Malvinas 03:
A Guerra de 1982
Carlos A. Lungarzo
Em 2 de outubro de 1982, estando a
Argentina sob o mando do ditador Fortunato Galtieri, foram enviadas tropas para
atacar as Malvinas, após de algumas semanas de tensão ao redor do arquipélago.
Episódios confusos, protagonizados aparentemente por civis que tinham hasteado
bandeiras argentinas na área oficialmente controlada pela GB, criaram uma clima
de hostilidade e insegurança que culminou com o desembarco de infantaria argentina,
auxiliada por aeronaves e navios de guerra.
Sem ter uma verdadeira força
defensiva, o governador se rendeu imediatamente. A infantaria argentina,
estimada em uns 10.000 homens se estendeu por toda a ilha, e tomou posições que
visavam conter qualquer tentativa de contra-ataque. A complicada e abrupta
topografia das ilhas, unidas ao clima frio e aos ventos do outono austral,
favorecia a disposição da infantaria em condições de baixa vulnerabilidade.
Este fato fez com que alguns oficiais britânicos e norte-americanos advertissem
que a recuperação das ilhas por GB seria uma “missão impossível”.
A opinião pública internacional, que
tinha mostrado indiferença pelos crimes dos militares argentinos, começou a
preocupar-se ao perceber que os planos da ditadura não poupavam nem os grandes
líderes da ultradireita mundial: o presidente americano Ronald Reagan e a
premiê britânica Margaret Thatcher.
A Ditadura Militar
A 6ª e última ditadura argentina do
século 20, que dominou o país de 1976 a 1983, foi um processo de singular
truculência, que admite comparação com poucos fenômenos similares recentes nos
países ocidentais. Com efeito, se excetuarmos o nazismo entre 1933 e 1945, e o
franquismo espanhol em toda sua história, este processo é o mais sanguinário,
violento e destrutor do século neste hemisfério.
Pela proporção de vítimas (cerca de 18
por 10.000 da população nos primeiros 5 anos), esta ditadura excede qualquer
outra das Américas ou a Europa, incluídas as de Guatemala e El Salvador dos
anos 80, e obviamente a do Chile (cerca de 3 por 10.000 nos primeiros 11 anos).
Quanto à crueldade de seus procedimentos
(mortes por torturas lentas, eviscerações de mulheres grávidas, mutilações,
desaparição de crianças, estupro de cadáveres e outras atrocidades) ultrapassa
as sevícias aplicadas oficialmente pelas SS, e até as de alguns grupos nazistas
independentes.
Seu sadismo impressionou a pessoas de
ultradireita, como o atual chanceler argentino, Héctor Timerman, que em 1976
estreou como jornalista com uma campanha de bajulação aos militares que
acabavam de dar o golpe. Entretanto, quando, um mês depois, os algozes
sequestram e torturaram seu pai, o atual paladino das Malvinas na ONU se
converteu bruscamente num militante de Direitos Humanos.
A clave da crueldade dos militares
argentinos, desconhecida em Ocidente salvo durante a Inquisição, parece ter
suas raízes no fanatismo religioso, nacionalista e racial de uma sociedade que
não experimentou miscigenações significativas como no resto do continente, e
com frequência se proclamou como uma nova geração de cruzados, a última reserva
de um exército cristão no mundo.
É sobretudo o exacerbado chauvinismo
o que explica uma invasão e uma resistência tão violenta, como não se tinha
visto durante o século no caso de reclamações territoriais puramente
simbólicas. Com efeito, disputas banais (porém, menos que esta) sobre
fronteiras ou soberania houve mais de 300 no século 20, e nenhuma foi abordada
dessa maneira.
Equivocam-se os que comparam o ataque
às Malvinas com a ocupação dos Sudetes por Hitler. Essa região tcheca tinha
milhares de habitantes alemães que realmente queriam a fusão com a Alemanha,
enquanto os falklanders repudiavam a
idéia de ser governados por argentinos.
Forçando o Conflito
O ataque a Malvinas de 2 de abril foi
totalmente forçado. A teoria mais comum entre os analistas políticos é a
conhecida fórmula de que estes atos bélicos são manobras diversionistas para
ocultar problemas internos. Neste caso, isso teria sentido, pois a ditadura
estava afundada numa grande crise econômica, mas esta crise não era pior,
porém, da que tinham acontecido durante outros governos, militares ou civis,
como, por exemplo, a devastadora hiperinflação de 1976.
Acredito que essa necessidade de diversionismo
faz parte relevante da explicação, mas também deve considerar-se a convergência
de outros motivos.
Em 1982, os militares argentinos já
tinham passado por todo tipo de delirium
tremens. Na política exterior, tinham ameaçado o Chile com uma invasão, o
que ninguém duvida que teria acontecido se não fosse pela intervenção do Papa,
que não queria uma luta entre suas duas pombas de estimação: a ditadura
argentina e a chilena. Além disso, a Argentina tinha rejeitado a colaboração
militar com EEUU, como repúdio à política de Direitos Humanos de Jimmy Carter,
apesar de que as críticas de Carter as ditaduras, embora sinceras, eram muito
tímidas.
No plano interno, os militares tinham
feito desaparecer milhares de pessoas, e gerado entre 800 mil e 1,4 milhão de
exilados. Em 1978, as organizações de direitos humanos começaram a difundir o
número de 30.000 desaparecidos e essa estimativa se tornou um lugar comum nas estatísticas
informais. Entretanto, cruzando diversos documentos desclassificados desde essa
época, e comparando relatórios americanos, europeus e até dos serviços de
inteligência chilenos, se conclui que esse número deve ser muito maior, talvez
acima de 40.000.
Entre os desaparecidos, havia
centenas de crianças, mulheres grávidas, doentes, e também estrangeiros e até
altos funcionários. Mas, o mais surpreendente era a tortura, morte e
desaparição de jovens filhos de altos oficiais e de civis que tinham sido
subservientes importantes da casta militar. Como entender que aquelas castas
que se consideravam sagradas destruíssem seus próprios filhos e os filhos de
seus principais aliados?
Para uma gangue nutrida no opus dei e nas formas mais sórdidas da
superstição e o misticismo, foi um grande exagero fazer desparecer alguns
religiosos e freiras, dentro da ínfima minoria da Igreja (aproximadamente,
entre 15 e 2%) que discordava com os valores e/ou procedimentos da ditadura. Supõe-se
que o Papa e seus colaboradores tinham autorizado esses procedimentos.
A escolha de vítimas não se deteve
ante o sequestro de estrangeiros e, apesar de que alguns países se mostraram
indiferentes e outros colaboraram, alguns dos estados mais democráticos
consideraram a desaparição de seus cidadãos uma afronta radical. Dos 32 países
que tiveram vítimas produzidas pela ditadura argentina, a Alemanha, a Itália, a
França e até (tempo depois) a Espanha perseguiram judicialmente a ditadura. Já
a Suécia, que teve sequestrada e morta uma adolescente de 16 anos, Dagmar
Hagelin, filha de um cidadão sueco, se empenhou durante anos para punir os assassinos
e ainda hoje mantém ordem internacional de captura contra eles.
Mesmo que guerras e problemas
territoriais sejam assuntos políticos, nem sempre relacionados com a doutrina
dos DH, sua análise em nosso contexto se justifica observando as estreitas
conexões que existem entre a invasão e o terrorismo
de estado praticado pelos militares, num leque que abrange todos os
sentidos possíveis: a invasão foi a extensão do processo de repressão do
ambiente nacional ao espaço internacional, foi uma eclosão de delírio de
linchamento da enorme maioria da população contra os ingleses, e foi também uma
refutação da errada crença de que os políticos e a massa argentina eram
sensíveis aos DH.
De fato, salvo a organização das Mães de Praça de Maio, que foram
ameaçadas de morte pela ralé enraivecida, e alguns pequenos partidos de
esquerda sem representação eleitoral, todas as forças de centro e de direita
(na Argentina não existe esquerda significativa desde 1945) apoiaram a invasão
como se fosse o grande orgasmo coletivo que a puritana vida do país não
permitir ter normalmente.
Dos chamados radicais, membros de um partido da classe média acomodatícia,
famosos por seu histórico de cambalachos, apenas uma seção (a dirigida pelo
futuro presidente Alfonsín) se mostro contrária a guerra. Mas, não foi por
nenhum sentimento democrático. Quase vinte anos após, Alfonsín disse: “eu sabia
que íamos perder”. Os peronistas, dos quais os militares se diziam inimigos
(embora, realmente, só uma parte o fosse) foram os mais exaltados defensores do
“feito”.
Um fato importante é que a guerra
coloca em evidência um antigo projeto argentino, cuja concretização teria
significado uma violação ao artigo 15 da Declaração Internacional de DH:
outorgar nacionalidade coercitiva
aos ilhéus. Dos 1830 habitantes das ilhas, apenas 31 tinham passaporte
argentino. Os outros falklanders eram
de linhagem britânica, e mais da metade provinha de ancestrais radicados havia
seis gerações.
Além de racista, a frase “população
artificial”, usada na Argentina contra os falklanders,
está desprovida de sentido: o arquipélago é o único local da América do Sul
onde nunca houve indígenas, o que descarta que a ocupação por colonos no século
XIX fosse um ato de agressão imperialista, embora fosse uma violação ao direito
colonial, ou, como gostam dizer os juristas, ao uti possidetis juris.
De acordo com a Declaração Universal
dos DH de 1948, ninguém pode ser privado de sua nacionalidade nem do direito a
mudá-la. Deduz-se disto que nenhuma nacionalidade pode ser compulsória. A
atribuição de uma cidadania não consentida é um ato de terrorismo de estado e,
no caso de que Argentina ganhasse a guerra, seria duvidoso que os falklanders pudessem conservar a sua.
No governo da Grã Bretanha, nem todos
eram hostis a uma mudança gradual da nacionalidade dos falklanders. Na reunião
na vila de Coppet (Suíça), em 08/1980,
entre as delegações argentina e britânica, as partes concordaram na
transferência de soberania para a Argentina, se permitindo à segunda geração de
ilhéus a dupla cidadania, e outorgando obrigatoriamente a nacionalidade argentina
aos da terceira geração.
Os interessados podem ler o extenso Relatório Ratenbach, doravante RR, redigido após a guerra por uma
equipe de militares que tentou analisar seus próprios “erros”. Entre os números
links, vide, por exemplo, este.
Os parágrafos 38 e 39 são os mais relevantes.
O acordo encontrou algumas
resistências moderadas em setores do UK, mas, em 02/1982, na reunião entre representantes da Argentina, do UK e dos
falklanders em Nova Iorque, os britânicos ofereceram uma “Proposta de
Reativação”, para retomar as negociações sobre as bases anteriores, que
contemplavam uma transição moderada para a mudança de cidadania [RR, §67]. ]
Parecia que a transferência de soberania acompanhada de um acordo sobre
nacionalidade obrigatória seria viável. Todavia, cinco semanas depois, a abrupta invasão mostrou que a Argentina estava apenas ganhando
tempo.
Atrocidades Durante a Guerra
Um detalhe pouco observado no caso do
militarismo argentino (mas bastante investigado no fascismo e nos imperialismos
espanhol e francês) é a necessidade dos exércitos agressivos treinados com
grande violência de manter seu ritmo, sob o risco de desmoralização no caso em
que parem sua atividade. Esta é a síndrome que na gíria diplomática se chama guerra em quente.
Assim como os veteranos franceses de
Dien Bien Phu, e até alguns resistentes contra o nazismo, foram eficientes opressores
do povo da Argélia, os militares argentinos, treinados para o terrorismo de
estado interno, encontraram na invasão às ilhas uma continuação de suas
atividades.
Isto se evidencia na exagerada
humilhação imposta aos falklanders:
provavelmente guiados pela crença comum entre os militares (cujo nível intelectual
e de informação na Argentina é muito baixo e constitui motivo da chacota das classes
ilustradas) de que o espanhol é uma língua “cristã”, tentou-se sem sucesso que
os ilhéus aprendessem “el castellano”
logo em seguida. O resultado não foi bom, porque ninguém aprende uma língua em
algumas horas, e menos ainda sob a mira de armas de guerra.
Outras medidas foram a mudança da
direção do trânsito, que nas ilhas obedecia ao sistema britânico, a troca de
nomes de ruas, cidades e acidentes geográficos por nomes de “heróis”
argentinos, e moderadas ameaças contra os ilhéus em caso de desobediência.
Relata-se que oficiais menores advertiram sua tropa que deveriam abrir fogo
contra quaisquer habitantes que se recusassem a cumprir ordens dos invasores. O
recruta Santiago Carrizo do Regimento 3º relatou como o sargento que dirigia
seu pelotão, ordenou invadir as casas dos ilhéus, e mandou atirar em qualquer
um que negasse obediência. (Ver, sobre este ponto, Max Hastings & Simon Jenkins, The Battle For The Falklands, p. 307. Não conheço versão na
Internet.)
Na prática, porém, não houve vítimas
civis produzidas pelos argentinos. As três mulheres mortas foram alvo de balas
perdidas dos britânicos. Entretanto, as tropas e os oficiais tinham recebido ordens
dos comandantes, antes da invasão, de não atirar contra os civis nem os
submeter a torturas ou tratos violentos. Como se soube anos depois, a
oficialidade superior não tinha a certeza da vitória que proclamavam com tanto
alvoroço, e imaginavam que lesões contra os ilhéus poderiam ser objeto de
fortes represálias britânicas.
Nos primeiros dias de maio, pelo
menos 128 ilhéus foram tomados como prisioneiros de guerra, apesar de serem
civis, e confinados num camp durante
4 semanas. Todavia, não foram relatados maus tratos nem torturas. Acabada a
guerra, a contagem de habitantes das ilhas não revelou nenhuma desaparição e
nenhuma morte civil adicional às 3 senhoras vítimas de fogo amigo.
Um fato do qual existem bastantes
documentos é a aplicação de torturas violentas
dos oficiais argentinos aos próprios recrutas. O fato não é nada raro: os
militares argentinos vinham aplicando torturas a civis durante golpes de Estado
desde, pelo menos, 1930. O viciamento em sangue é um fenômeno intenso, como
pode apreciar-se nos relatos escritos durante a Inquisição Medieval. (Veja o
artigo “Soldados Argentinos Processam Oficiais,
Alegando Tortura” neste link.)
Alguns recrutas relataram mortes de
colegas que foram pendurados no pau
de arara com temperaturas glaciares,
ou fuzilados pelas costas por
não conseguir avançar durante os ataques. Outros foram estaqueados sobre o gelo, privados da roupa de agasalho, ou presos
nas picotas, sem água nem
comida. O número de mortos por este procedimento é desconhecido e o destino dos
cadáveres se ignora, mas em tempos recentes, foram abertos cerca de 80 processos
por causa daqueles fatos.
Além disso, os oficiais argentinos
sempre foram muito “cuidadosos” com suas vidas, e as poucas vezes que deveram
arriscá-las, o fizeram sempre sob extrema intoxicação alcoólica. Isso fazia com
que a crueldade e o sadismo se tornassem mais intensos.
O Ataque e seus
Apoiadores
No dia 03/04, o UK conseguiu uma reunião do Conselho de Segurança da ONU,
que aprovou a Resolução 502. Esta exigia da Argentina a imediata retirada de
suas tropas, e aconselhava a negociação pacífica entre ambos os países, porém
subordinada à reversão da invasão. O texto era, claramente, uma condenação da ocupação argentina.
É importante ter em conta que: (1)
Boatos de uma futura invasão tinham circulado em círculos fechados da
diplomacia ocidental antes de que acontecesse. (2) A GB, não obstante, não tinha
certeza de que o ataque se concretizara e foi tomada por surpresa.
O ditador Galtieri tinha visitado
Reagan em março de 1981, em cujo círculo de relações foi recebido com grande
entusiasmo. A direita americana considerava a Argentina como seu mais eficiente
e decidido apoio na expansão do terrorismo de estado na América Central durante
a Operação Charlie contra os povos (Guatemala, El Salvador e, especialmente,
Nicarágua) que pretendiam liberar-se do genocídio americano e dos
latifundiários. De fato, os argentinos foram instrutores dos rangers em tortura e ataques contra
civis, e forneceram a experiência de seus parapoliciais em tarefas de sabotagem
e sequestro. Além disso despregar na região suas melhores tropas, que
rapidamente foram treinadas pelos americanos no uso de armas de última geração.
Após longas conversas com Galtieri, o
presidente dos EEUU entendeu que seu colega argentino estava disposto a usar a
força contra as Malvinas. Numa carta a Margareth Thatcher, publicada por um
jornalista em 1991, Reagan dizia que Galtieri não tinha dado garantias de
negociações e que ele [Reagan] ficou com a impressão de o ditador usaria a
força (vide).
Ainda, Reagan advertiu que os EEUU eram neutros em relação com a soberania das
Falklands, mas que não seriam neutros em
relação com o uso da força, e apoiariam a GB.
Entretanto, a posição dos EEUU em
relação à Guerra não era homogênea, como pretenderam fazer acreditar o Partido
Comunista Argentino e os pequenos partidos “nacionalpopulistas” que se
autoconsideravam de esquerda. Estes pretendiam que a ação contra a ocupação
argentina era um ato imperialista
conjunto de GB, a UE e o imperialismo americano.
Mas, enquanto Reagan, a maioria de seu
governo, a CIA, e o setor OTAN do Pentágono apoiavam (forçadamente) a GB, o
Comando Sul do Pentágono, a ultradireita republicana e setores diversos
entendiam que os EEUU deviam convencer GB de render soberania e permitir que a Argentina saísse vitoriosa. Todos
eles consideravam que os militares argentinos eram indispensáveis na América
Central, pois ninguém mais era capaz de montar operações destrutivas e
violentas com tanta eficiência. Uma prova disto foi que, após a derrota da
Argentina nas Malvinas, os militares se viram obrigados a reduzir seus efetivos
na América Central, e a luta começou a ser ganha pelas forças progressistas.
Jeane Jordan Kirkpatrick (1926 –2006),
uma fanática falconette, embaixadora
na ONU, com um grau de prestígio e influência no governo americano só
comparável à que tivera Kissinger, empreendeu uma campanha de apoio a
Argentina, mas fracassou. Durante a votação da R 502 no CS, tentou subornar
alguns membros do conselho, como o embaixador da Jordânia, mas desistiu após
ter sido repreendida pelo governo. De qualquer maneira, China e a URSS, que
tinham feito numerosas manifestações contra a GB, e que ameaçaram com dar a
Argentina até apoio armado, no momento de votar mostraram que aquilo era tudo um
bluff típico da Guerra Fria, e se abstiveram. A moção contra Argentina foi
aprovada pelo voto dos EEUU, GB, França e todos os membros não permanentes,
salvo Panamá, que votou contra, e a Espanha e a Polônia, que se abstiveram.
A invasão a Malvinas teve enorme
apoio popular em Buenos Aires, e o entusiasmo da massa era igual ou maior que o
demonstrado durante a vitória na Copa do Mundo. Também a maior parte da América
Latina apoiou Argentina, com exceção da Colômbia e do Chile, que ajudou
logisticamente os britânicos, já que a ditadura de Pinochet, apesar de sua
afinidade com os argentinos, sabia que se estes ganhavam da Grã Bretanha
sobraria para eles. De fato, entre os planos dos militares estava a anexação
dos territórios de fala hispana aos quais se consideravam com direito. México
guardou uma posição neutral, mas fez jus a seu cumprimento da lei internacional
e acatou a R 502.
Nicarágua, apesar de estar acossada pelos
rangers argentinos que trabalhavam
para os EEUU na operação Charlie, apoiaram a Argentina de maneira oportunista,
como se o confronto com os EEUU significasse uma “virada à esquerda” da
ditadura sul-americana. Como sempre, Cuba ofereceu seus préstimos a qualquer um
que se confrontasse com os americanos. Uma delegação juvenil do direitizado Partido
Comunista Argentino foi recebida por Fidel Castro, quem explicou aos “muchachos”
como deviam aconselhar a seus militares para uma boa condução da guerra das
Malvinas (sic!). Os mini stalinistas ficaram admirados dos conhecimentos
estratégicos que o Comandante tinha adquirido na guerrilha de Sierra Maestra,
que parecia tão diferente da Guerra das Malvinas!
O Sonho Vira
Pesadelo
O ex chefe da NATO, o militar
americano Haig, e o chefe da CIA, o futuro presidente Bush (pai de George W.)
investiram grande esforço em encontrar uma solução negociada. Alguns dias eles
viajaram várias vezes entre Washington e Buenos Aires, levando e trazendo
mensagens da GB sobre uma possível negociação.
Ao que parece, a GB se comprometia a
não contra-atacar, se os argentinos se retiravam pacificamente, mas Galtieri e
seus militares consideraram isso um insulto a sua “honra militar”. De qualquer
maneira, os britânicos esperaram algum tempo antes de começar a contraofensiva,
mas a posição da Argentina não variou. O general Galtieri, falando pela rede
nacional de TV, enquanto carregava seu copo com uma garrafa de whisky disse que
“Argentina não se renderia, mesmo se tivessem que morrer 20.000 recrutas ou
mais”. A frase impressionou até a duríssima Iron
Maden Margaret Thatcher, que não era considerada nada sentimental.
Recém no dia 20 de abril, o gabinete
de guerra britânico autorizou o começo da contraofensiva. O primeiro ataque foi
aeronaval e foi lançado sobre a capital das ilhas só no dia 1º de maio. GB
tinha esperado 28 dias antes de agir. No dia 5 de maio o gabinete pleno da GB
aprovava um plano de paz do Peru, mas no dia seguinte a Argentina o rejeitaria.
No dia 31 de maio, com a Argentina
totalmente enfraquecida, o presidente Ronald Reagan dirigiu uma mensagem a Mrs.
Thatcher, pedindo que a vitória sobre Argentina não colocasse em risco o governo de Galtieri. Mas, as coisas
não aconteceram dessa maneira. No dia 14 de junho os argentinos se renderam, e
no dia seguinte um shopping tradicional
da capital das Malvinas foi incendiado.
Com o mesmo fanatismo com que as
massas aclamaram Galtieri quando começou a guerra, e ofereceram o sangue de
seus filhos em prol da vitória, assim também essas mesmas massas saíram às ruas
para repudiar os militares por covardes e improvisados. De fato, os recrutas
não tinham equipamento adequado para o clima, nem armas efetivas, nem o treinamento
necessário. Entretanto, os militares foram repudiados por algo que era uma
novidade em sua conduta: decidiram colocar
um fim ao matadouro dos adolescentes que tinham enviado a essa aventura insana.
Qualquer que fosse sua motivação, essa renúncia a continuar com a morte
(dos outros) deveria ter sido elogiada.
O que o povo chamava covardia, talvez
foi o único ato de piedade militar: render-se muito antes de enviar ao
sacrifício os 20.000 solados que Galtieri ofereceu a Deus. Mas tinham morto
mais de 600 e muitos ficariam transtornados, feridos, deformados, com
alterações mentais e físicas, até o dia de hoje, com a vida destruída pouco
após de começar.
Esse foi o resultado de uma guerra
que foi mais irracional e cínica do que são usualmente as guerras. Os que estão
dando apoio a que essas insanidades se repitam, por um mesquinho cálculo
político, estratégico, energético, ou simplesmente por sadismo, são seres que
envergonham os que, por desgraça, pertencemos a mesma espécie biológica... ou
quase.
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