domingo, 5 de fevereiro de 2012

REGIME QUE PRODUZ DEZENAS DE "SUICIDADOS" É DITABRANDA?!

Por Celso Lungaretti

A Folha de S. Paulo deste domingo (5) traz longa reportagem sobre a encenação de suicídio do jornalista Vladimir Herzog, tendo como  gancho  o fotógrafo que a ditadura militar utilizou para fazer a imagem famosa (ver íntegra aqui).

A rigor, não conta nada de novo para quem acompanhou os acontecimentos ou interessou-se pelo que vem sendo noticiado desde 1975 (vide aqui, p. ex., meu resumo e análise do Caso Herzog).

Mas, é uma matéria que vale a pena mostrarmos às novas gerações, dando-lhes uma noção de como a vida de um homem vale pouco, quase nada, num regime totalitário.

E, claro, de como a ditadura militar era tudo, menos a  ditabranda  que o próprio jornal apregoou, num dos editoriais mais infelizes de sua história. Como se pode considerar branda uma ditadura da qual Herzog foi, cronologicamente, o 39º  suicidado?!

Só naquele ano de 1975 ocorreram outros 13 assassinatos maquilados em suicídios, afora as igualmente forjadas mortes  ao resistir à prisão (que até hoje são fartamente utilizadas pelas polícias militarizados do País inteiro como justificativa para o extermínio de marginais).

Curioso é que, mesmo sem ter aberto o bico sobre esta e muitas outras farsas nas quais esteve envolvido como coadjuvante, o tal Silvado Leung Vieira apanhou a sobra.
"Sentindo-se ameaçado e perseguido pelo regime a que serviu, ele afirma não ter tido alternativa a não ser abandonar o emprego no serviço público e também o país".
Missa para Herzog na catedral da Sé
foi o princípio do fim da ditadura militar
Uma ameaça concreta por ele recebida, diz, foi feita por um jovem oficial do Exército, quando caiu na besteira de dizer que ali aconteciam "coisas estranhas":
"É melhor ficar calado e não comentar nada. Se você não calar, a gente te cala".
E o repórter Lucas Ferraz deu as previsíveis derrapadas de quem escreve sobre o que não domina. Exemplo:
"...[Herzog] militava no partido, mas, segundo amigos, não exercia atividades clandestinas, nem poderia ser apontado como um quadro fixo do partido, que àquela altura já considerava a luta armada um grande erro".
O Partido Comunista Brasileiro não se direcionava para as atividades clandestinas; praticamente só se tornavam clandestinos os dirigentes, por motivos óbvios.

E, DESDE O PRIMEIRO MOMENTO, considerou a luta armada um grande erro, chegando a caluniar seus expoentes. Para evitar que os militantes prestassem ajuda solidária a combatentes da VPR, chegou ao cúmulo de afirmar em seu jornal que o comandante Carlos Lamarca seria um provocador a serviço do imperialismo, incumbido de fornecer pretextos para o fechamento do regime.

A REPRESSÃO HABITUAL E A FORA DE CONTROLE

Uma afirmação que já virou lugar comum: a de que éramos "barbaramente torturados". Sem dúvida, o éramos. Mas, com objetivos definidos e não por mero sadismo dos militares (que, claro, também existia...).

No caso dos militantes da luta armada, as torturas tinham intensidade extrema nos primeiros dias, pois a repressão queria arrancar de nós informações que lhe permitisse alcançar os companheiros lá fora, antes que, advertidos, estes abandonassem os  aparelhos  tornados inseguros e deixassem de cobrir os pontos  agendados conosco.

Não havia tal premência no caso de Herzog, daí ser mais plausível a hipótese de  acidente de trabalho. Ou seja, a de que não pretendiam propriamente massacrá-lo, mas fazer com que se incriminasse, e incriminasse a outros.

Ocorre que o choque elétrico --a modalidade de tortura que eles mais utilizavam quando não queriam deixar marcas-- é imprevisível. Se curto, não desconcerta tanto. Se longo, pode causar enfarte (até porque não se consegue respirar enquanto ele dura). Eu diria que erraram a mão com os choques elétricos e se viram às voltas com um defunto indesejado, tanto que tudo fizeram para camuflar o sucedido.

Também é interessante este testemunho do então governador Paulo Egydio Martins, hoje com 84 anos:
Onde morreu Herzog: o DOI-Codi funcionava
nos fundos desta delegacia paulista
"Havia um comando paralelo no Exército, e é bem provável que houvesse também um comando anarquista na Secretaria de Segurança Pública. Esse era um problema absolutamente crítico, que infelizmente saiu do controle".
Foi exatamente a tese que defendi: a de que a corja do DOI-Codi,  na contramão da  abertura lenta, gradual e progressiva do ditador Geisel, prendeu o coitado para retaliar o governador Paulo Egydio (amigo do jornalista) e para tentar mostrar que seus  préstimos  ainda eram necessários, seja fazendo alarmismo acerca da exageradíssima infiltração comunista na TV Cultura, seja acalentando a possibilidade de que os alunos de Herzog na USP botassem o movimento estudantil na rua.

De resto, o termo anarquista é inadequado neste contexto. Melhor caberia ultradireitista ou fascista.

E quem observou a atuação da SSP nos episódios da USP, da cracolândia e do Pinheirinho tem razões de sobra para concluir que o problema continua até hoje fora do controle.

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