Por Celso Lungaretti
A Folha de S. Paulo deste domingo (5) traz longa reportagem sobre a encenação de suicídio do jornalista Vladimir Herzog, tendo como gancho o fotógrafo que a ditadura militar utilizou para fazer a imagem famosa (ver íntegra aqui).
A rigor, não conta nada de novo para quem acompanhou os acontecimentos ou interessou-se pelo que vem sendo noticiado desde 1975 (vide aqui, p. ex., meu resumo e análise do Caso Herzog).
Mas, é uma matéria que vale a pena mostrarmos às novas gerações, dando-lhes uma noção de como a vida de um homem vale pouco, quase nada, num regime totalitário.
E, claro, de como a ditadura militar era tudo, menos a ditabranda que o próprio jornal apregoou, num dos editoriais mais infelizes de sua história. Como se pode considerar branda uma ditadura da qual Herzog foi, cronologicamente, o 39º suicidado?!
Só naquele ano de 1975 ocorreram outros 13 assassinatos maquilados em suicídios, afora as igualmente forjadas mortes ao resistir à prisão (que até hoje são fartamente utilizadas pelas polícias militarizados do País inteiro como justificativa para o extermínio de marginais).
Curioso é que, mesmo sem ter aberto o bico sobre esta e muitas outras farsas nas quais esteve envolvido como coadjuvante, o tal Silvado Leung Vieira apanhou a sobra.
"Sentindo-se ameaçado e perseguido pelo regime a que serviu, ele afirma não ter tido alternativa a não ser abandonar o emprego no serviço público e também o país".
Missa para Herzog na catedral da Sé foi o princípio do fim da ditadura militar |
"É melhor ficar calado e não comentar nada. Se você não calar, a gente te cala".E o repórter Lucas Ferraz deu as previsíveis derrapadas de quem escreve sobre o que não domina. Exemplo:
"...[Herzog] militava no partido, mas, segundo amigos, não exercia atividades clandestinas, nem poderia ser apontado como um quadro fixo do partido, que àquela altura já considerava a luta armada um grande erro".O Partido Comunista Brasileiro não se direcionava para as atividades clandestinas; praticamente só se tornavam clandestinos os dirigentes, por motivos óbvios.
E, DESDE O PRIMEIRO MOMENTO, considerou a luta armada um grande erro, chegando a caluniar seus expoentes. Para evitar que os militantes prestassem ajuda solidária a combatentes da VPR, chegou ao cúmulo de afirmar em seu jornal que o comandante Carlos Lamarca seria um provocador a serviço do imperialismo, incumbido de fornecer pretextos para o fechamento do regime.
A REPRESSÃO HABITUAL E A FORA DE CONTROLE
No caso dos militantes da luta armada, as torturas tinham intensidade extrema nos primeiros dias, pois a repressão queria arrancar de nós informações que lhe permitisse alcançar os companheiros lá fora, antes que, advertidos, estes abandonassem os aparelhos tornados inseguros e deixassem de cobrir os pontos agendados conosco.
Não havia tal premência no caso de Herzog, daí ser mais plausível a hipótese de acidente de trabalho. Ou seja, a de que não pretendiam propriamente massacrá-lo, mas fazer com que se incriminasse, e incriminasse a outros.
Ocorre que o choque elétrico --a modalidade de tortura que eles mais utilizavam quando não queriam deixar marcas-- é imprevisível. Se curto, não desconcerta tanto. Se longo, pode causar enfarte (até porque não se consegue respirar enquanto ele dura). Eu diria que erraram a mão com os choques elétricos e se viram às voltas com um defunto indesejado, tanto que tudo fizeram para camuflar o sucedido.
Também é interessante este testemunho do então governador Paulo Egydio Martins, hoje com 84 anos:
Onde morreu Herzog: o DOI-Codi funcionava nos fundos desta delegacia paulista |
"Havia um comando paralelo no Exército, e é bem provável que houvesse também um comando anarquista na Secretaria de Segurança Pública. Esse era um problema absolutamente crítico, que infelizmente saiu do controle".Foi exatamente a tese que defendi: a de que a corja do DOI-Codi, na contramão da abertura lenta, gradual e progressiva do ditador Geisel, prendeu o coitado para retaliar o governador Paulo Egydio (amigo do jornalista) e para tentar mostrar que seus préstimos ainda eram necessários, seja fazendo alarmismo acerca da exageradíssima infiltração comunista na TV Cultura, seja acalentando a possibilidade de que os alunos de Herzog na USP botassem o movimento estudantil na rua.
De resto, o termo anarquista é inadequado neste contexto. Melhor caberia ultradireitista ou fascista.
E quem observou a atuação da SSP nos episódios da USP, da cracolândia e do Pinheirinho tem razões de sobra para concluir que o problema continua até hoje fora do controle.
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