quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A música techno inspira filósofos Glória Kreinz




AjaxFree


"Tonal, modal, atonal não significam mais quase nada. Não existe senão a música para ser arte como cosmos e traçar as linhas virtuais da variação infinita." (DELEUZE e GUATTARI, 1980)


Introdução
Como as novas tecnologias, realização das tecnotopias, afetam o cotidiano da sociedade a ponto de ser objeto da divulgação científica? Uma das personalidades que tentaram pensar o devir do homem no século XXI e o efeito social das novas tecnologias em diversos setores sociais, o filósofo Gilles Deleuze, sempre se interessou por manifestações culturais, destacando a relação arte/ filosofia como uma das formas de pensar fluxos intercambiáveis.
Entre as manifestações artísticas deu especial atenção à música em todas as suas formas de manifestações, e mostrou a presença das novas technologias afetando o universo musical, ao afirmar de forma provocativa que o sintetizador eletrônico substitui o "juízo sintético a priori", o que atesta territorialmente, no fluxo musical, o impacto das novas tecnologias.
No início dos anos 90 os filósofos G. Deleuze e J. P. Manganaro escreveram um artigo com o título de "Nietzsche à la Techno", e colocaram como subtítulo, Manifesto para as Máquinas Pensantes que Vierem, no sentido perverso de instigar indagações, e propor novas reflexões entre música, conquistas tecnológicas e filosofia.
Deleuze começa o manifesto comentando a obra de Nietzsche, e diz: "No seu Zaratustra Nietzsche coloca a relação de um 'Tempo supremo' e um 'Duplo silêncio'". Comenta ainda que "pode existir uma equivalência ontológica entre o eterno retorno e a Vontade de potência. Se todo devir é literalmente criação, e criação artística, nós nos propomos a examinar as relações de Nietzsche com a música dita "techno" atual e mais precisamente como Nietzsche faz uma espécie de apologia da inteligência techno."
Como se observa, para Deleuze e Manganaro, que escreveram o texto, a obra de Nietzsche antecipa o uso da alternância tempo/silêncio/repetição, que são os elementos básicos da organização da música techno, que ao explorar estes elementos consegue levar o público das discotecas da moda a estados onde a noção de tempo mensurável cede espaço para um "tempo supremo" ou transcendente.
Afirmam ainda que "a repetição alternada com o silêncio consegue ser uma transvalorização e um salto para uma dimensão superior e desconhecida, transcendente a toda repetição idêntica."
O silêncio é o elemento responsável pelos cortes sintáticos que trazem uma nova proposta musical, na linha dos acontecimentos de superfície, mas para que estes elementos sejam melhor compreendidos têm que ser retomados a partir de elementos da teoria da comunicação, e o faremos na segunda parte desta exposição. Nesta primeira parte destacamos no Manifesto da Música Techno elementos que enaltecem o pensamento de Nietzsche como um pensador que ofereceu elementos pertinentes para se entender esta proposta artístico/musical.
Deleuze e Manganaro enfatizam que "neste sentido duplo, o silêncio é fratura real: solidificação (pólo negativo), mas igualmente distribuição nova possível das multiplicidades sonoras (pólo positivo). Aqui se reencontra a dupla afirmação de Nietzsche (duplo silêncio) e aquela de Holderlin (o Tempo que separa e que une)."
Concluem o manifesto dizendo: "tempo de conclusão: se o silêncio é auto-afirmação do tempo como Instante (presente vivo) e simultaneidade, imensidade e eternidade, ele é também avaliador e criador. Por sua vez simultaneidade e expressão maior do Eterno retorno, ele se alia ao silêncio duplo na dança mágica da criação dos mundos: os mundos do real e os mundos sonoros".
Para que se compreenda melhor este manifesto dos anos 90 é necessário se retomar o pensamento de Deleuze e Guattari na série Mil Platôs, quando os autores já discutem o peso das forças não sonoras propondo uma nova sonoridade. É o que tentaremos discutir na segunda parte desta apresentação.
Mil Platôs e as Forças Não Sonoras
Sobre a música atual Deleuze já havia proposto o problema na polêmica série Mil Platôs, mencionando "forças não sonoras" atuando como corpos sem órgãos, que determinavam novos fluxos musicais. Dizia: "Assim, não se pode mais falar de uma forma sonora que viria organizar uma matéria; nem mesmo se pode mais falar de um desenvolvimento contínuo da forma. Trata-se, antes, de um material deveras complexo e bastante elaborado, que tornará audíveis forças não-sonoras". (Deleuze, 1980)
Continua nesta linha de pensamento discutindo a mudança das funções dos componentes musicais, propondo: "O par matéria-forma é substituído pelo acoplamento material-forças. O sintetizador tomou o lugar do antigo "juízo sintético a priori", mas com isso todas as funções mudam. Colocando em variação contínua todos os componentes, a música se torna, ela mesma, um sistema sobrelinear, um rizoma em vez de uma árvore, e fica a serviço de um continuum cósmico, virtual, do qual até mesmo os buracos, os silêncios, as rupturas, os cortes fazem parte." (Deleuze, 1980)
O rizoma em oposição à arvore diz respeito à teoria da chamada gramática gerativa transformacional de Noam Chomsky, que se constitui dos seguintes elementos: na gramática gerativa a parte central é o seu componente sintático. Este gera cadeias abstratas, interpretadas por um lado foneticamente, ou pelo componente fonológico, e por outro semanticamente, ou pelo componente semântico. É o componente sintático o único que tem função gerativa. O fonológico e o semântico têm funções interpretativas.
O componente sintático é constituído de duas partes: a) o subcomponente de base que gera as estruturas profundas ou subjacentes, das orações; sobre elas aplica-se a interpretação semântica. E b) o subcomponente transformacional que, partindo das estruturas profundas, gera as estruturas de superfície, as quais recebem interpretação fonética, ou seja, estudos dos sons. "Nesta concepção bipartida do componente sintático está mais uma diferença fundamental entre a lingüística descritiva do começo do século e a teoria transformacional. Para aqueles não havia diferença entre estrutura superficial e estrutura profunda." (M. Lemle)
É importante conhecer este aspecto da teoria gerativa de Chomsky, pois várias vezes Deleuze vai retomá-la, sobretudo no que diz respeito à estrutura superficial em relação com a estrutura de profundidade, ou árvore, ao que o filósofo vai opor a figura do rizoma, como no texto citado anteriormente onde comenta que a música techno, "colocando em variação contínua todos os componentes, se torna, ela mesma, um sistema sobrelinear, um rizoma em vez de uma árvore". Chama atenção neste texto o sistema sobrelinear, ou acontecimento de superfície que se opõe ao elemento enraizado.
Segundo M. Lemle, "as regras transformacionais tem como input os marcadores de estrutura frasal profunda tomados globalmente e nisso reside a diferença formal entre elas e as regras do subcomponente de base, pois estas referem-se a elementos individuais de uma cadeia de símbolos e não leva em conta a sua derivação em regras anteriores".
Usando termos da informática afirma que "o output final é a estrutura frasal de superfície, a que está associado o marcador da estrutura de superfície, que consiste no segundo diagrama em árvore, diferente da estrutura profunda. Os seus símbolos terminais constituem uma cadeia de formativos, ou substitutos dos morfemas tradicionais, a qual, finalmente, é interpretada fonéticamente, resultando nos sons vocais da elocução", ou seja, como queria Deleuze, sons em variação contínua. Para Deleuze e Guattari só interessam os fenômenos de superfície, mesmo na música, descartando-se o elemento sintático, básico da teoria gerativa de Chomsky. O rizoma substitui a árvore.
Resumindo a teoria gerativa teríamos que a interpretação de um sinal consistiria na associação de um som, ou letras no caso da língua escrita, a uma interpretação semântica, associação esta que seria mediada pela operação do componente sintático. Para Deleuze interessam os fenômenos de superfície, por isso insiste várias vezes na figura do rizoma, como um dos elementos marcantes de sua opção lingüística e interpretativa dos códigos comunicacionais.
O rizoma em vez de uma árvore, ou seja, estes elementos de superfície dizem respeito também à relação "Tempo supremo e Duplo Silêncio" que Deleuze e Guattari mencionam em Mil Platôs, retirada de Nietzsche, e que depois serão retomadas no Manifesto da Música Techno, de forma mais intensa.
Em Mil Platôs os autores dizem que "a música fica a serviço de um continuum cósmico, virtual, do qual até mesmo os buracos, os silêncios, as rupturas, os cortes fazem parte." (Deleuze e Guattari, 1980). É o efeito destes elementos agindo no tempo da música que foi revisto de modo mais particularizado, no Manifesto da Música Techno, e discutido na primeira parte desta apresentação.
Concluindo, Deleuze retoma elementos já vistos em Mil Platôs e retrabalha, com Manganaro, no inicio dos anos 90, poucos anos antes de sua morte, as articulações da música techno como puro fenômeno de superfície, rizoma, preocupado em pensar os fenômenos representativos de seu tempo.

Referências bibliográficas:

DELEUZE, G e GUATTARI, F. Mil Platôs. Rio de Janeiro, Editora 34, V. 2, 1995. 
DELEUZE, G. e MANGANARO. "De Nietzsche à la Techno" 
LEMLE, M. "O Novo Estruturalismo Lingüístico de Chomsky". Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, V. 15/16, s.d.
FONTE: http://www.geocities.com/ajaxfree/texto2.html

Um comentário:

  1. "SARAU PARA TODOS" NA GUERRILHA DA COMUNICAÇÃO...TANTO NA PRÁTICA QTO NA TEORIA...O INFINITO NÃO É O LIMITE...


    BEIJOS FELLINI...
    BEIJÃO NADIA...
    POESIA...MARCELO ROQUE
    "SOU O TUDO, O NADA, O QUE NÃO PODE SER..."BEIJOS...

    SEMPRE O QUE NÃO PODE SER...MAS É...VARIAÇÃO INFINITA...

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