Por Celso Lungaretti
Esta é a ameaça... |
A estrutura era idêntica, havia também uma introdução ("Meu senhor, minha senhora/ vou falar com precisão/ não me negue nesta hora/ seu calor, sua atenção") bem nas pegadas da anterior ("Prepare o seu coração/ pras coisas que eu vou contar/ Eu venho lá do sertão/ e posso não lhe agradar"), letra longa descrevendo a jornada do imbecil até o entendimento, etc.
E, como rendera boa divulgação prévia a utilização de uma queixada de burro como instrumento musical, ele levou novamente uma atração bizarra para o palco: uma possante buzina, que soou os acordes iniciais de "De como um homem perdeu seu cavalo e continuou andando" (ou, simplesmente, "Ventania").
A repetição de fórmula não colou, mas não era uma composição descartável. Gosto até hoje desta estrofe:
"Andei pelo mundo aforaquerendo tanto encontrarum lugar pra ser contenteonde eu pudesse ficar.Mas a vida não mudavamudando só de lugar"
É também meu sentimento em relação à virada da folhinha.
A vida não muda mudando só de ano, embora queiramos sempre acreditar que o seguinte será melhor... apenas porque já não suportávamos mais o outro.
...estes, os principais ameaçados... |
Assim, p. ex., existem duas bombas-relógios em nosso futuro, por cortesia dessa entidade que verdadeiramente já morreu, mas deixamos continuar nos desgraçando, ao invés de cravar-lhe a estaca que a reduzirá a pó.
A primeira é a grande depressão que, mais dia, menos dia, desabará sobre nós, como consequência do represamento das crises cíclicas capitalistas --elas antes eram periódicas e relativamente mais brandas, agora o sistema consegue postergá-las, empurrando-as mais e mais para a frente, o que não impedirá o elástico de acabar arrebentando. E aí a crise iniciada com o crack de 1929 parecerá, provavelmente, brinquedo de criança.
Será em 2012 o apocalypse now? Ou continuaremos nessa lenta agonia que já tragou Grécia, Espanha, Itália? As pedras do dominó continuarão tombando uma por vez ou vão cair todas de uma vez?
A outra incognita são as consequências do aquecimento global. Vimos em Fukushima o trailer do que está por vir: a conjugação de sismo e tsunami com a insegurança nuclear quase completou a obra estadunidense de agosto/1945, tornando o Japão uma ilha bem mais nua que a do filme do Kaneto Shindô.
Catástrofes naturais continuarão ocorrendo, mesmo se tomarmos as medidas necessárias para impedir que a indústria automobilística e outros focos de poluição atmosférica extingam a espécie humana. Já não se trata mais de evitá-las, e sim de minorar sua intensidade e período de duração (nosso período de provação).
E nem isto estamos, realmente, fazendo. Parece que as coisas ainda terão de piorar, antes de começarem a melhorar.
E nem isto estamos, realmente, fazendo. Parece que as coisas ainda terão de piorar, antes de começarem a melhorar.
...e este, o motivo da ameaça. |
O que fazer?
Iludir-se com a desconversa dos pistoleiros de aluguel acadêmicos e midiáticos do capitalismo?
Deixar-se tomar pelo pessimismo, arrancando os cabelos?
Resignar-se à vontade divina?
Aproveitar ao máximo os últimos dias de Pompéia, e que se dane o mundo?
No fundo é questão de temperamento --além do dever de legarmos vida a quem demos vida.
Mas, como dizem os zen-budistas, o dever só obriga quem acredita que o tem. E o capitalismo insufla ao máximo o egoísmo e a indiferença pela sorte dos outros --quaisquer outros, até filhos e netos, salvo no que tange aos gastos para aplacar a consciência culpada por não lhes dar a atenção que merecem...
Falo por mim, e sei que meus leitores são afins: lutarei com todas as minhas forças, nos anos que me restam, para que minhas filhas e netos não vivam e morram num planeta devastado.
E também porque lutar é sempre minha primeira reação face aos poderosos, suas injustiças sem perdão e seus crimes sem castigo.
Foi o grande motivo de eu ter entrado no caminho das lutas políticas sociais aos 16 anos; continua sendo um forte motivo aos 61.
Somos o que somos, traçando nossos caminhos pelo mundo a partir do que somos --ou seja, de como nos construímos pela vivência pessoal do eterno conflito entre o cosmo sangrento e a alma pura (grande Mário Faustino!).
O calendário nada tem a ver com isto.
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