sexta-feira, 11 de setembro de 2009
Ver e imaginar o outro – alteridade, desigualdade, violência, na literatura brasileira contemporânea.
LIVRO DE REGINA DALCASTAGNÈ
São Paulo: Editora Horizonte
Estudos literários sobre quem tem e não tem voz nem vez na grande edição nacional
RESENHA : Regina M. A. Machado
O percurso editorial de Regina Dalcastagnè é desses que carreiam entusiasmo e responsabilização por parte tanto de colaboradores como dos leitores que descobrem os pontos de vista privilegiados em seus trabalhos.
De certa maneira, o livro que nos interessa aqui tira as conclusões que se impõem em vista de seus trabalhos precedentes, numa sequência de publicações que o escritor Luiz Ruffato qualifica de “guerrilheira”.
Anteriormente, em Entre fronteiras e cercado de
armadilhas: problemas da representação na narrativa brasileira contemporânea e no artigo "A personagem do romance brasileiro contemporâneo", publicado na revista
Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, em
2005, Regina Dalcastagnè fazia falar cifras e ocorrências
cuidadosamente levantadas, que apontavam, na nossa ficção, a ausência de certos
personagens ou o confinamento de outros em cenários fixos, familiares a uma classe
restrita de leitores. As constatações impostas pelos números eram edificantes: o sexo do
protagonista é masculino em 71,1% dos casos e sua profissão mais frequente é a de
escritor (et pour cause!); protagonistas mulheres constituem apenas 28,9% , e se
movem quase que exclusivamente dentro de casa, deixando para personagens
secundárias o encargo de trabalhar, sair à rua, em funções sociais sempre
desprestigiadas (empregadas domésticas)ou marginais (prostitutas). A personagem do
romance brasileiro é branca, diz a autora, sempre baseada nas constatações: 79,8%
brancas, contra 7,9% negras e 6,1% mestiças. Esses dados são em seguida cruzados
(idade, sexo, cor, profissão, época retratada, etc.), dando um perfil mais nuançado e
surpreendentemente esclarecedor da produção ficcional brasileira e do que ela exprime
globalmente. Ressalvando a importância da diversidade das vozes na literatura, Regina
Dalcastagnè acentua seu caráter político, ao mesmo tempo que afasta toda ingenuidade
sobre um qualquer valor mimético da literatura, pois “O problema que se aponta não é o
de uma imitação imperfeita do mundo”, mas o fato de que grupos sociais inteiros, ao
permanecerem invisíveis nesses quadros, deixam em silêncio ou escondem na sombra
inúmeras perspectivas sociais cuja ausência nos empobrece ou nos rouba valiosos
ângulos de expressão artística.
Antes de passar aos artigos reunidos no volume que nos interessa aqui, retomaremos
ainda uma afirmação capital do artigo acima, que nos parece ser fundamental na
orientação de todos os trabalhos subsequentes e contribuir para a clareza das posições
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da autora: “A literatura é um artefato humano e, como todos os outros, participa de
jogos de força dentro da sociedade.”
No presente volume, tratar-se-á do modo como essa criação traz à cena a alteridade,
sempre inapelavelmente ligada à desigualdade e à violência, mas também do fato que,
se essa alteridade é sem duvida cada vez mais representada, ela ainda é pouco, muito
pouco auto-representada na produção editorial brasileira.
Os escritores analisados vão dos mais conhecidos pelo público e focalizados pela mídia
e pela crítica acadêmica, como Milton Hatoum, Sergio Sant’Anna ou Drauzio Varella,
entre outros, até autores menos “autorizados” (“autor” e “autoridade” sendo palavras de
mesma raiz) pela recepção culta e produtora de normas e modelos.
O estudos aí apresentados se repartem pela abordagem escolhida, que no primeiro bloco
é a do olhar, centrando-se no segundo bloco mais especificamente sobre a violência,
para finalmente trazer à discussão o tema da exclusão. Neste último, aparecem as
diferentes formas de representação do pobre na literatura atual, desde as mais cínicas,
mais piegas, até aquelas que vêem a pobreza “de dentro” e como isso tudo funciona
literariamente. Vamos reencontrar então as domésticas da peça de Renata Melo,
celebrizadas pelo filme, e também um surpreendente texto memorialístico inédito, que,
ilustrando a função de resistência da escrita, vem lembrar, seguindo-se aos romances de
escritores célebres já analisados, que “o espaço textual desdobra-se em mecanismos de
processamento psíquico e social de um sujeito que busca se configurar para si mesmo e
para o outro, e ao fazer isso, traça um esboço do espaço social em que ocorre a
enunciação.”
Como queríamos demonstrar...
FONTE : http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/8051/4584
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