domingo, 1 de janeiro de 2012

APOCALÍPSE QUANDO?

Por Celso Lungaretti

Esta é a ameaça...
Depois da consagração com "Disparada" no Festival da Record de 1966, Geraldo Vandré tentou repetir a dose no ano seguinte: na mesma linha do épico do boiadeiro, inscreveu um épico... do chofer de caminhão.

A estrutura era idêntica, havia também uma introdução ("Meu senhor, minha senhora/ vou falar com precisão/ não me negue nesta hora/ seu calor, sua atenção") bem nas pegadas da anterior ("Prepare o seu coração/ pras coisas que eu vou contar/ Eu venho lá do sertão/ e posso não lhe agradar"), letra longa descrevendo a   jornada do imbecil até o entendimento, etc.

E, como rendera boa divulgação prévia a utilização de uma queixada de burro como instrumento musical, ele levou novamente uma atração bizarra para o palco: uma possante buzina, que soou os acordes iniciais de "De como um homem perdeu seu cavalo e continuou andando" (ou, simplesmente, "Ventania").

A repetição de fórmula não colou, mas não era uma composição descartável. Gosto até hoje desta estrofe:
"Andei pelo mundo afora
querendo tanto encontrar
um lugar pra ser contente
onde eu pudesse ficar.
Mas a vida não mudava
mudando só de lugar"
É também meu sentimento em relação à virada da folhinha.

A vida não muda mudando só de ano, embora queiramos sempre acreditar que o seguinte será melhor... apenas porque já não suportávamos mais o outro.

...estes, os principais ameaçados...
Só que há razões bem determinadas para nossos anos serem ruins. Dá para enfeixá-las numa única palavra: capitalismo.

Assim, p. ex., existem duas bombas-relógios em nosso futuro, por  cortesia  dessa entidade que verdadeiramente já morreu, mas deixamos continuar nos desgraçando, ao invés de cravar-lhe a estaca que a reduzirá a pó.

A primeira é a grande depressão que, mais dia, menos dia, desabará sobre nós, como consequência do represamento das crises cíclicas capitalistas --elas antes eram periódicas e relativamente mais brandas, agora o sistema consegue postergá-las, empurrando-as mais e mais para a frente, o que não impedirá o elástico de acabar arrebentando. E aí a crise iniciada com o  crack   de 1929 parecerá, provavelmente, brinquedo de criança.

Será em 2012 o  apocalypse now? Ou continuaremos nessa lenta agonia que já tragou Grécia, Espanha, Itália? As pedras do dominó continuarão tombando uma por vez ou vão cair todas de uma vez?

A outra incognita são as consequências do aquecimento global. Vimos em Fukushima o trailer do que está por vir: a conjugação de sismo e tsunami com a insegurança nuclear quase completou a obra estadunidense de agosto/1945, tornando o Japão uma ilha bem mais nua que a do filme do Kaneto Shindô.

Catástrofes naturais continuarão ocorrendo, mesmo se tomarmos as medidas necessárias para impedir que a indústria automobilística e outros focos de poluição atmosférica extingam a espécie humana. Já não se trata mais de evitá-las, e sim de minorar sua intensidade e  período de duração  (nosso  período de provação).

E nem isto estamos, realmente, fazendo. Parece que as coisas ainda terão de piorar, antes de começarem a melhorar.

...e este, o motivo da ameaça.
É certo que a fúria da natureza vai aumentar neste ano, como veio aumentando nos últimos. Mas, não dá para prevermos se haverá ocorrências de extrema gravidade em 2012 ou vamos ser poupados. Elas estão sendo incubadas e os ovos vão eclodir, cedo ou tarde.

O que fazer?

Iludir-se com a desconversa dos pistoleiros de aluguel acadêmicos e midiáticos do capitalismo?

Deixar-se tomar pelo pessimismo, arrancando os cabelos?

Resignar-se à vontade divina?

Aproveitar ao máximo os últimos dias de Pompéia, e que se dane o mundo?

No fundo é questão de temperamento --além do dever de legarmos vida a quem demos vida.

Mas, como dizem os zen-budistas, o dever só obriga quem acredita que o tem. E o capitalismo insufla ao máximo o egoísmo e a indiferença pela sorte dos outros --quaisquer outros, até filhos e netos, salvo no que tange aos gastos para aplacar a consciência culpada por não lhes dar a atenção que merecem...

Falo por mim, e sei que meus leitores são afins: lutarei com todas as minhas forças, nos anos que me restam, para que minhas filhas e netos não vivam e morram num planeta devastado.

E também porque lutar é sempre minha primeira reação face aos poderosos, suas injustiças sem perdão e seus crimes sem castigo.

Foi o grande motivo de eu ter entrado no caminho das lutas políticas sociais aos 16 anos; continua sendo um forte motivo aos 61.

Somos o que somos, traçando nossos caminhos pelo mundo a partir do que somos --ou seja, de como nos construímos pela vivência pessoal do eterno conflito entre o cosmo sangrento e a alma pura (grande Mário Faustino!).

O calendário nada tem a ver com isto.

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