de Cuba, certamente, não é o
pior. O ex presidente Lula já manifestou seu afeto pela república dos
ayatolhás, considerou da alçada interna do Irão impedir o apedrejamento de uma
mulher, e não ocultou sua simpatia pelo carniceiro do Sudão.)
A manifestação da ANCREB, em que se
interpreta a defesa dos DH como uma provocação contra sua pátria, coloca
imediatamente algumas conclusões que gostaria de saber como seriam respondidas
pelos autores. Vou dar como exemplo uma, que me envolve pessoalmente:
Eu sou argentino, e pertenço a uma
família tradicional de Buenos Aires, que durante 5 gerações esteve misturada
com a política do país. Nas décadas de 70 e 80, os militantes de DH do Brasil
se manifestaram energicamente contra a truculenta, sádica e doentia ditadura
militar de meu país, que exterminou aproximadamente o 0,2% de sua população.
Deveria, pergunto, ter ficado ofendido porque criticavam “minha” pátria?
Os simpáticos hermanos que me
prestigiam com seu e-mail, me consideram um traidor? Estou adivinhando alguma
das respostas:
- A ditadura argentina não foi eleita pelo povo.
É verdade, mas foi fortemente apoiada
por ele, e reuniu mais de um milhão de fanáticos no centro de Buenos Aires,
quando o insano ditador Galtieri anunciou a invasão às ilhas Falkland Malvinas,
cujas consequencias não precisam ser explicadas.
Pode argumentar-se que a ditadura argentina
não era de esquerda, mas de direita. Este pode ser um argumento mais sério, mas
apenas para os que acreditam que existem ditaduras de esquerda. O socialismo é
um estágio superior ao da democracia
e, portanto, supõe a democracia. Ou seja, pode existir democracia sem
socialismo, mas não socialismo sem democracia.
A referência a Suplicy neste e-mail é
a única claramente personalizada, o que me induz a pensar que ele é considerado
parte dos setores de “direita e pro-norteamericanos” no Brasil. Eu não quero
assumir a irresponsabilidade de acusar aos autores do e-mail de ter injuriado o
deputado... perdão, quis dizer... o senador. Mas, se por ventura minha suspeita
for verdadeira, eu gostaria de saber:
Se Suplicy é considerado de direita,
qual é a esquerda Brasileira?
A dos que mandam condolências pela
morte do demencial ditador da Coréia do Norte? A dos que justificam a corrida
nuclear em Meio Oriente? A dos que querem sepultar no esquecimento os crimes da
ditadura militar?
Ou, para ser ainda mais preciso: o
que os senhores entendem por esquerda? Um sistema sem direitos humanos, sem
liberdade, sem igualdade, cuja única bandeira é o anti-imperialismo? Quer dizer
que ditaduras não imperialistas são inofensivas, como a de Congo ou de
Bielorús?
Pessoalmente, não tenho uma idéia
clara de quem é Yaomi Sánchez, mas confio nas informações de Wikileaks. Não tenho dados confiáveis
para dizer se ela está ou não financiada pela CIA e, como toda pessoa racional,
não me pronuncio sem provas. Mas, acredito que isso possa ser provável. Seria
raro que a CIA deixasse escapar a oportunidade de ajudar a alguém que,
quaisquer que sejam suas intenções, contribui a enfraquecer o governo cubano.
Porém, mais importante é saber se
suas afirmações são verdadeiras ou
falsas, e isso não pode saber-se se não for confrontada com outras pessoas,
como pretendem fazer os que promovem sua visita ao Brasil. Se a CIA apoia
alguém para dizer algo, será que, apenas por isso o que a pessoa fala se torna
falso? O que importa, como disse a
famosa revolucionária Rosa Luxenburg, é a VERDADE. A história nos
mostra que as alianças políticas mudam, mas o que importa é quanto elas serviram para a
emancipação dos povos.
Para os companheiros que não saibam,
veja aqui quem foi
Rosa Luxenburg!
Dizem que Sánchez trai sua Pátria
(sic) ao difundir críticas ao sistema que governa Cuba. Será então que os
milhões de latinoamericanos que trabalhamos desde o exterior para ajudar a
queda das ditaduras de Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai, Bolívia nos anos
70, também somos traidores? Ou será que há Pátrias de distintos estilos?
Eu teria ignorado realmente este
e-mail chauvinista e piegas (e, talvez, oportunista, ao aproveitar o ensejo
para adular o nacional-populismo brasileiro), mesmo tendo sido dirigido
diretamente a mim (na lista de URLs não aparece nenhuma indicação de que seja
SPAM). Mas, as pessoas que o escreveram tentam enlamear a figura de um
legislador que é um modelo de honestidade, eficiência, coragem e princípios,
que defendeu perseguidos políticos como Cesare Battisti com risco para seu caudal
eleitoral e eventualmente (nunca se sabe) para sua vida.
Não poderia nomear todas as causas
nobres sem retorno eleitoral, nas quais Suplicy esteve envolvido. A foto que
encabeça este artigo foi tomada durante sua intervenção numa favela incendiada.
Pretende-se sujar alguém que obra sempre
da maneira mais ética, e que se mantém com grande coragem no meio de um
ambiente político eivado pelo acomodamento, os cambalachos e a corrupção, uma
figura que seria um luxo não apenas para o Congresso de um país realmente
democrático, mas para sociedades modelo com Suécia ou Noruega.
Aliás, este sujo panfleto diz que o “deputado”
Suplicy “fez o jogo da direita” como em
outras ocasiões. Só, por curiosidade, quais são as outras ocasiões???
Minha posição pessoal neste assunto
não interessa, até porque nos ambientes em que me movimento é bem conhecida.
Entretanto, devo observar a profunda má fé deste libelo eletrônico. Nem o
senador Suplicy, nem os poucos que o apoiamos desde a esquerda, desconhecemos a
atrocidade do bloqueio a Cuba nem os aproximadamente 4000 atentados terroristas
perpetrados contra a ilha, desde 1959.
Mas, defender o direito de expressão
e o direito milenário da livre movimentação, não pode ser confudido, como se
sugere neste panfleto, com apoiar o terrorismo da antiga Alfa 66, ou do veterano
criminoso Posada Carriles, ou das vingativas propostas de Mel Martínez.
Camaradas: se vocês querem ser
respeitados por suas idéias, sejam honestos. Entre exigir a liberdade de
expressão, mesmo de pessoas que (eventualmente) sejam de direita, e apoiar o
terrorismo contra o governo cubano, há uma grande diferença.
Uma diferença muito maior que a que existe entre senador e
deputado.
Quem deseja que sua causa seja
respeitada, deve ter atitudes respeitáveis. Quem pretende combater o que
entende por “provocação” e para isso usa a calúnia e o insulto, só encontrará
parceiros entre os politiqueiros profissionais de baixo cacife moral. Mas
pensem que eles não são de fiar. Eles apoiam hoje o governo cubano, mas podem
abandoná-lo se encontrarem um negócio melhor.
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