Por Pedro Maciel
Narrador inventa uma personagem misteriosa que povoa os seus sonhos
"Não é o temor da loucura que vai nos obrigar a içar
a meio pau a bandeira da imaginação. ( André Breton)
Imagem: Desenhos de Breton para Nadja
O movimento surrealista é herdeiro da revolução socialista de Marx e da rebelião romântica de Rimbaud. O poeta tinha a missão de unir em um só ato, a poesia, o amor e a revolta. John Donne diz que, “antes muerto que mudado”. André Breton (1896-1966), ideólogo do surrealismo, não mudou de opinião _ cultivou ao longo da vida um mesmo sistema de idéias. A paixão e a magia eram fundamentais para a sobrevivência dos mitos e utopias.
Em “Prolegômenos a um Terceiro Manifesto”, Breton desabafa: “Enquanto os homens não tomarem consciência da sua condição (...) não vale a pena falar, não vale a pena opormo-nos uns aos outros, ainda menos vale a pena amar sem contradizer tudo o que não seja o amor, ainda menos vale a pena morrer...” Toda a obra de Breton retoma o imaginário de metáforas da própria criação e da “recuperação do ser humano em sua totalidade”. O poeta destaca três caminhos para o homem alcançar a harmonia: o amor, a poesia e a liberdade.
“Nadja”, romance-colagem, publicado em 1928, (Ed. brasileira Imago, tradução de Ivo Barroso), é a prova de uma experiência radical de linguagem e, ao mesmo tempo, é um testemunho de um ser apaixonado: “Por mais vontade que tivesse, e também talvez alguma ilusão, nunca estive à altura do que ela me propunha. Mas afinal, que me propunha? Não importa. Só o amor no sentido em que o compreendo - ou seja, o misterioso, o improvável, o único, o confundível e indubitável amor”.
André Breton, narrador-personagem do romance, percorre as ruas de Paris em busca da jovem Nadja. Há encontros do acaso e desencontros planejados. “Nem podia ser de outra forma, considerando o mundo de Nadja, em que tudo tomava imediatamente a aparência da queda ou da ascensão.” Ela vaga nos sonhos de Breton. O narrador-personagem, num clima de romantismo fantástico, inventa a misteriosa Nadja para interpretar os seus próprios sonhos.
A narrativa onírica e inconsciente, apóia-se em fotos dos lugares parisienses, sugerindo ao leitor que as histórias são reais. A vida vale pelos sonhos. Hölderlin diz que o homem é um deus quando sonha, um mendigo quando reflete. Nadja apresenta-se de corpo e alma no enredo do romance. O personagem-narrador vê Nadja como “um gênio livre, algo como um desses espíritos do ar que certas práticas de magia permitem momentaneamente fixar, mas em caso algum submeter”. Mas Nadja deixa-se enlouquecer pelas excentricidades e é internada no hospício de Vaucluse.
Breton, personagem-autor, aproveita a “deixa” para protestar: “todos os internamentos são arbitrários. Continuo a não ver por que motivo se privaria um ser humano de liberdade. Prenderam Sade; prenderam Nietzche; prenderam Baudelaire”. “Se fosse louco”, continua, “aproveitaria o impulso do delírio para assassinar o primeiro médico, de preferência, que me caísse nas mãos. Ganharia com isso pelo menos, como acontece com os loucos furiosos, o privilégio de ocupar um compartimento sozinho. Talvez assim me deixassem em paz.
“Nadja” é um romance autobiográfico, narrado através da escrita automática, da alucinação e delírio. E nos transporta para além da ficção.
“No instante de deixá-la, quero fazer-lhe uma pergunta que resume todas as demais, uma pergunta que somente eu seria capaz de fazer, sem dúvida, mas que, pelo menos desta vez, encontrou resposta à altura: “Quem é você?” E ela, sem hesitar: “Eu sou uma alma errante.” Combinamos nos encontrar no dia seguinte no bar que existe na esquina da rua Lafayette com o Faubourg Poissonnière. Diz que gostaria de ler um ou outro dos meus livros e insiste quando sinceramente ponho em dúvida o interesse que possa ter por eles. A vida é diferente do que se escreve”.
(Trecho de “Nadja”, de André Breton)
Não se espere de mim a narrativa integral do que me foi dado experimentar nesse domínio. Limitar-me-ei aqui a lembrar sem esforços de fatos que, independentemente de qualquer instância de minha vontade, ocorreram comigo, e que me dão, por vias insuspeitáveis, a medida da graça e da desgraça particulares de que sou objeto; deles falarei sem ordens preestabelecida e conforme o capricho da hora que os fizer vir à tona.
(Trecho de “Nadja”, de André Breton)
Pedro Maciel é autor do romance “A Hora dos Náufragos”, Ed. Bertrand Brasil
FONTE:http://www.storm-magazine.com/novodb/arqmais.php?id=596&sec=&secn=
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