(...)Deve-se também observar que um conflito psíquico muito importante na segunda topografia ocorre dentro do ego, indicando que os critérios intrapsicológicos de individualização de Freud não foram exclusivamente conduzidos pelas ocorrências do conflito. O ego, o id, e o superego, como partes da alma, guerreiam, mas eles não são almas antagônicas uns dos outros20.
A bem conhecida crítica de Sartre a Freud, que enfoca a noção (na teoria dos sonhos) do mecanismo de censura, considerou Freud, entretanto, como comprometido com a resposta fortemente divisional. Sartre afirmou: "Através da distinção entre o 'id' e o 'ego', Freud dividiu a totalidade psíquica em dois. Eu sou o ego, mas eu não sou o id... Rejeitando a unidade consciente da psiqué, Freud é forçado a inferir em toda parte uma unidade imaginária"21. Sartre continuou a apontar um paradoxo em tal concepção de pessoa. Mas será que Freud está comprometido com uma concepção de pessoa metafisicamente divisional do tipo que Sartre aponta, embora, talvez, contrário às suas próprias intenções?
O que a questão finalmente aborda, pode-se sugerir, é isto: será que é necessário - para se pensar o inconsciente, ou qualquer entidade distinta postulada pela forma característica da descrição psicanalítica -, tomar posse das crenças da pessoa, como Sartre de fato supõe, e executar intenções direcionadas à mente da pessoa, de modo a manifestar o seu próprio ponto de vista, ponto de vista este que não é o mesmo de uma pessoa como um todo? Se fosse assim, seria correto dizer que a pessoa é profundamente dividida, pois então haveria dentro dela alguma coisa que não merece ser descrita como um "mecanismo", mas sim como uma "proto-pessoa". Um problema então poderia surgir ao se considerar a gênese causal desta parte mental, e a suspeita poderia estabelecer que a parte mental hipotética não é nada além da pessoa como um todo sob outro nome (indicando algum tipo de confusão lógica profunda na teoria psicanalítica) 22.
A fim de contestar esta crítica, um primeiro comentário importante é o seguinte: a teoria psicanalítica está autorizada a usar o conceito de uma disposição, num sentido que não implique a presença de intenções dentro da mente. Em sua forma desenvolvida, a metapsicologia psicanalítica de fato recorre a ele (para tomar um exemplo fundamental, na teoria do sintoma da ansiedade (1926d [1925], XX, 125-6), de modo a fazer com que a ativação de uma disposição assuma o trabalho feito, na antiga explicação teórica de Freud, pelo mecanismo de censura.
A adequação desse tipo geral de réplicas a Sartre leva-nos, entretanto, a outra questão: até que ponto podemos seguir construindo explicações baseadas na hipótese do inconsciente? O que finalmente decide a questão entre Freud e Sartre é quanta racionalidade, ou capacidade de pensamento estratégico, é investida por Freud em sua descrição do inconsciente: se a racionalidade, marcada pela capacidade de formular intenções, está envolvida no pensamento inconsciente, então o inconsciente se aproxima de uma proto-pessoa, mas se não está envolvida, então ele não precisa ser assim concebido.
Embora se possa talvez argumentar em favor de Sartre que existe razão para se pensar que, nas histórias de casos, Freud deve ter concebido o inconsciente como capaz de intenção manipulatória, há evidência conclusiva de que ele não pretendeu fazer isso. Freud afirma categoricamente que, em todos os casos de motivação inconsciente tratados pela teoria psicanalítica, uma firme distinção deve ser traçada entre a influência do próprio inconsciente, Ucs, cuja operação é sempre concebida através da extrapolação do modelo não estratégico da realização do desejo como um processo no qual representações de objetos necessitados, mas indisponíveis, são formadas em resposta direta à frustração, sem qualquer mediação do pensamento; e a operação dos desejos no Pcs, que pode ter um caráter estratégico, de tal modo que o último seja dependente do primeiro.(...)
LEIA NA ÍNTEGRA EM : http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/gardner.htm
Nenhum comentário:
Postar um comentário